Page 139 - Revista da Armada
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canoa da  pesca, onde começou a tornar-se notado pelos
        seus dotes de carácter e vocação para as lides do mar.  E
        assim. não é de admirar que tenha sido contratado como
        remador da falua da Torre do Bugio, onde funcionava, e
        funciona ainda, o farol da barra do Tejo.
           O seu primeiro salvamento deu-se em 1823. Quando.
        profundamente  religioso  que  era.  assistia  à  romaria  do
        Arneiro.  foi  alarmado  por grande  alarido,  conSlatando
        que  um  homem. ao atravessar uma lagoa que o mar for-
        mara, levando um garoto aos ombros, vendo-se em peri-
        go largou o rapaz que submergiu. Joaquim Lopes. sem a
        mais leve hesitação, lançou-se ta  água, mergulhou e trou-
        xe-o para  terra.  voltando  à  lagoa  para salvar também o
        homem.  prestes a afogar-se.  As pessoas que assistiram,
        tributaram-lhe uma grande ovação. tecendo elogios à sua
        coragem.
           Pouco tempo depois, um cabo artilheiro que prestava
        serviço 11<1 Torre do Bugio, foi arrastado pelo mar, no mo-
        mento muito alteroso. O <doaquim da Falua», nome por-
        que era também conhecido. pegou num cabo da embarca-
        ção.  entregou o  chicote <Ias  compllnheiros,  e  atirou-se à
        água,  nadou para o  local onde se encontrava o náufrago
        e. com  grande dificuldade e perigo devido à  bravura do
        mar. atou-lhe o cabo à cintura para o  puxarem de terra ,
        conservando-se a seu lado até o ver salvo.
           Mais tarde, s<llvou, nas mesmas condições, um sargen-
        to da guarnição da Torre que lhe ficou dedicado por toda
        avida.
           E. salvamentos como estes passaram a ser o pão nosso
        de  cada dia,  na  abnegada  vida  desse  remador da  fa lua
        transformada em salva-vidas, e sempre pronta a acorrer   o 1/1011111111'1110 ao palrão Joaquim Lopes,  f'm Olhào.  (Folo dI' JaaC/llÍm
        ao  primeiro apelo de socorro. O  plltrão Lopes começo(J   COrte Real).
        a chamar sobre si  as  atenções, nâo só em Portugal , mas   depois à costa. já morto. Por este heróico salvamento re-
        até no estrangeiro, através da imprensa que nâo se cansa-  ceberam os tripulantes da lancha , depois de muitas recla-
        va de elogiar os seus actos de coragem.             mações da  imprensa, «pesado e desgracioso medalhão»,
           Em  1833 vagou o lugar de patrão da falua e, como mio   enquanto o soldado da Torre, que tinha indicado os náu-
        podia deixar de ser. foi  eleito para o substituir, apesar de   fragos , era  condecorado,  mercê  de  ardilosa  tramóia  do
        ser o mais moderno dos remadores e a lei determinar que   governador da Torre, com a Torre e Espada!
        devia ser escolhido o mais antigo.  Os seus camaradas da   Em 27 de Março de 1856, Joaquim Lopes, ao procurar
        falua  e  o governador da Torre , todos reconheceram ser   salvar.  na  praia  da  sardinha.  em  Paço  d·Arcos.  dois
       ele o mais apto e competente para o lugar. Convém frisar   homens que tinham ficado debaixo de uma canoa voltada
       que o serviço da falua, oficialmente, era apenas o de levar   pelo temporal. ao pretender arrancar da água um  deles,
       e trazer pessoal para a Torre e prover ao seu abastecimen-  depois de  ter já salvo o outro, ele,  na  agonia, agarrou-o
        to.                                                de  tal modo que lhe tolheu os movimentos, e teriam mor-
           No dia 16 de Fevereiro de 1856, estando a costa portu-  rido ambos se  nâo acudisse  um  dos remadores da falua.
       guesa  debaixo  de  violento  temporal,  a  escuna  inglesa   Anos depois, um neto de Joaquim Lopes pagaria a dívida
       «Howard  Primorose». ao demandar a entrada da  barra,   de gratidão a esse homem - João da Cruz-, entâo já ve-
       encalhou em situaçiio crítica, disparando a Torre do Bu-  lho e inválido, trabalhando gratuitamente por ele no sal-
       gio e o Forte de $. Julião da Barra tiros de alarme. Eram   va-vidas de Paçod'Arcos para que não morresse à fome ...
       quatro horas da manhã e a falua do Bugio largou imedia-  Em  24  de Fevereiro de  1858. outra escuna inglesa, a
       tamente de Paço d'Arcos com o patrão Lopes ao leme, to-  «British Queen». encalhou no fatal baixio já mencionado.
       dos os remadores e mais dois voluntários. Mas a falua nâo   debaixo  de  forte  temporal.  Patrão  Lopes  largou  nova-
       conseguia  navegar  no  baixio.  e  por  isso  vollou  a  Paço   mente na sua lancha de pesca em seu socorro. Antes. po_
       d'Arcos  mudando  para  a  sua  ligeira  lancha  de  pesca.   rém. que pudessem salvar a tripulação. o navio foi  traga-
       Quando chegaram, de novo. ao local do encalhe já o na-  do, subitamente, pelo mar e só conseguiram salvar o capi-
       vio  inglês linha sido desfeito pelo mar em furia,  lutando   tão, quase morto, levando-o para a Torre a fim de ser as-
       os tripulantes contra verdadeiras montanhas de água, tão   sistido. A fama que já tinha. que se tornara uma lenda no
       altas que os valentes tripulantes dn  lancha  nem os conse-  país.  aumenta com o episódio que se seguiu.  Desembar-
       guiam ver. Localizados por um soldado da Torre. que lhes   cado o capitão do navio inglês, alguêm avistou um vulto
       indicava o local por gestos e gritos. conseguem. depois de   debatendo-se nas ondas. Julgou-se, a princípio, que seria
       esforços inauditos. salvar o capitâo da escuna e mais cinco   um  homem da  tripulação da escuna. mas cedo se desco-
       marinheiros. Apenas se  perdeu um. que se tinha atirado   briu ser um cão. Joaquim Lopesordel1ou aos seus homens
       ao mar quandO o naviO começou a desmantelar-se, dando   que remassem para o local , pois «de qualquer modo havia

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