Page 140 - Revista da Armada
P. 140

uma  vida  em  perigo que era preciso salvar».  Depois de   dou-o a  ir visitá-lo no seu  Paço de Caxias.  o que fez  no
           horas de  luta que já tinham , contra o mar, foram  nova-  dia seguinte, apresentando-se ao rei com a sua melhor far-
           mente arrostar com a  tempestade.  E depois de grandes   pela, ornada já com cinco medalhas de ouro e três de pra-
           trabalhos, conseguiram recolher e salvar o cão que era a   ta. Finda a segunda. também longa, entrevista entre o ve-
           mascote da «British Oueen».                         lho patrão Lopes e o rei D. Luís, este, ao despedir-se afec-
              O Governo inglês condecorou Joaquim Lopes com a   tuosamente do seu convidado, condecorou-o com O grau
           medalha de ouro de  Dedicação e  Mérito e a sua tripula-  de oficial da Torre e Espada , do Valor, Lealdade e Méri-
           ção, entrea qual havia já dois filhos, com a de prata .   to. gesto que foi entusiasticamente saudado por toda a im-
              Poucos dias depois deste  trágico  naufrágio, outro se   prensa.
           deu  na barra do Tejo; o do brigue francês «Esthefania»   As honrarias, porém, não lhe davam odinheiro de que
           e mais uma vez Joaquim Lopes arrisca a sua vida e a dos   precisava para levar uma vida com menos dificuldades. E
           seus companheiros, conseguindo salvar das ondas três ho-  então, enquanto as câmaras lhe concediam uma  pensão
           mens da tripulação, entre os quais o capitão que queria   anual, que seria transferível para sua mulher ou filhas, o
           morrer agarrado ao casco do navio e que foi  arrancado   Governo, por iniciativa .do ministro da Marinha, visconde
           dali à força.  O Governo francês enviou a Joaquim Lopes   da  Praia Grande,  dava-lhe  a  graduação de segundo-te-
           a medalha de Valor e Filantropia, com grandes encómios   nente da Armada, oferecendo-lhe o marquês de Frontei-
           ao agraciado.                                       ra as respectivas dragonas, o chapéu armado e a espada.
              Foi então que os jornais reataram a campanha que já   Por  iniciativa do citado  marquês e  do  poeta Tomás
           tinham  feito  para que o  Governo português concedesse   Ribeiro,  ambos grande amigos e  admiradores do  velho
           justo galardão à coragem e abnegação de Joaquim Lopes   patrão,  foi  inaugurada  na  humilde casa onde este vivia
           e lhe concedesse meios adequados para realizar a sua ac-  uma lápide com estes expressivos versos do poeta: Quan.
           ção  humanitária  de  socorro  a  náufragos.  O  Governo   do o Palrão, já velho, ao pédo mar assoma, I Só de encarar
           transferiu, em 1858, para Paço d' Arcos, o moderno salva-  o  Oceano o alemoriza e doma.  - Homenagem  dos seus
           -vidas que havia em Lisboa, ao serviço da Marinha, cons-  amigos Thomaz Ribeiro e Marquez de Fromeira.
           truindo  ali  um  hangar  para  o  abrigar.  Joaquim  Lopes   Também a Sociedade Beneficiente do Pará e o Centro
                                                               Promotor das Classes Trabalhadoras o nomearam seu só-
           nomeado seu  patrão, ficando a (alua do Bugio entregue
                                                               cio honorário, inaugurando este último o seu  retrato no
           a um dos seus filhos e acumulando os remadores o seu ser-
                                                               salão nobre da sua sede. Na casa onde se supõe ter nasci-
           viço com o do novo salva-vidas.
                                                               do, em Olhão, há  outra lápide comemorativa com os se-
              O patrão Lopes vivia  muito modestamente, digamos
                                                               guintes dizeres: Nesta casa nasceu em /5-X-J798 o heróico '
           mesmo que com grandes dificuldades, pois, embora tenha
                                                               Patrão Joaquim  Lopes, humilde fil/ro do povo de Olhão,
           sido graduado mestre da  Armada, continuava a receber
           o  miserável  salário de remador.  Apesar disso,  rejeitou   devotado salvador de vidas, sfmb%  de abt,egação,  bene-
                                                               mérito da Pátria e Ben[eirorda Humanidade. /B-/X-193/ .
           energicamente que o .cJornal do Comércio» abrisse uma
                                                                  Além de muitas outras manifestações de apreço, con-
           subscrição pública a seu favor , dizendo que quem, bem 011
                                                               servou até morrer, uma salva de prata que lhe fora envia-
           mal, viva do seu trabalho, não estende a mão à esmola das
                                                               da pela imperatriz do Brasil, com a seguinte dedicatória:
           multidões e que os peitos onde se abriga o amor do próxi-
                                                               A  Joaquim  Lopes,  patrão da [alua do  Bugio.  O  próprio
           mo são grandes demais para albergarem sentimentos mes-  imperador, quando visitou Portugal, fez questão de o re-
           quinhos. Já quando fora do salvamento dos náufragos da
                                                               ceber para ter o prazer e a honra de o abraçar.
           escuna  inglesa  «Howard  Primorose»  os  habitantes  de
                                                                  E a vida de mar deste grande homem havia de acabar
           Paço d' Arcos fizeram uma subscrição pública a seu favor
                                                               em beleza, como tinha sido sempre.  Certo dia, tinha ele
           que ele recusou.
                                                               84 anos, e embora oficialmente fosse  ainda o  patrão do
              Apesar de tudo continuava a sua cruzada heróica ar-
                                                               salva-vidas da barra do Tejo, era seu filho Ouirino Antó-
           rancando vidas ao mar. Em 19 de Fevereiro de 1862, con-
                                                               nio quem o substituía nas suas saídas para o mar, sucedeu
           seguiu, com grande risco, salvar todos os tripulantes do
                                                               que este tinha saído na  falua do Bugio de que era patrão.
           bergantim  espanhol «Achiles», que encalhou  na costa e
                                                               para  Lisboa, naufragando na  barra o  lugre inglês «Lan-
           se perdeu a sul do Bugio. E, dois dias depois, salvou todos   cy».  Fazendo das fraquezas forças, o velho lobo-da-mar
           os tripulantes do iate português «Almirante» que se des-
                                                               ordenou que o levassem a bordo e ao leme do salva-vidas,
           pedaçou num escolho da barra, debaixo de forte temporal
                                                               amarrou-se a este, animandoos seus remadores, fez-se ao
           eem condições de grande perigo.
                                                               mar, peJa última vez, para salvar a tripulação em risco. No
              Pelo primeiro destes salvamentos foi galardoado pelo   caminho encontrou a  falua  de seu filho,  que já havia  re-
           Governo espanhol com a medalha de ouro de Distinção   gressado de Lisboa; quase à força , tirou-o do leme do sal-
           e Humanidade.                                       va-vidas e passou-o para o da falua ordenando que esta
              Foi então que o  rei  D. Luís, atendendo aos protestos   regressasse a Paço d' Arcos. Mas ele não acatou a ordem
           gerais, que acusavam o Governo de não compensar devi-  e seguiu o  salva-vidas.  Os sete homens da tripulação do
           damente o heróico patrão Lopes, num gesto que muito o   lugre foram salvos com grande risco e esforço dos rema-
           prestigiou, e com o  aplauso geral do país, o visitou pes-  dores portugueses e o Governo inglês mandou uma meda·
           soalmente  na sua  humilde casa  de  Oeiras  felicitando-o   lha de ouro para o timoneiro do salva-vidas e uma de pra-
           pelo salvamento heróico da tripulaçáo do iate «Almiran-  ta  para o da (alua.  Ouirino, porém, entregou a de ouro
           te». Segundo os jornais da época, a visita foi longa - uma   ao  pai  e  ficou  com  a de  prata para si, dizendo que fora
           tarde inteira de conversa entre o rei e Joaquim Lopes -  aquele quem de (acto dirigira o salvamento, incutindo co-
           e muito cordial, mostrando-se o rei encantado com  tudo   ragem aos remadores para enfrentar as condições adver-
           que ouvira da boca do velho lobo-do-mar. No final , convi-  sasdo mar. Tal pai , tal filho!
           30
   135   136   137   138   139   140   141   142   143   144   145