Page 149 - Revista da Armada
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\1 Nota de Abertura









                       ... E Lisboa Moderna




            (Em seguimento da Nota de Abertura do D. o 186      A observação do meu amigo era bem ajus-
           desta Revista)                                    tada às circunstâncias que se viviam naquele
                                                             bairro, nesse tempo, e as que se vivem agora
                   dmito  perfeitamente que digam que        no Rossio.
                   estou a abusar deste tema, ou que não        Com o  nome oficial  de Praça D.PedroIV,
            A arranjei  outro  para  este  número  da        que ninguém emprega, este tradicional largo
           Revista.                                          pombalino, desde há muito centro nevrálgico
               Nada disso. É que sou de opinião que tudo     da vida lisboeta.  está transformado, mutatis
           quanto se diga a  respeito de Lisboa é  pouco,    mutandis,  num autêntico Medina:  cautelei-
            em relação ao que ela merece. Sobretudo, e é     lOS apregoando a sorte, em alta gritaria;  pe-
            esse o caso, se a  intenção for a de chamar a    dintes de mão estendida em todas as esqui-
            atenção para o  que parece não estar bem e       nas; pregador da Bíblia, com altifalante, can-
           pode ser melhorado.                               tando hosanas; vozearia cadenciada de uma
               Apesar de Portugal não ser só Lisboa, e eu    manifestação que desfila em frente do Teatro
           como oriundo da província sei-o bem, não há       Nacional, em marcha não sei para onde;  jo-
           dúvida que ela é a  sua sala de visitas e , como   vens aventureiros de ambos os sexos senta-
           tal. tem que ser tratada.                         dos nos degraus do monumento central; gen-
               Por isso insisto ...                          te apressada a todos os rumos; música de in-
               Há dias, casualmente, encontrei-me com        tervenção emanando de portas e  janelas de
           um camarada de curso no Rossio. Ambos re-         uma carrinha estacionada por ali;  propagan-
           formados , andávamos por ali à  deriva, como     da falada e musicada de um candidato à presi-
           barco perdido no alto mar, ele a fazer horas     dencia do Benfica, saindo de outra;  homens
           para iI ouvir uma conferência sobre história     embasbacados nos passeios, muitos negros: e
           Pátria e eu a gozar aquele panorama castiço       mulatos, que sobraram do nosso ex-ultramar,
           tão do meu agrado. Seriam, mais ou menos,        conversando em grupos, por países; turistas
           umas seis horas da tarde de um dia radioso de    desinibidos tirando fotografias;  funcionários
           so1'e de temperatura amena.                      do Estado,  que saíam do emprego,  a  corre;-
               Depois de nos cumprimentarmos afectuo-        para os comboios, metro e  autocarros; sinais
           samente, logo ele,  recordando tempos idos :     luminosos e  sonoros a  regular o trânsito; bê-
               - Isto parece tal e qual o Quartier Medina   bados, drogados, malucos a  falar sozinhos ... ;
           de Casablanca,lembras-te?                        bandos de pombos voando ou pousados, a dar
               Claro que lembrava. Era um velho bairro      sinal de paz que, apesar de tudo, ali reina.
           daquela cidade marroquina, a  primeira terra         Tal como sucedia no Medina de Casablan-
           estrangeira que ambos visitávamos,  embar-       ca,  em relação àquela cidade, também é  no
           cados na antiga II Sagres »,  ainda como candi-  Rossio, no meio daquela barafunda, que me-
           datos à admissão na Escola Naval. Parece que     lhor se sente pulsar o  coração desta Lisboa,
           foi ontem, e já lá vão 55 anos !                 que foi capital de um vasto império, ponto de
               E  lembro-me  também  da  confusão  que      partida  das  caravelas  dos  Descobrimentos,
           tudo aquilo nos fez:  árabes andrajosamente      berço de heróis e de santos, palco de alegrias
           vestidos a  pedir esmola, exibindo aleijões e    etragédias ...
           feridas ;  vendedores  ambulantes  a  impingir       Lisboa eterna que, apesar de velha. bem
           as suas mercadorias,  quase à  força ;  burros   lavadinha e  vestida de novo,  seria uma das
           escanzelados  carregando alforges  abarrota-     mais belas e  acolhedoras cidades do mundo!
           dos não sei de quê; produtos de artesanato
           pendurados nas paredes exteriores dos esta-
           belecimentos;  oportunistas,  dos  que apare-
           cem em toda  a  parte,  aliciando-nos  a  ir  ao
           Bouzbir(*) ; gritaria, encontrões ...               (.)  Localreservadoa cabares. casas de prazer, etc.



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