Page 153 - Revista da Armada
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. HOMEM  OLHANDO               lIIulher,  enfrelllou a famUia com o costu-  - Já segurei um navio, então lião pos-
                    O  MAR»                lIIt!irosorriso de cansaço:       sosegurarumónibus?   .
                                              - Tive um dia atarefadissimo, hoje.   Conta-me  emão  que  seu  tio  devt!fia
                                              Olhou  a filha,  meio  ressabiado.  mas   embarcar num transatlámico italiano,  foi
           Ela carregava a pasta COlllra Q  pei/o. e   ela jã  lhe devolvia  o  olhar.  com ternura.   despedir-se dele no cais.  E  até ao último
         cami"hava com eSflldada displicência - o   Uma ternura de cúmplice.   momellto, nada do tio.  Telefonou para ele
         que,  de cerlo modo,  disfarçai/a a  dese/e-                        do próprio 110 via, ficou sabendo que mio
         gdncia do /llIiforme.  Deu  lima corridilllla                       1111'  haviam  avisado  uma  alllecipação  da
         para alrtl'l'essar a rua e depois .fe compene-                      1I0ra da partida. Mas isso é 11m (lesaforo -
         troll.  leI/tal/do  fazer-se  adufw,  Logo  se   . MULHER  DE SEGURAR   decidiu ela: pois pode vir que o navio espe-
         distrata, de vitrine em vitrine, com sell pró-  NAVIO.              ra.  Quis falar com o comandallte, não foi
         prio corpo que passava, reflelido no vidro                          atendida.  Os altifalantes de bordo pediam
         - lis veus estacando pafa olhar III" vesti-  Prometi apanhá-lo c;om  meu carro tis   II retirada imediata dos visitantes, era o úl-
         do, IInIa bolsa, um sapalO.  86rbafo, mllf'   duas t! meia em ponto. As tr~s t! quinu sai   timo sinal.  Os oficiais mandaram retirar a
         murava,                           da estação de Saim  Pancras o ónibus que   escada.  Antes que a escada fosse complt!-
           No  esquilla se deteve junto à carroei·   o levará âs docas de Londrt!S. Ele embarca   lamellle recolhida,  ela st! precipitou,  dt!s·
         Ilha de sorve/e:                  para Porlllgal hoje, com toda afamília.   ceu alguns degraus e se viu suspensa no u·
           -Decltocolate.                     EncolI/ro-o já à pOfia do edificio onde   paço,  como num imenso  trampolim.  Lá
           A mãe era capaz de dizer que lião fica-  mora,  em  Kellsillgtoll,  cercado de malas   em baixo a mullidão, já acenando despedi-
         ~'a  bem  uma  moça de  13  aI/Os  tomalldo   por todos os /(1(los.  Começo a rir,  digo-llle   das,  cOlI/emplava,  nariz para o ar,  aquele
         sorve/e pela rua afora.  Ail/da mais nesse   que desista: no meu carro não caberá /ali/a   especlÓclllo de circo: a mulher era passa-
         passinllO saltitante,  evitando as lislas pre·   mala.  Ele me olha com um sorriso desa-  geiro?  Q,uria  subir  ou  descer?  Ela  ndo
         las  da  calçada,  só  pisando  nQ.f  brancas.   lentado de quem acha que brincadeira tem   q/leria nada,  e era o  que repetia teimosa-
         POI/CO se imporlava: muita coisa que lião   hora.  Com jeito vai - asseX/lra-me.   mente para os oficiais e marinheiros qlle a
         ficava bem ela gostava de fazer.  Por exem-  Para  começar,  não sabe o  que fazer   intimavam  aos berros  a  sair  dali:  daqui
         plo: tirar o sapato ali mesmo e otldor des-  com o embmlho quadrado e chato que tem   não saio,  daqui ninguém me lira - espe·
         calça.  dava vontade.  Outro uemplo: ma-  na mão -  11m qlladro que está levando de   rem chegar meu tio.  Tiveram  de esperar;
         laro liltima Ullla, pois não era isso mesmo?   presente para o  pai.  Acaba deixalldo-o â   tirá-la ii força era perigoso. acabaria todo
           Sorvete  acabado.  ficou  pensando  se   pOfia  do  edificio,  e,  com  minha  ajuda,   mundo nágua.  Esperaram meia hora até
         agora não seria o caso de comprar um saco   póe·se a transportar a bagagem para dell-  que chegasse o  tio,  com a mulher, filhos,
         de  pipocas.  Enquanto decidia,  olhava os   tro do carro.          carrinho de criallça, gaiola de papagaio-
         carlazes de cillema.  Por i/m illStaflle leve a                     mais ou  menos  como  hoje.  E,  ellvergo·
         lelllação  de  ell/rar.  ISlo  é,  se o  dinheiro   Em pouco já lião há quase espaço va-  nlladíssimo,  por pOI/CO  desiste de embar-
         desse.  Isto é.  se (lesse  tempo.  Isto é,  se jli   zio: mala traseira,  bancos, tudo abarrota-  car,  qllando fillalmellle lhe baixaram a es-
         não tivesse visto aquele filme,   do.  E neste illstame surgt! à parla s/Ia jo-  cada, sob aplau.fOs da mllltidão.
                                           vem  mulher,  como sempre tranquila,  re-
           - Amanhá vou pedir ao papai - afir-  pousada e repousante, com aqllela suavi-  Olho-a  fllrtivameme  pelo  espelhinho
         mOi/, como se falasse para o próprio sapa-  dade  das  alltigas  mães  de  família,  para   do carro.  Vejo  lima  confusão  de  malas,
         linho bra/lco na vitrine, logo adiame: bár-  quem tudo há de dar. certo. Não se preocu-  embflllhos e criallças cercalldo o rosto fa.
         baro lambém.  O pai,  naqllele instante na   pem, que vamos todos ai dentro-assegu.   miliar  dt!sto  brasileira  tranquila.  N/mca
         cidade.  trabalhando 110 escrilório.  O qlle   ra-nos,  quando o  marido  já  sugeria  um   pensei qu~ t!la fosse mulher de segurar na·
         eu eSIDlj precisando é de tomar juizo, con-  táxi suplementar, difTcil de se conseglliras-  vio. Qual/to mais se vive, mais se aprende.
         cluiu.  Mas, francameflle: só a última aula.   sim à úllima hora.      Tudo ajeitado no ónibus, fico à esprei-
         Ainda mais numa tarde  táo  bonita como   Chegam agora a govefllanta e as duas   ta, olho pregado na esquilla. Ela lião pare-
         aq/lela.  Virou a esq/lina e seguiu 1'111  direc-  crianças, que se multiplicam por três, cor-  ce preocupada. Começo a temer pela sorte
         çdoaomar.                         rendo e brincalldo.  Ele lião perde tempo e   deste  motorista  a/lO,  ossudo,  de  cabelos
           O  l//lIr.  Ondas  que se  quebravam  /ti   vai Iratalldo de enfiá-las no carro.  Depois   grisalhos  e  extremamellte  inglês,  que  jli
         adiallle, espumando verde. Ao longe, crt/·   chega  a  vez  dos  adultos.  Tira-se  lima   conslllta o relógio e vai se ajeitar ao 1'01011'
         zando a barra,  um navio branco.  O a1.ll1   mala, emra um,  ajeila.se, emra outro, to-  te para dar partida.  Mal desconfia ele que
         do cé/j sem uma nuvelll, o areia dourad/l.   dos se acomodam, agora ~ o carrinho da   está correndo o risco deemrar paro a His·
         Foi andando devagar ao longo da praia,   criança, a pOria lião se fecha.  Sobrou uma   tório, como protagonista de um extraordi-
         passo a passo, reconciliada com o III/I/Ido.   mala, lião tem importãncia. vai 110 colo-  nário acomecimento nos anais do Impirio
         levt!, distrafda, olhando o mar.   ede desaparece a meu lado sob um imenso   Britdnico.  São exactamente três e q/jinu.
           Dt! rt!pentt! t!Slacou, surpreso: num dos   saco de viagem.  Há nessa partida um vago   Respiro com aUvio, ao ver,  no último
         bancos, logo adiome, um homem também   ar de fita cómica que atrai a attllçáo do lei-  segl/lldo, meu amigo saltar de um láxi e vir
         olhando O mar.                                                      correndo com o quadro na mdo. Mal te~'e
                                           teiro jUfIlo do caminhão, sorrindo do ou-
           Um  homem alto como seu pai,  meio   trO lado da rua.  Mal consigo me mexer na   lempo de ell/rar,  e o óllibus já se afasta, a
         curvado  como  seu  pai,  olhando  o  mar.   direcçáo ao movimemar o carro.  Mas esta-  fam(fja illteira acenando alegremente.
         Mas  iJquela  hora,  sentado  sozinho  num   remos 110  estação  ãs três  e quillu,  Deus   Volto  para  o  carro  pensativo,  com
         banco  de  praia,  paletó  largado  ao colo,   seja louvado. A menos que ..   aquela  esq/lisita  seltSaçáo  de  q/lem  fica.
         olhando o mar?                       -  Vamos  voltar -  t!xclama  ele,  já a   Mas em breve voltardo das férias.  E ell/ão
           Virou rapidamente o rosto, porque de   meio caminho.              ct!ftamellte ficarei  sabendo,  caso  tellham
         se movera e já podia tê-la visto.  De/I-lhe os   Eraoqueeutemia.    esquecido mais alguma coisa, como o ólli-
         costtu e atra~'essou a rua,  aturdida com a   -O quadro. Esquecemosoquadro, lá   bus se dt!sviou de sua rota para que fossem
         dt!scoberta: ele também matava aI/Ia para   na porta da nla.        buscã-Ia em casa.
         ficar olhando o mar.                 A mulher comparece com a soluçáo:
           Ames de desaparecer na esquina, arris·   - Não dá tempo.  Toma 11m  táxi que a
         cou ainda  11111  olhar furtivo,  paro confir-  gente vai indo t!  te espera lá.  Eu seguro o   . MARINHEIRO
         mar: lá  está elt!.  Teve a impressão de  que   ónibus.                     DE PRIMEIRA
         agora dt! é qlle virava o rosto, para lião ser   Esta  extraordinária  observação,  feila
         reconht!cido.  Por via das dúvidas, foi logo   com tamanha naturalidade, me deixa us-  VIAGEM»
        para casa.                         sombrado.  Ele,  sem  uma palavra,  sai do
           Já era tempo mesmo: chegou ii hora de   carro e se mal/do pela fila atrás de um táxi.   Às QUATRO horas da  tarde o  navio
        semp're.                           Enqllall/o prosseguimos,  ponho em dúvi-  levtJ/ltou Ollcora. Na amurada da popa, eu
           A  noite, ele chegou também à hora de   da a capacidade de quem quer que seja de   via o porto se afaslar, o comomo dos arra-
        st!mpre.                           interferir no horário dt! um ónibus lia  In-  nha-céus  cada  vez  mais  esfumado.  Em
           E durame o jamar, a uma pergullla da   glaterra: segura o óllibus como?   pouco os cinco 01/ seis amixos que haviam
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