Page 16 - Revista da Armada
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HISTÓRIAS DE MARINHEIROS/9Tf~---.......


                            Camaradagem








                 certo  que  os  sentimentos  de
              ,
            E
                 camaradagem fraterna que se
                 estabelecem  na  vivência dos
            navios permanecem pela vida intei-
            ra. A intimidade que se gera entre ofi-
            ciais,  sargentos e praças, coabitan-
            do no espaço fechado de uma caixa
            de ferro, correndo. juntos, os riscos
            sempre presentes de um meio hostil,
            impõe uma colaboração estreita em
            que cada um sente a indispensabili-
            dade de todos os outros.
               Quando uma  guarnição se des-
            faz, depois do regresso de uma via-
            gem, cada  um  parte  para  um  novo
            destino, mas leva consigo a recorda-
            ção das boas e más horas vividas e
            a lembrança perene dos que com ele
            participaram nas vicissitudes que se
            venceram.
               Também  a  repetição  frequente
            de encontros de «'ilhos da escola»,
            onde lantos que deixaram a Marinha
            há  largos  anos  ainda  participam  é,
            sem  dúvida,  prova  bastante  de  um
            sentimento  de  camaradagem  que
            não morreu.
               Vou  recordar,  aqui,  dois  episó-
            dios Upicos demonstrativos do facto,
            entre lantos que poderia referir.
               Ora,  uma  vez,  preparando-me
            para atravessar, de automóvel, uma
            praça do Porto, onde diversas arté-
            rias conflufam, ouvi o apito estrldulo
            do sinaleiro de serviço, numa intima-
            tiva que não deixava dúvidas.  Esta-
            quei  o  carro repentinamente, como   Em breve, porém, teria a explicação   breves  palavras  amigas,  findas  as
            aliás outros fizeram  logo, na perple-  do facto.  Ao  chegar junto do carro,   quais  ele  foi  retomar  o  seu  posto,
            xidade de que regra de trânsito se te-  quando esperava que o rosto do si-  sem  pressas.  E,  uma  vez  em  fun-
            ria transgredido.                 naleiro se fechasse numa expressão   çôes,  fez um gesto para eu avançar
               O  sinaleiro  -  era  um  homem   reprovadora, ele abriu-se num largo   -apenas euL-, enquanto todo o
            alto, corpulento - desceu do pedes-  sorriso amigo que me surpreendeu.   trânsito  restante  quedou  suspenso,
            trai redondo de madeira, com digni-  Depois de  uma continência cor-  por uns momentos, até que eu, isola-
            dade,  e  em  passos vagarosos  diri-  recta, debruçou-se sobre a janela e   do, ultrapassei a praça.
            giu-se precisamente para o meu car-  disse:                            Confesso que aquela  prioridade
            ro. Confesso que vivi uns momentos   -  O senhor Comandante como    Ião singular e Ião amiga me emocio-
            embaraçados. Revi, mentalmente, o  eslá? .. Eu erao .. Submarino .. ("),ar-  nou. Durante uns quilómetros recor-
            meu  procedimento  anterior,  e  nada  tilheiro a bordo do «Douro .....   dei  o  81  - .. Submarino», era  alcu-
            do  que  fizera  me  pareceu  errado.   Só enlão o reconheci, passados   nha- e os saudosos tempos do na-
            Mas admiti, naturalmente, que talvez   que  eram  tantos  anos.  Trocámos   vio em que ambos embarcáramos. E
            me enganasse, tanto mais que o si-                                  senti, mais uma vez, bem viva, essa
            naleiro, ao proceder daquele modo,   n Referido jã nas "Hislórias de Marinhei-  camaradagem que nos une  a todos
            nunca o faria sem fundamento sério.   ros,. (N. °4·Via Láclea, .. RA,. n. o 85/Ou1. 78.)   para o resto das nossas vidas  ...

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