Page 186 - Revista da Armada
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AQUILO  QUE  A GENTE  NÃO  ESQUECE  (22)



            Esta é a ditosa arma




            minha A(R)MADA



               ,


                  rare o número da nossa revista que não anun·   naI  de  uma  cerimónia  religiosa  em  que  participei
                  cie encontros dos filhos da  escola  realizados   como orador sacro, fui surpreendido por uma ovação.
            E aqui e  além,  no  norte,  no centro e  no sul do   A assistência, dentro da igreja, começou a bater pal-
            país, e muitos se concretizam sem que sejam nestas   mas. Não estranhei o facto, nem ele era de todo insóli-
            páginas anunciados. Uma simples carta-circular, um   to ou irreverente. Antes, ao contrário, aquela  multi-
            simples cartão de um ci:l.IOJa são o bastante para des-  dão tomou-o como normal e naturalissimo.
            poletar ânimos e  vontades de actuais e antigos mari-  Mas, uma hora mais tarde, desvendou-se a  razão
            nheiros  e  tornar realidade um encontro que,  em al-  de tal gesto.
            guns casos, traz já foros  ancestrais, haja em vista o   Já na sacristia recebi um forte abraço de um ho-
            dos filhos da escola de 1933 que todos os anos se vem   mem desenvolto e escorreito, alegre, desinibido, bem
            realizando. A minha casa chegam dezenas de convi-  apresentado. ({Parabéns, senhor capelão)), disse ele.
            tes, pelo correio ou pelo telefone, exigindo uma pre-  E,  sem que alguém o interpelasse e  sem deixar que
            sença que dizem indispensável e  que, a  maior parte   eu próprio fizesse qualquer pergunta, ele confessou-
            das vezes, com muita mAgoa. por força de ocupações   -me.  «Sabe)), continuou, dui eu que comecei a  bater
            prOfissionais. me não é possível satisfazer. Felizmen-  palmas quando o  senhor acabou de falar. Recordei o
            te, isso não impede que os encontros se realizem e de-  tempo em que fiz  uma viagem consigo na 'Sagres'.
            corram entre abraços de recordações e, tantas vezes   Pareceu-me que estava com alguém da minha famí-
            entre lágrimas que galhardamente afogam  profun-    lia.  Desculpe  lá  a  minha atitude,  mas  não  resisti»,
            das saudades. Ao que consta, e por aquilo que eu pró-  concluiu o Santos que eu imediatamente tinha reco-
            prio indaguei, não há organização nenhuma, seja mi-  nhecido.
            litar, académica, religiosa ou mesmo politica que en-  Senti-me  na  obrigação  imperiosa  de  o  estreitar
            tre nós te:' ~a tão arreigada e  acendrada tradição de   num novo abraço.
            encontros d" amizade como a que existe na Armada.      E o episódio não ficou por aqui. Convidou-me a vi-
            Razões?!  Haverá muitas. Porém, não as sei apontar.   sitar a sua casa para conhecer a mulher e dois filhos,
            Vivem-se  durante muito  tempo os mesmos  proble-   por sinal uns lindos pimpolhOS que prometem ser a
            mas, dirão alguns. Sofrem-se as mesmas contrarieda-  alegria de seus pais. Muitas e muitas recordações dos
            des, dirão outros. Passam-se os mesmos bons e maus   tempos de Marinha.  Muitas e  muitas saudades.  E,
            bocados, dirão ainda outros. Existe um grande espíri-  não se esquivando a  deixar correr umas lagrimitas
            to de corpo, dirão aqueles. Pois bem. Mas não aconte-  pela face, desabafou em tom magoado:  «olhe senhor
            ce o mesmo nas outras instituições? Não se vivem ne-  capelão, a maior asneira da minha vida foi ter deixado
            las os mesmos problemas, não se sofrem as mesmas    a Marinha». E depois, percorrendo um álbum de lem-
            contrariedades,  não  se passam os  mesmos  bons e   branças vivas,  puxou de uma fotografia  e  soluçou:
            maus bocados, não haverá nelas um espírito de cor-  {(vê estas amarras? Foi com uma delas que fiquei pre-
            po?                                                 so à nossa Armada)).
               Por mim,  não darei resposta, embora possa afir-
                                                                Foi com uma destas ... (foto .RA. -Liberto Carvalho).
            mar que tendo terminado há 25 anos o meu curso teo-
            lógico no Seminário Diocesano da Guarda, desde en-
            tão para cá, não houve sequer uma única reunião de
            curso, um único encontro de colegas. Só agora. volvi-
            dos 25 anos, por motivo do jubileu sacerdotal, as bo·
            das de prata, se começam a esboçar intenções de reu-
            nião de curso.  Enfim.  tarde e  a  más horas,  como se
            costuma dizer.
               Que se passa então na Marinha?
               Por mim, continuo a  não saber dar uma resposta.
               Contudo,  servi-me-ei  de  um  epiSÓdio,  de  um
            apenas, e julgo será bastante, para tentar esclarecer
            aleitar.
               Não há muito tempo, foi pela última Páscoa, no fi-

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