Page 171 - Revista da Armada
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sacos  de  algodão.  Em  algumas,  já  as   estavam  sendo  alvejadas  pelos  nossos   foram descaindo lentamente para a costa
        guarnições estavam tocando trombetas.   navios, duas já tinham sido afundadas;   da Pérsia onde se acabaram de consumir.
        fazendo  grande  alarido  e  agitando  as   as restantes, tinham o convés juncado de   Afonso  de  Albuquerque,  que  se
        armas.  Detrás das naus.  safam em gru-  mortos e feridos.  Vendo a sorte que as   mudara para um batel, andava dum lado
        pos cerrados. as terradas de Onnuz que   naus  mais poderosas tinham  tido.  mui-  para o outro,  procurando coordenar as
        vinham tomar posições pelo outro bordo   tas  outras  começaram  a  aproximar-se   acções dos seus homens. Ao passar peno
        dos nossos navios, de modo a cercá-los   ainda  mais  da  praia  para onde as  suas   da  praia,  Cogcatar  mandou  atirar-lhe
       completamente. Ao longo da praia viam-  guarnições fugiam  a nado, antes que as   com  um  canhão  de  um  dos  baluartes.
        -se muitos esquadrões fonnados e a1guns   nossas  naus  se  aproximassem  delas.   Mas o tiro falhou.  Respondeu imediata-
        baluartes  com artilharia.           Albuquerque tinha dado ordens rigo-  mente o berço do  batel  que acertou em
          Afonso de Albuquerque não perdeu   rosas aos seus capitães para que ninguém   cheio no palanque donde o rei de Onnuz
        tempo.  Como o vento era muito fraco.   se lançasse à abordagem antes dele pró-  estava assistindo ao combate.  Aterrori-
        ordenou aos batéis que tomassem as naus   prio o fazer pois que, dada a superiori-  zado, o rei fugiu  para a cidade.  Cogca-
        a reboque e foi  fundear a curta distância   dade numérica do inimigo,  pensava ser   tar. vendo que os nossos batéis punham
        da grande nau  do rei de Cambaia e das   mais prudente desgastá-lo e desmora1izá-  as  proas em terra,  receou que os  ponu-
        outras  naus  que  lhe  pareceu  serem  as   -lo  primeiro com  O fogo  de  artilharia.   gueses  fossem acometer a cidade e deu
        principais  da  armada  inimiga.  E,  sem   Porém, quando verificou  que a maioria   ordem às  tropas  que  estavam  na  praia
        mais detença abriu fogo com toda a sua   das naus inimigas já não respondiam ao   para se recolherem a ela.  Isso perntitiu
        artilharia. O inimigo respondeu imedia-  fogo das nossas e que as suas guarnições   aos  nossos  desembarcar  à  vontade  e
        tamente.  travando-se  um  furioso  duelo   começavam a debandar,  deu  o sinal  de   tOIHar de assalto uma pequena povoação
        de artilharia, acompanhado por contínuas   abordagem.  pelo qual os fidalgos  espe-  que  havia  no  extremo  da  ribeira  onde
       descargas das espingardas e arremessos   ravam ansiosamente, mandando o batel   alguns  soldados  de  Onnuz  se  tinham
       de flechas, tudo isso no meio dum baru-  da  sua  nau  aferrar  a  nau  do  rei  de   entrincheirado numa mesquita. Seguida-
        lho ensurdecedor e duma densa fumarada   Cambaia.                    mente,  começaram a queimar as  naus,
       que  o  vento,  por ser  muito  fraco,  não   A tomada desta nau não foi  fácil.  Por   peno  duma  centena,  que  estavam  em
       conseguia dispersar.               um lado, a altura do seu costado tomava   reparação  ou  construção  na  ribeira.
          Aproveitando  o empenhamento dos   muito difícil a escalada dos portugueses   Se  essas  naus  fossem  queimadas,
        portugueses no combate com as  naus e   carregados  de  armas;  por  outro  lado.   seria  a  ruína  completa  da  cidade  de
        as  nuvens  de  fumo  que.  em  parte,   ainda havia nela muitos soldados aguer-  Onnuz. cuja prosperidade se devia exclu-
       cobriam os seus  movimentos.  as  terra-  ridos que durante o combate de artilharia   sivamente  ao  comércio  marftimo.  Por
       das de Ormuz atacaram várias vezes pelo   tinham  permanecido  abrigados  nos   isso Cogeatar apressou-se a pedir a paz
        bordo  contrário.  Começaram  então  as   pavimentos inferiores, e que agora sur-  enviando um "mouro~ com uma bandeira
        nossas  naus  a  experimentar  algumas   giam  no  convés  dispostos  a  repelir  os   branca  a Afonso de Albuquerque.
       dificuldades pois tinham pouca gente e   nossos. Travou-se um violento combate   Albuquerque  aceitou  a  rendi~o a
        viam-se obrigadas a sustentar o combate   à anna branca em que,  mais  uma  vez,   troco do pagamento dum pesado tributo
       de  artilharia  com as  naus adversas  por   O maior valor. a maior experiência e as   anual  e  da  autorização  para  construir
        um bordo e. ao mesmo tempo. repelir os   armaduras e capacetes dos ponugueses   uma  grande fortaleza  na ponta norte da
       ataques das tCITadas pelo outro. Porém,   acabaram por levar a melhor.  Logo que   ilha, destinada a assegurar em definitivo
       como estas, devido ao seu número, eram   os capitães dos persas foram monos, os   o  domínio  do  golfo  Pérsico  e  regiões
        forçadas a avançar em massas compac-  soldados  lançaram-se  à água.   circundantes  pelos  POrtugueses.
       tas, ofereciam um alvo ideal aos nossos   Uma outra  grande  nau,  pertencente   Na  batalha  naval de Onnuz.  perde-
        bombardeiros que não perdiam um tiro.   à cidade de Fartaque, ofereceu denodada   ram os Ormuzinos cerca de oitenta naus,
        Depois  de  algumas  delas  terem  sido   resistência ao assalto dos nossos batéis.   entre as que  foram  afundadas,  queima-
       afundadas e outras terem sofrido avarias   mas  acabou  por ser  igualmente  domi-  das no mar ou em terra, ou capturadas;
       graves  e  terem  tido  muitos  mortos  e   nada.  Cerca de vinte naus foram captu-  cerca  de  trinta  terradas  afundadas  ou
        feridos,  desistiram  dos  seus  ataques  e   radas  praticamente sem oposição.   capturadas;  cerca  de três  mil  monos e
       regressaram à praia.                  Desbaratadas as  naus  que se  encon-  muitos mais feridos.  Do lado português
          Andava ali Cogcatar, num batel, pro-  travam  mais  longe  da  praia.  os  batéis   houve apenas onze feridos entre OS quais
       videnciando o envio de reforços para as   começaram a  perseguir  às  lançadas  os   alguns  graves.
       naus que estavam sofrendo mais baixas.   numerosos soldados  e  marinheiros  ini-  Poucos dias depois. Albuquerque deu
       Ao ver aparecer as terradas,  recomple-  migos  que  a  nado  tentavam  chegar  a   infcio  à construção da  fortaleza.  Mas,
       tou as suas guarnições e tomou-as a man-  terra.  Foi uma verdadeira carnificina em   algumas  semanas  mais  tarde  teve  de
       dar ao ataque das naus portuguesas. Elas   que  foram  mortos  mais  de  um  milhar,   desistir e abandonar Onnuz, por três dos
       assim fizeram mas, de novo, sem qual-  perante o olhar horrorizado dos habitan-  seus  capitães  terem  desertado  para  a
       quer êxito.  Nos dois ataques,  perderam   tes da cidade que seguiam com ansiedade   Índia com as suas naus.  Tentou  no ano
       as teITadas de Ormuz quinze a vinte uni-  todas  as  peripécias da  batalha.   seguinte  (1508)  recuperar  a  cidade,
       dades  afundadas  e  muitas  mais  grave-  Por sobre as águas tintas de sangue.   dispondo apenas de quatro navios,  mas
       mente  avariadas.                  dirigiram-se então os batéis portugueses   também não o conseguiu.  Parecia então
          Entretanto, prosseguia o combate de   para  as  naus  que  tinham  ido  fundear   que a grande vitória que alcançara em 27
       artilharia  com  nftida  vantagem  para os   junto da praia e lançaram-lhes o fogo. ao   de Setembro de  1507  não  servira  para
       portugueses  cujos  canhões  de  bronze   mesmo  tempo  que  lhes  cortavam  as   nada.
       eram muito mais potentes que os canhões   amarras. Arrastadas pela brisa, cerca de   Mas  isso  não  era  verdade.  A  fama
       de ferro dos adversários.  Das naus  que   trinta  naus,  ardendo  como  archotes,   que nela alcançara perdurou.  E. quando
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