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PONTO AO MEIO-DIA
O Exercício
O Exercício
da Autoridade Marítima
da Autoridade Marítima
autoridade marítima, aqui assu- reram alterações às prioridades até então vêm frequentemente identificando estes
mida como autoridade admi- estabelecidas, sobretudo nas áreas do com o exercício fundamentado de poderes
Anistrativa com um quadro de ambiente e da segurança marítima em geral. de polícia. Para além das disfunções e do
atribuições assente numa trilogia de Assinaram-se Memorandos, regionais e desconforto que propicia, tal perturbação
poderes que lhe são conferidos - de disci- universais, visando precaver o fenómeno de conceitos poderá não só ocasionar o
plina e segurança da navegação, de repar- da navegação sub-standard, ratificaram- desordenamento do exercício do poder
tição marítima e de polícia e polícia crimi- -se convénios e conciliaram-se esforços do Estado no mar, como também poten-
nal -, configura, ainda hoje, a peculiar para prevenir a ocorrência de desastres ciar a ocorrência de actuação insuficiente-
visão portuguesa de exercício do poder ambientais com reflexo no meio marinho mente fundamentada por parte dos seus
público nas áreas de jurisdição marítima, e, em termos estruturais, procuraram ten- agentes fiscalizadores, suscitando indese-
visão esta que tem conseguido manter tativamente definir-se enquadramentos jáveis questões administrativas de nuli-
um coerente núcleo preponderante da sua para uma utilização optimizada dos recur- dades de acção ou gravosas questões
acção. Numa altura em que se discutem sos, particularmente dos meios navais e cíveis indemnizatórias decorrentes de acção
opções políticas e orgânico-funcionais de polícia, nas áreas marítimas sob jurisdi- indevida.
para o eventual reajustamento do exercí- ção nacional. Este é, aliás, um dos ele- Institucionalmente a autoridade maríti-
cio do poder do Estado nas áreas do desi- mentos-base presentes na discussão teóri- ma está sediada no Capitão do Porto. É
gnado domínio público marítimo e águas ca sobre esta temática, quer devido à res- esta a entidade a quem está directamente
sob Soberania e jurisdição marítima truturação evolutiva de polícias com tra- cometido o conjunto de poderes (a trilogia
nacionais, constata-se que Portugal tem, dições essencialmente aduaneiro-fiscais, supra referida) que revela, claramente, a
sem dúvida, o mais antigo modelo con- quer devido aos emergentes critérios que opção desconcentrada (local) do exercício
solidado, nascido na sua antiquíssima advogam a utilização polivalente de daquela autoridade - independentemente
tradição marítimo-naval e aperfeiçoado unidades navais em âmbito do designado da linha hierárquica em que se situa -,
com a experiência que resultou da sua sea law enforcement, o qual se entende co- muito embora, paralelamente, coexista
projecção ultramarina e, também, da mo o fazer cumprir as leis e regulamentos uma diversidade de agentes de Estado
adopção de modelos oitocentistas de marítimos nas áreas de jurisdição nacional. que executam tarefas de vigilância ou fis-
origem francesa. Com efeito, e tomando em conside- calização, quer seja na vertente das mis-
O presente Sistema de Autoridade ração os novos conceitos, integrados e sões de interesse público, quer em termos de
Marítima, cujo suporte legal ainda se globais, de ameaça com que os países com acções de polícia especializada em razão da
encontra no Decreto-Lei nº 300/84, re- vastas costas marítimas se deparam, os matéria.
sulta de experimentada prática e profun- quais surgem notoriamente conotados Afigura-se, de sobremaneira, que o
da raiz cultural. A sua génese remota com fenómenos de Segurança Interna – interesse nacional exige que se clari-
situa-se nas figuras do patrão-mor (Séc. entre outros, o tráfico de estupefacientes, as fiquem e definam políticas de actuação
XVI), do Inspector do Arsenal de Marinha migrações clandestinas, a ocorrência de para o exercício do(s) poder(es) de Estado
(Séc. XVIII), do Intendente da Marinha (Séc. poluição marítima, a predação de recursos pis- no mar, privilegiando a adopção do
XIX) e do Capitão do Porto (início do Séc. cícolas e as passagens de navios consideradas princípio da optimização de recursos como o
XIX), tendo a configuração sistémica do como não inofensivas -, afigura-se conve- mais adequado a um Estado com a di-
exercício desta autoridade sido uni- niente, aliás como vem sendo defendido, mensão de Portugal. Temos a cultura, a
formizada e contextualizada com a cria- sublinhar a necessidade de reencontrar tradição, a experiência e, ainda, o saber
ção da Direcção-Geral dos Serviços de Fo- definitivamente um ordenamento con- que nos possibilita adoptar um modelo
mento Marítimo em 1969. ceptual para a acção da Marinha no mar, próprio e consentâneo com o nosso interes-
Se observarmos as preocupações surgi- e bem assim das polícias que tendencial- se público - tomado em âmbito genérico de
das a partir dos anos 70 em matéria da mente vêm afirmando a sua acção em Segurança Interna e de Defesa Nacional -,
salvaguarda da vida humana no mar, da áreas marítimas de jurisdição nacional, sem cair na tentação simplista de, por
protecção do meio marinho e preservação consolidando-se, em quadro legal actual e fundamentação exclusivamente tecnicista
dos seus recursos, bem como toda a cres- apropriado, a tomada de medidas ade- ou justificação meramente conjuntural, se
cente institucionalização, na comunidade quadas. buscarem as soluções do problema em
internacional, de organizações especiali- A intervenção de vários agentes em importação de figurinos, eventualmente
zadas no tratamento dos assuntos rela- sede de jurisdição nacional vem-se cons- desajustados a uma consistente opção de
cionados com a res marítima, ou os convé- tituindo no entanto foco de diversas (e fundo que, inequivocamente, sirva um
nios internacionais ratificados, e bem as- por vezes dúbias) interpretações, por- país como o nosso, detentor da segunda
sim todo o conjunto de obrigações legais quanto se vem confundindo o exercício da maior ZEE de toda a Europa.
uniformizadoras assumidas pelo Estado autoridade marítima com o conjunto dos
Português no Conselho Europeu, cons- agentes de Estado com prerrogativas de Celestino da Silva
tata-se que, neste passado recente, ocor- vigilância e fiscalização, bem como se VALM
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