Page 225 - Revista da Armada
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Lições militares
                       Lições militares





          do conflito no Kosovo
          do conflito no Kosovo










               NATO alcançou uma vitória    EUA e implica a revisão das relações  girão o envolvimento directo de todas
              militar previsível por processos  entre o poder aéreo e o poder terrestre.  as capacidades nacionais disponíveis,
         Aque contrariam o pensamento e       Os erros militares cometidos não  onde se incluem o sacrifício das suas
         a prática estratégica clássica. Com  impedem que o sucesso alcançado  juventudes e o apoio esclarecido das
         efeito, embora as teorias estratégicas  pela NATO tenha profundas reper-  suas fortes e determinadas opiniões
         considerem que o poder aéreo tem   cussões na segurança europeia. Com  públicas. A inibição de um superior
         uma capacidade limitada para impor  efeito, ficou claro que a resolução de  empenhamento por parte de alguns ali-
         soluções militares, a Aliança obrigou  questões humanitárias se sobrepõe ao  ados, numa crise onde a NATO lutou
         Milosevic a capitular, sem necessidade  direito soberano dos Estados  por uma causa ética e numa região
         de arriscar a vida dos seus soldados  exercerem a sua autoridade no seu ter-  fora do seu núcleo geo-histórico, não
         em combates terrestres.            ritório e sem a interferência de outros  se repetirá quando for necessário
           Entre os erros militares cometidos na  poderes. De igual modo, tornou-se evi-  defender valores civilizacionais ou
         gestão da crise salienta-se, pelo seu  dente o papel militar interveniente da  estruturais relacionados com a tradição
         primarismo e consequências, o anún-  NATO numa Europa cuja segurança é  histórica, a filosofia política ou a con-
         cio prévio e público da exclusão da  desafiada por problemas humanitários,  cepção de vida dos aliados. Neste
         opção terrestre. Esta decisão condicio-  pela proliferação de armamentos, por  âmbito e numa perspectiva puramente
         nou o planeamento operacional e    disputas territoriais, por terrorismo,  militar, levantam-se questões em duas
         obrigou a adoptar tácticas que não  pelo tráfico de droga, pela exploração  áreas distintas. Como aliados NATO
         impediram a limpeza étnica realizada  abusiva de recursos e por problemas  interrogamo-nos sobre se os EUA terão
         pelas forças sérvias no Kosovo; para  ambientais. Relativamente à Rússia  aviões suficientes para empenhar nos
         além disso, implicaram a adopção de  importa evidenciar que as relações  dois conflitos regionais simultâneos
         uma modalidade de emprego incre-   com a NATO se manterão com grande  previstos na sua estratégia militar;
         mentalista da força militar, inadequada  prioridade, em virtude daquele país ter  questionamo-nos igualmente sobre que
         à célere capitulação de Milosevic, por  consolidado a sua posição como par-  tipos de meios devem integrar o sis-
         insuficiência de meios aéreos. Com  ceiro estratégico indispensável. Para  tema de força da Aliança, por forma a
         efeito, a 24 de Março só estavam   esse efeito desempenhou um papel de  fazer face a adversários dotados de
         disponíveis 400 aviões, quando a reali-  mediador compatível com o orgulho  razoável capacidade de defesa aérea,
         dade mostrou serem necessários cerca  estratégico dos actuais responsáveis  em regiões onde não seja fácil utilizar
         de 1000. As tácticas adoptadas tiraram  políticos, aceitou a posição determina-  bases amigas. Como aliados na UE não
         especial partido da tecnologia e de  da da NATO, e colaborou na per-  podemos deixar de revelar preocu-
         capacidades do poder aéreo: imagens  suasão e na capitulação de Milosevic.  pação pela debilidade da nossa defesa
         satélite destinadas a identificar em  Tem-se assistido a um entusiasmo  colectiva e da nossa autonomia de
         tempo útil as características físicas e  excessivo nas análises ao sucesso mili-  decisão face aos EUA. São profundas
         funcionais das forças adversárias; sis-  tar alcançado pela NATO no Kosovo.  as deficiências de organização, de
         temas de armas de grande precisão,  A prudência e experiências anteriores  meios de combate e de meios de con-
         nomeadamente mísseis de cruzeiro,  recomendam que não se tome como    sulta, comando, controlo, comuni-
         bombas guiadas a laser e mísseis   válida a possibilidade de vencer   cações e informações. Para solucionar
         AGM-130 com guiamento vídeo e alta  futuras guerras sem baixas, com   estas deficiências torna-se necessário
         taxa de precisão (99.6%); sofisticados  reduzido apoio da opinião pública  reforçar os orçamentos de defesa e
         sistemas de guerra electrónica que  interna, e tirando partido da tecnologia  rever o estatuto de neutralidade de 4
         reduziram substancialmente a eficácia  e de capacidades do poder aéreo. A  membros da UE. Para além disso, será
         das defesas sérvias; e bombardeiros  forma como Milosevic capitulou não  imprescindível desenvolver uma ver-
         B1, B2 e B52, apoiados por uma enor-  se verificou no passado e também não  dadeira doutrina estratégica europeia,
         me diversidade de outras aeronaves de  será o modelo do futuro, porque os  tarefa possível depois de uma adequa-
         ataque, caça, reconhecimento e trans-  adversários, os objectivos, os meios, a  da evolução da mentalidade naciona-
         porte. Evidenciamos os bombardeiros  geografia e o tempo serão diferentes e  lista dos povos europeus, que permita
         B2, que de forma sustentada, em voos  condicionarão a manobra militar. Em  identificar e consensualizar a um nível
         sem escala e com a duração de 33   estratégia não há soluções únicas nem  muito superior ao actual, os interesses
         horas, realizados a partir da base de  definitivamente melhores. Tudo de-  comuns de segurança.
         Whiteman, no Missouri (EUA), ata-  pende do contexto. Por isso, se nos
         caram alvos na Sérvia e no Kosovo. É  Balcãs os aliados não admitiram baixas
         um feito sem precedentes na história  e apenas utilizaram o poder aéreo,
         da aviação militar, que traduz a actual  outras situações haverá, ligadas à defe-       António Silva Ribeiro
         capacidade de projecção de força dos  sa dos seus interesses vitais, que exi-                        CFR

         6 JULHO 99 • REVISTA DA ARMADA
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