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PONTO AO MEIO-DIA
A Marinha e a Hidrografia
A Marinha e a Hidrografia
de todos bem conhecido o esforço vés do Instituto Hidrográfico, procura dar Em terceiro e último lugar, a execução
épico realizado pelo povo português resposta. Estes desafios orientam-se segun- de produtos que sejam eficientes e se-
Éna obra dos Descobrimentos. O de- do três grandes linhas mestras que passo a guros na apresentação ao utilizador da
sejo de exploração, a esperança de desco- traçar e que constituirão, salvo melhor opi- informação adquirida e processada. Este
brir uma rota para o rico comércio das es- nião, as principais preocupações da hidro- aspecto é uma das áreas onde maior in-
peciarias da Índia e o impulso de dissemi- grafia no novo século que se avizinha. vestimento se verifica por parte de diver-
nar a fé cristã acabaram por se converter Em primeiro lugar, a exactidão na sos parceiros e da qual a Marinha não se
num desígnio nacional que marcou uma aquisição de dados sobre a natureza e tem alheado. Enquadram-se neste grupo
época da História universal. forma do fundo do mar, em particular, e os problemas relacionados com a pro-
Contudo, talvez já não seja tão evidente sobre o ambiente marinho, em geral. Este dução, distribuição e actualização das car-
e reconhecido o esforço, não menos assi- problema, que assumiu particular relevân- tas oficiais, em papel ou electrónicas. O
nalável, de exploração científica no domí- cia em anos recentes com a necessidade de Instituto Hidrográfico é, por lei, o orga-
nio da hidrografia que acompanhou o fei- quantificação da qualidade da informação nismo nacional produtor de cartografia
to das Descobertas e que foi perdurando apresentada ao utilizador, pode ser de- náutica oficial e, por isso, enveredou em
até aos nossos dias, pese embora a notorie- composto em dois grandes subgrupos: um devido tempo pela via da cartografia di-
dade de alguns episódios, exemplares da que se prende com a determinação exacta gital, tendo em vista a produção de cartas
coragem e competência científica nacio- da posição da plataforma de observação electrónicas de navegação. Este objectivo
nais, muitos deles soberbamente protago- (esteja esta na superfície do oceano ou sub- está hoje atingido, havendo contudo que
nizados por oficiais da Marinha que servi- mersa), o outro relacionado com a localiza- garantir capacidade suficiente para efec-
ram, servem e servirão de referência para ção exacta duma observação realizada por tuar o trabalho, muito exigente, de actua-
gerações e gerações de camaradas. métodos indirectos e à distância. Para me- lização das cartas e demais documentos
Este esforço está discretamente regista- lhorar a fiabilidade da solução do primeiro náuticos produzidos.
do nos milhares de pranchetas de sonda- subgrupo, constitui factor decisivo a Outros tipos de produtos podem ser
gem e de levantamentos topográficos, tes- implantação da cobertura nacional do sis- construídos a partir dos dados existentes
temunhas da observação cuidada e siste- tema de GPS diferencial (DGPS, Differential sobre o ambiente marinho; a exploração
mática dos fundos e das terras onde a ex- Global Positioning System), projecto actual- racional e eficiente do enorme volume de
pansão marítima portuguesa obrigou, mente em curso e com boas perspectivas informação acumulado ao longo dos anos
para o seu completo domínio, ao seu cabal de concretização, bem como a investigação obriga ao desenvolvimento de sistemas
conhecimento. Nos dias de hoje, a ver- na área da acústica submarina. A solução de informação suportados por bases de
dadeira dimensão desta tarefa apenas para o segundo subgrupo depende de dados, concebidos para fornecer ao uti-
pode ser imaginada, tal é o fosso tecnológi- investimentos avultados em equipamen- lizador o modelo multidisciplinar da rea-
co que nos separa desses dias de então. tos que detectam pequenas variações em lidade observada, que está na base dos
De facto, os hidrógrafos percorreram factores ambientais e na orientação espa- modernos Sistemas de Informação Geo-
um longo caminho desde os dias das son- cial da plataforma de observação, e ainda gráfica. Nesta área o esforço tem sido as-
das a prumo até aos sondadores acústicos nos diversos sistemas de medição. Neste sinalável, com a criação de bases de da-
modernos, que adquirem dados sobre o campo, a Marinha tem feito um esforço dos e de aplicações modulares permitin-
fundo do mar à razão de 3000 sondas por considerável de acompanhamento das tec- do re-alimentação por assimilação de
segundo. Esta recente tecnologia, aliada a nologias existentes e de actualização de dados (observados ou gerados por mode-
outras que adiante referirei, é a resposta da equipamentos. los numéricos).
hidrografia aos requisitos de segurança de Em segundo lugar, a capacidade de pro- São, em resumo, estas as grandes linhas
uma navegação marítima em contínuo cessamento e de armazenagem sistemati- de orientação da hidrografia actual.
crescimento. A Organização Hidrográfica zada dos dados adquiridos. Com a aqui- Apenas com investimento adequado em
Internacional, de que Portugal é membro sição a ser realizada em formatos inteira- cada uma delas poderá a Marinha cum-
fundador, estabeleceu já como imperativa mente digitais, é compreensível que as so- prir as tarefas que lhe competem no capí-
a obtenção da cobertura total do fundo em luções para os problemas englobados nes- tulo do conhecimento do mar, essencial
áreas de navegação consideradas críticas, ta área estejam intimamente relacionadas para a satisfação das exigências que a
tais como as entradas dos portos ou os com a evolução que continuamente se re- Nação entenda por bem colocar-lhe. De
canais de navegação. Do ponto de vista gista nas tecnologias da informação. Feliz- entre estas saliento o previsível cometi-
militar, também a cobertura total do fundo mente para o hidrógrafo, esta evolução mento à Marinha da execução do projecto
constitui um requisito das operações na- tem acompanhado as necessidades da hi- de extensão da Plataforma Continental, à
vais modernas, desde que o teatro de ope- drografia em vários domínios (transmis- luz do Direito Internacional, a mais im-
rações sofreu a bem conhecida transição são de dados, armazenamento de alta ca- portante missão, na área de actividade do
do mar profundo para o mar costeiro. pacidade, velocidade e fiabilidade no pro- Instituto Hidrográfico, deste final de
O uso do mar, nos seus primordiais vec- cessamento, desenvolvimento de software, século.
tores da exploração económica, da segu- gestão de informação). Contudo, existe
rança, da defesa e da exploração científica, uma necessidade constante e premente de
coloca actualmente um conjunto muito sé- actualização em sistemas de informação, o José Torres Sobral
rio de desafios aos quais a Marinha, atra- que constitui um encargo de monta. VALM
4 NOVEMBRO 99 • REVISTA DA ARMADA