Page 335 - Revista da Armada
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O Cruzador “D. Carlos I” e “Almirante Reis”
O Cruzador “D. Carlos I” e “Almirante Reis”
- A propósito do seu Centenário
- A propósito do seu Centenário
Conclusão
OS ÚLTIMOS ANOS DA MONARQUIA Poucos dias mais tarde, em 1 de Fevereiro, ficou decidido: a revolução sairia à rua na ma-
o rei D. Carlos e o príncipe D. Luís Filipe (2) drugada do dia 4. O vice-almirante Cândido
a viragem do século, do mesmo são assassinados. Os autores materiais do dos Reis (7) era o seu chefe militar. No dia 3
modo a que se assiste ao início da regicídio foram dois militantes republicanos: dá-se um imprevisto: o Dr. Miguel Bombarda
N actividade do novo navio, adivinha- Manuel Buíça, antigo sargento do Exército e (8), um dos chefes civis do golpe e senhor de
-se a mudança de regime que a evolução empregado de comércio, e Alfredo Costa, muitos dos seus segredos, é atingido a tiro,
política e social ocorrida em Portugal durante professor de um colégio lisboeta, mação e vindo a falecer. Instala-se a confusão e a incer-
o século XIX tornara inevitável. participante do golpe de 28 de Janeiro. teza tanto nas hostes republicanas como nas
Factores sociais como a reforma religiosa, Os republicanos, enquanto força política, do regime. Naquela mesma noite o rei, que
as limitações ao poder feudal da nobreza e a não tiveram envolvimento directo no atentado. jantava com o Presidente da República brasi-
emergência de uma classe proletária, bem O governo cai. Responsabilizado por leira, Hermes da Fonseca, é avisado da imi-
como os reflexos do ambiente internacional, alguns pelo regicídio, João Franco exila-se. nência da revolução. Nada pode fazer no en-
principalmente substanciado na crise do tanto, já que poucos pareciam já dispostos a
Ultimato (1890-91), contribuiram para a con- A REVOLUÇÃO E O PAPEL sacrificar-se pela monarquia.
vicção de que a sobrevivência do País DA MARINHA À uma da madrugada de 4 de Outubro,
dependia de uma mudança de regime. dado o sinal de início da revolução com
Sob o ponto de vista político, os primeiros D. Manuel (3) subiu ao trono, mas o país uma salva de três tiros do cruzador “Ada-
anos do séc. XX são de grande agitação, sabia que tinha um monarca a prazo: era mastor”, é sublevada a primeira unidade
acentuando-se as divergências no seio dos claro para todos, monárquicos e republi- militar: revoltosos civis, chefiados pelo guar-
partidos que se vinham alternando no poder canos, que o fim do regime estava próximo, da-marinha Machado Santos (9), apoiam a
desde há duas décadas. João Franco em só faltava saber o dia e a forma que assu- tomada do quartel de Infantaria 16. Seguem-
1901, e Jacinto Cândido (1) em 1903 criaram miria. Sinal da instabilidade que assaltava as -se outros quarteis, trocam-se tiros entre os
os seus prórios agrupamentos políticos, cindi- forças políticas que o apoiavam é o facto de, republicanos e a guarda municipal e, pelas 5
dos dos regeneradores de Hintze Ribeiro, durante o seu breve reinado (um ano e meio da manhã, Santos fixa um posto entrinchei-
então no poder. Em 1905 são os progressistas apenas), ter tido necessidade de nomear seis rado na Rotunda, acção que se viria a reve-
de José Luciano de Castro quem vence as governos sucessivos. lar decisiva para a moralização das forças re-
eleições, para um breve consulado de pouco O congresso de 1909 do partido republi- volucionárias.
mais de um ano. Hintze forma depois novo cano (4) preconizava a via revolucionária Ao mesmo tempo que Infantaria 16 é
governo, que abandona por ter visto negado para a conquista do poder. Com o apoio da sublevada também o Quartel de Marinhei-
pelo rei o seu pedido de poderes absolutos. A Carbonária (5), que neste congresso ganhou ros, em Alcântara, se passa para o lado da
sua demissão desencadeia novo surto de agi- particular influência, iniciam-se os trabalhos insurreição e, um pouco mais tarde, é a vez
tação social, que se manifesta também na conspirativos. dos navios. Os cruzadores “Adamastor” e
Marinha, através de revoltas nos cruzadores A acção da Marinha será decisiva (6). “S. Rafael” içam a bandeira verde e vermelha
“D. Carlos I” e “Vasco da Gama”. Na noite de 2 de Outubro de 1910 tudo (10) da república.
O Rei chama então João Franco à chefia
do governo (1906). Inicialmente apoiado por
José Luciano, Franco lança iniciativas
reformistas e disciplinadoras. Em 1907, per-
dido o apoio do velho barão dos progressis-
tas, obtém do rei a dissolução do parlamento
e passa a governar em ditadura. Em No-
vembro daquele ano, numa entrevista a um
jornal francês, o rei D. Carlos, numa declara-
ção que seria hoje um paradigma do politi-
camente incorrecto, afirma que não abre
mão de João Franco para não ter que aturar a
desordem parlamentar...
Em 28 de Janeiro de 1908, republicanos e
dissidentes progressistas dão um golpe que
ficaria conhecido como o do “elevador da
Biblioteca”. O golpe é sufocado pelas forças
fiéis ao governo, que reage violentamente.
Um decreto de 31 de Janeiro prevê mesmo a
deportação de quem atente contra a segu- O ministro do interior, Dr António José de Almeida discursando à guarnição do cruzador depois
rança do Estado. da cerimónia de içar a bandeira da República em 1 de Dezembro de 1910.
8 NOVEMBRO 99 • REVISTA DA ARMADA