Page 336 - Revista da Armada
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No “D. Carlos I”, cujos oficiais se conser-  do "Almirante Reis": o seu comandante  Segundo Pereira da Silva as ameaças vêm
         vavam fiéis ao rei, vale a intervenção de um  (CMG Joaquim Nunes da Silva, que tinha  de Espanha e de uma poderosa nação do
         grupo chefiado pelo 2º tenente Carlos da  assumido o comando dias antes) é grave-  Norte (a Alemanha, que se rearma segundo
         Maia que, na noite do dia 4, toma o navio de  mente ferido durante os incidentes, vindo a  os conceitos de Mahan). O objectivo é ...
         assalto, à custa de ferimentos no comandante  falecer, no dia seguinte, no Hospital da  substituir esta Marinha disparatada que
         e em mais três oficiais. Na manhã de 5 de  Marinha. Igual sorte, na mesma ocasião,  temos... (16).
         Outubro já o “D. Carlos I” desembarca uma  teve o comandante do cruzador "Vasco da  Em 1912 é finalmente dada força de lei à
         força de 70 praças, que se junta, em terra, às  Gama".                aquisição de 2 cruzadores, 6 destroyers, 3
         dos restantes cruzadores.                                             submersíveis, e um navio-base para estes últi-
           Às 11 da manhã, José Relvas proclama a  OS PLANOS DA MONARQUIA      mos. O crédito teria a mesma origem dos
         república em Lisboa, da varanda da Câmara  À REPÚBLICA                anteriores e frustrados programas.
         Municipal.                                                              Mandam-se então construir no Arsenal de
           A revolução salda-se com 76 mortos e  Nos últimos anos da monarquia são dis-  Marinha os 4 contra-torpedeiros da classe
         cerca de 300 feridos. Ao rol dos caídos de am-  cutidos dois planos navais, nenhum deles é  "Douro" (17) e mais 3 submersíveis em Itália.
         bos os lados acrescenta-se o nome do Almi-  concretizado por ter falhado o apoio finan-  No início da 1ª Guerra Mundial apenas
         rante Cândido dos Reis: na noite de 4, com a  ceiro inglês.           um contra-torpedeiro e um submersível estão
         revolução na rua, mas quando                                                    já operacionais.
         reinava ainda a incerteza sobre a
         sua sorte, é conhecida a sua                                                    A PRIMEIRA GUERRA
         morte por suicídio. O seu nome,                                                 MUNDIAL E O OCASO
         de marinheiro e republicano ilus-                                               DO “ALMIRANTE REIS”
         tre, será perpetuado no cruzador
         a partir do dia 1 de Dezembro                                                    Em 28 de Junho de 1914, o
         (11), em substituição do sobera-                                                assassinato em Serajevo do
         no morto dois anos antes.                                                       herdeiro do trono Austro-Hún-
           Dos 800 oficiais então ao                                                     garo é o episódio que faz ex-
         serviço da Marinha, apenas 16                                                   plodir velhas rivalidades na
         pediram a sua demissão (12),                                                    Europa. Irrompe o primeiro con-
         embora seja mais numerosa a                                                     flito global do século.
         lista dos que não assinam o                                                      Embora o Congresso tivesse,
         compromisso de honra pedido
         pela República em fins de 1910.                                                 desde logo, aprovado a entrada
                                                                                         do País no conflito, ao lado da
         OS PRIMEIROS ANOS                                                               Inglaterra, é apenas em 1916
         DA REPÚBLICA                                                                    que tal acontece, na sequência
                                                                                         da declaração de guerra pela
           Os primeiros anos da jovem                                                    Alemanha, provocada pela re-
         república são atravessados por  Banho de mar da guarnição.                      quisição dos navios desta na-
         dificuldades económicas, agi-                                                   cionalidade então refugiados
         tação política, com cisões nas hostes republi-  Em 1907 o ministro Aires de Ornelas pro-  nos portos do continente, das ilhas e do
         canas, e por intentonas militares.   põe a aquisição de 2 contratorpedeiros (que  ultramar, realizada a pedido do seu mais
           As lutas internas nos republicanos não  seriam os primeiros da Marinha), 6 tor-  velho aliado.
         eram mais do que o reflexo da ascensão ao  pedeiros, 2 submersíveis (igualmente os  Portugal tinha boas razões para participar
         poder de um grupo onde todos (republica-  primeiros), 1 vapor de regulação de torpedos  no conflito. A defesa das colónias cobiçadas
         nos, socialistas, mações e carbonários) tinham  e uma vedeta. No curto reinado de D. Ma-  por ambas as partes e desde cedo atacadas
         até então cabido, sem esquecer os revolucio-  nuel (com o ministro Azevedo Coutinho), o  pela Alemanha, a afirmação do País em re-
         nários de última hora e o desaparecimento  projecto é para 3 cruzadores protegidos, 8  lação a uma Espanha neutral e o desejado
         prematuro de figuras respeitadas como Cân-  contra-torpedeiros e submersíveis. Em Junho  re-conhecimento do ainda jovem regime
         dido dos Reis e Miguel Bombarda.   de 1910 Azevedo Coutinho encomendou em  republicano numa Europa maioritariamente
           Decorrido o mês da festa, logo em Novem-  Itália o primeiro submersível - o Espadarte  regida por monarquias, relevam de entre os
         bro regressam as greves (13) e a agitação social  O primeiro dos planos é clássico, virado  factores que levaram Portugal a assumir
         que nem o início dos trabalhos da Assembleia  para a defesa dos portos e da costa, o segun-  aquela posição. A Inglaterra, no entanto,
         Constituinte, em Junho de 1911, logra acalmar.  do já contempla uma componente de pro-  não se entusiasma com a voluntariedade
           O velho partido republicano tinha dado  jecção do poder naval, como que actualizan-  portuguesa, ciente que estava da sua debili-
         lugar a três agrupamentos principais, que  do o plano original de Jacinto Cândido de há
         dominaram a vida política até 1917 (14): o  quinze anos atrás.        dade no plano militar.
         partido Democrático de Afonso Costa, o Evo-  Logo após a proclamação da república sur-  A Marinha não é excepção na falta de
         lucionista de António José de Almeida e a  gem novos projectos, acolhendo agora os con-  preparação nacional para o conflito. O últi-
         União Republicana de Brito Camacho.  ceitos do então 1º tenente Pereira da Silva,  mo plano naval executado (ainda que par-
         Como diz a História de Portugal dirigida por  crítico feroz do plano de Aires de Ornelas. É a  cialmente) tinha sido o de Jacinto Cândido.
         José Mattoso, ... Os programas partidários,  vitória dos mahanistas (15), como afirma  Não existem meios para mais do que tentar
         apesar de algum esforço de originalidade,  António José Telo (op. cit.). As intenções são  assegurar a defesa dos portos contra ameaças
         eram quase os mesmos. Todos queriam  de adquirir 6 couraçados de 12000 ton, ainda  de superfície e a protecção das forças expedi-
         cuidar da educação, todos detestavam os  com dinheiro inglês. Em 1912 novo e  cionárias enviadas para África.
         Jesuítas, todos estavam do lado do povo.  grandioso plano é proposto ao Congresso: 3  A última missão significativa do cruzador
           Durante o breve período da ditadura do  couraçados de 21500 ton, 3 cruzadores de  "Almirante Reis" é precisamente a escolta de
         general Pimenta de Castro (Janeiro a Maio  2500 ton mais uma força substancial de torpe-  dois transportes de tropas até Moçambique,
         de 1915) e em reacção para retorno ao cons-  deiros e de submersíveis. Novo falhanço por  viagem que decorre entre Setembro de 1914
         titucionalismo, dá-se uma revolta a bordo  repetida falta do apoio inglês.  e Fevereiro de 1915.       ✎
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