Page 80 - Revista da Armada

Mediterrâneo
Mediterrâneo

e o factor geográfico
e o factor geográfico

isse Spykman que a Geografia é o factor do poder No Mediterrâneo, culturas milenares “convivem em con-
nacional mais importante porque é o mais perma- flito”.
Dnente. Para além de alguns fenómenos naturais também fre-
A Geografia influencia o carácter de um povo, condiciona quentes, outros terramotos sociais marcam cada uma das
os seus hábitos de vida, tornando-se um dos pilares da sua eras, idades, séculos ou épocas.
formação cultural. O reino do Egipto prolongou-se por milénios. Os impérios
É na História que encontramos o registo destes factos. É Assírio e depois o Babilónico ainda são contemporâneos do
na História que analisamos o modo como essa influência apogeu da Grécia do século IX ao século VI a.C.. Está na
afectou o seu comportamento e o seu relacionamento com Antiguidade Grega o primeiro pilar da nossa Cultura Oci-
as populações de outras regiões geograficamente diferentes. dental.

No Mediterrâneo, tal como em outras grandes áreas onde Os hebreus tiveram o seu exílio no Egipto no século XIII
convivem culturas milenárias, o estudo da Geografia e da a. C. e repetiram-no na Babilónia no século VI a.C.. O
História são essenciais para a compreensão dos actuais império persa libertou-os e dominou a Ásia Menor chegan-
desenvolvimentos estratégicos. Contudo, é interessante veri- do à Europa, a Norte do Egeu.
ficar como esta reali- Alexandre da Ma-
dade não se aplica cedónia, o Grande,
com a mesma evidên- invadiu as costas do
cia em todas as re- Mediterrâneo orien-
giões do mundo. tal na Europa, na
O estudo geopolíti- Ásia e em África, no
co do vasto conti- século IV a. C.. Der-
nente americano de- rotou o imperador
bruça-se essencial- persa e avançando
mente sobre o cal- para Oriente fez do
deamento de popu- mundo conhecido o
lações imigradas, um seu império.
movimento que teve Cedo se fragmen-
valores mais signi- tou, enquanto Roma
ficativos apenas no crescia. Roma é o se-
último século e meio. gundo pilar da nossa
É mais importante o Cultura Ocidental.
encontro, o choque ou o convívio de grupos culturais dife- E durante pouco mais de cinco séculos (cerca de 70 a. C.
renciados, do que propriamente a influência, em tão curto até meio do século V d. C.) o Mediterrâneo foi um mar
período histórico, do novo meio geográfico. romano, não um lago romano como muitas vezes se diz
Mas já não são indiferentes os sedimentos geográficos que porque continuou a ser palco de guerras.
os imigrantes trazem na sua bagagem cultural. Diz-se, por
exemplo, que o açoreano se sente mais à vontade do que Foi no primeiro século deste domínio romano que se deu um
outros portugueses nas áreas sísmicas da Califórnia, porque acontecimento tão importante que marca o início da nossa
transporta consigo uma grande habituação a esses fenó- Era, o início da contagem dos tempos pela qual se regem to-
menos naturais. dos os povos do globo, quando pretendem entrar no conví-
Na América, a geopolítica é “feita” por uma classe geo- vio universal.
graficamente estrangeira e moderna, no calendário da O nascimento de Cristo e o desenvolvimento do terceiro
História. pilar da nossa cultura que começou por se designar “Cris-
tandade”, que só muito mais tarde se chamou de Cultura
Em África, a geopolítica é “feita” por uma classe nascida Europeia e hoje é referida como Cultura Ocidental.
naquele meio geográfico, mas até há muito pouco tempo As diferenças étnicas, na Bacia do Mediterrâneo, tiveram
politicamente alienada e que pretende empreender, com algumas alterações, principalmente em resultado das
mais dificuldade, uma grande transformação, afirmando a invasões dos povos do centro da Europa, no princípio do
sua identidade e assumindo o seu destino. século V, dos eslavos em direcção aos Balcãs logo a seguir,
Aqui sente-se com muita frequência que a ligação do dos árabes do Sul no século VII e de outras migrações.
homem à terra é profunda, mas tem muito pouco que ver
com as nações que vivem dentro das fronteiras traçadas arti- Mas o mosaico cultural acentuou-se mais por força da
ficialmente por outros, nas distantes cidades de Berlim ou diferenciação do factor religioso, ainda que todos os povos
de Bruxelas. do Mediterrâneo reconheçam o Patriarca Abraão (1800
a.C.) e aceitem os princípios fundamentais da Bíblia (Antigo
Na Ásia residem culturas autóctones muito antigas, cheias Testamento): Os hebreus, desde há milénios; os cristãos,
de sabedoria e de tradições, que só aceitam outras influên- desde o início da nossa Era (1); o islamismo, a partir do iní-
cias na exacta medida em que podem favorecer os seus in- cio do século VII. Posteriormente, separaram-se da Roma
teresses, e fazem-no através de um processo lento de incul- católica os ortodoxos, em meados do século XI, e as igrejas
turação que pretendem ser eles mesmo a conduzir. cristãs reformadas, a partir do início do século XVI.

6 MARÇO 99 • REVISTA DA ARMADA