Page 81 - Revista da Armada
P. 81
O Mediterrâneo, pela sua pequena dimensão e pela sua Este século começou com três guerras nos Balcãs e parece
configuração alongada, sempre favoreceu as comunicações. que o milénio vai acabar em guerra: sérvios ortodoxos e mu-
O mar foi mesmo o único elo de ligação entre os povos das çulmanos no Kosovo, e ambos com os cristãos na Bósnia; tur-
suas ilhas ou das suas margens, desde as primitivas civiliza- cos muçulmanos e gregos ortodoxos, em Chipre; hebreus e
ções marinhas egípcias do V milénio a. C., ou da primeira muçulmanos em Israel e na Palestina; as emigrações do
talassocracia cretense, entre o IV e o II milénios a. C. Norte de África árabe para o Sul da Europa, etc.
“O Mediterrâneo, o mais belo de todos os mares, com A Europa deseja garantir a segurança e a paz no Medi-
ondas de um azul transparente, é também aquele que a terrâneo. Para isso exerce a vigilância e mantém uma pre-
história revela mais útil e mais benfazejo. sença no mar, procurando evitar que riscos e crises
... o homem, nestas regiões é irresistivelmente atirado degenerem irremediavelmente em conflitos.
para o mar. O remo parece aqui tão necessário como a Não devemos entrar no III milénio da nossa Era e VIII da
charrua ou o cajado do pastor. Por todos os lados uma terra História do Mediterrâneo, indiferentes ao desenvolvimento
acessível chama e convida a trocar o que ela tem por aquilo tecnológico que facilita extraordinariamente a troca de co-
que lhe falta. Não há costa donde se não aviste uma ilha. O nhecimentos e de informações tão úteis à melhor compreen-
marinheiro pode singrar em direcção a vários fins, todos são entre os povos, e ignorando os projectos universais de
eles visíveis (2)”. paz, de liberdade, de solidariedade e, principalmente, de
Mas é estranho. A História do Mediterrâneo foi e é uma maior respeito pela pessoa humana.
história de guerras. Não é a união consentida por este “mar
no meio da terra”, nem são os valores que constam do Livro
comum, que dominam as relações entre os povos ribeiri- António Emílio Ferraz Sacchetti
nhos. Estas são antes marcadas pelos elementos que os afas- VALM
tam, pelas diferenças étnicas, genéticas, pelos choques de
interesses divergentes, pelas lutas religiosas e lutas pelo
poder.
Os cercos de Jerusalém (701, 598-7, 588-7 a. C. e 70 NOTAS:
d.C.) e as destruições do Templo (587 a.C. e 70 d.C.), os (1) O cristianismo só se dispersou pela Europa a partir do fim do século IV.
saques e a conquista de Roma pelos bárbaros (476 – fim do Em 313 o Edito de Milão garantiu liberdade aos cristãos. Em 496
Império Romano do Ocidente), a queda de Constantinopla (para outros autores 507) foi o baptismo de Clovis, rei dos francos,
(29 de Maio de 1453 – fim do Império Bizantino e fim da e de 3000 dos seus súbditos (cf. Donald Matthew, Atlas of Medieval
Idade Média), são exemplos de conflitos ligados às capitais Europe, Phaidon Press Ltd., Inglaterra, 1986, p.39).
(2) G. Glotz, La Civilisation Égéenne, pp. 3-6, citado por António
imperiais e religiosas que marcam as Idades da nossa de Sousa e Faustino Torres, Primeiras Sociedades Comerciais, Lisboa,
História. Empresa Contemporânea de Edições, 1946, pp. 35-36.