Page 217 - Revista da Armada
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Património Cultural da Marinha
Património Cultural da Marinha
Peças para Recordar
17. AFRAGATA “D. FERNANDO II E GLÓRIA“
Só pode ser potência naval dominante a nação que, na época, liderar o conhecimento científico e
tecnológico ligado ao uso do mar. Portugal foi a potência naval dominante no início da era dos
grandes veleiros porque os desenvolvimentos extraordinários e revolucionários na navegação oceâni-
ca à vela, no tempo de Vasco da Gama, ultrapassaram muito o que as outras Marinhas, durante cerca
de século e meio, foram capazes de inovar para conquistar o senhorio dos mares.
A fragata “D. Fernando II e Glória” é um autêntico padrão da nossa História. Sendo o último
grande veleiro construído em boa madeira de teca no Real Arsenal de Damão, marca bem o fim da
época em que a vela dominou os mares. Quando foi construída, em 1832, já existiam vapores. No
entanto, navegou 100.000 milhas, durante 35 anos, em competição com a máquina sem nunca por
ela ter sido destronada. As missões que lhe foram atribuídas são disso prova irrefutável. Esteve três
vezes na Índia, foi três vezes às Ilhas Adjacentes e três vezes a Angola e Moçambique, tendo sido,
numa destas viagens, o navio-chefe da operação de reocupação do Ambriz.
Desde o seu lançamento à carreira até ser considerada sem utilidade para a Marinha de Guerra,
em 1939, decorreram 107 anos. Mais tarde, ainda foi a sede de uma Obra Social para formação de
rapazes mais desfavorecidos.
Foi construída segundo um desenho que a Marinha Imperial inglesa copiou, o que mostra o alto
nível do nosso conhecimento e o valor dos nossos técnicos de construção naval.
Foi a última nau da era da Carreira da Índia e, na viagem de 1861 a 1863, o último grande veleiro
a armar em charrua. Bastante mais curto foi o período seguinte dos grandes paquetes das carreiras re-
gulares de passageiros e correio. Aliás, a D. Fernando assistiu ao nascimento e morte dessas carreiras,
uma vez que elas foram inauguradas pelo Great Western em 1838, seis anos após o início da sua
construção e a Flâmula Azul, prémio a atribuir à mais rápida travessia do Atlântico, foi concedida pe-
la última vez em 1952, ao United States. A fragata sofreu o incêndio que quase totalmente a destruiu
em 3 de Abril de 1963, cem anos após a última viagem e, em 1967, quatro anos depois do desastre, o
Queen Mary, famoso transatlântico fez a sua última viagem.
Portugal, que foi grande pela maneira como o seu povo soube usar o mar e pela coragem com que
o fez, tinha que preservar e manter para as gerações vindouras este último símbolo de tão notável
epopeia. A fragata D. Fernando é considerada um monumento. Não só porque evoca uma data ou um
feito, mas porque teve vida própria e escreveu algumas páginas da nossa História.
Ao Almirante António Manuel de Andrade e Silva se deve a ideia do projecto de recuperação do
navio e depois a extraordinária firmeza da sua prossecução. Da fragata restava uma parte do costado
enterrada no lodo e esquecida há 25 anos. Foi preciso informar, recordar, convencer, valorizar e obter
muitos apoios para lançar o empreendimento em que poucos acreditavam.
Por fim, os mecenas surgiram. Os estaleiros responsáveis foram a “Ria-Marine” do mestre Alberto
da Costa, Aveiro, e o Arsenal do Alfeite. Mas muitos outros, militares e civis, competentes profissionais
ou interessados amadores deram o seu contributo permitindo que se concretizasse o restauro com a
beleza e o rigor que hoje nos apraz observar.
Em 26 de Fevereiro de 1998 o Conselho de Ministros reuniu a bordo da fragata D. Fernando e, no
dia 28 de Abril, foi aumentada ao efectivo dos navios da Armada como Unidade Auxiliar de Marinha
e Navio-Museu. A sua primeira “missão” pós-restauro foi servir de Pavilhão das Comunidades na
EXPO’98. No primeiro ano foi visitada por cerca de um milhão de pessoas.
No dizer do Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, a fragata D. Fernando é “um símbolo
magnífico da nossa relação com o mar”... “um belo Museu para deleite de todos e, sobretudo, para a
formação histórica dos mais jovens”.
(Texto – António Emílio Ferraz Sacchetti, VALM)