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PONTO AO MEIO-DIA
Livros Brancos
de Defesa Nacional
forte antagonismo que se vivia to, havia uma excepção. Todo o mun- Hoje, enquanto alguns países, como
nos tempos do confronto bipo- do tinha oportunidade de assistir pela o Reino Unido, mantêm praticamente
Olar estava invariavelmente re- televisão às grandiosas paradas da a mesma finalidade, outros prepara-
lacionado com o armamento nuclear Praça Vermelha, no Dia Nacional ou ram o seu Livro Branco de Defesa
ou, talvez melhor, resultava da exis- no Dia das Forças Armadas. A finali- Nacional com uma nova orientação
tência daquela arma poderosa e exclu- dade era a mesma: impressionar o muito mais prospectiva e justificativa
sivamente ofensiva, para a qual não ti- Ocidente e divulgar aquilo que o das decisões políticas; não das deci-
nha sido nem foi ainda descoberta a Kremlin queria que o Ocidente conhe- sões já tomadas, mas daquelas que
antiarma eficaz. cesse - o seu grande poder militar e estão a ser preparadas e para as quais
Sendo inviável a organização da de- nuclear dissuasor. é necessário obter o acordo do parla-
fesa, restava a cada uma das partes a Em meados da década de 70, a insta- mento e a adesão da nação. É o caso
possibilidade de dissuadir eventuais lação pela União Soviética dos mísseis da Holanda, será o caso da Alemanha
propósitos agressivos da parte con- nucleares de alcance intermédio apon- e deverá vir a ser o caso de Portugal.
trária, levando-a a acreditar que qual- tados à Europa Ocidental foi mais um Sendo assim, o Livro Branco poderá:
quer agressão desencadearia uma res- passo na corrida aos armamentos, por um lado, esclarecer melhor os
posta que teria para ela custos insu- criando um novo patamar na escalada objectivos políticos de Defesa Nacio-
portáveis. da violência, no qual o Ocidente não nal que, até agora, raramente e de
A consequência foi a corrida aos ar- tinha resposta. forma muito sucinta, sempre enume-
mamentos, na procura da superiorida- Reagindo a esta atitude, a NATO rativa, foram divulgados nos poucos,
de numa primeira fase, na manuten- tomou, em 1979, a “decisão da duas e muito distanciados no tempo, Con-
ção do equilíbrio de forças, na se- vias”. Uma das vias consistia em in- ceitos Estratégicos de Defesa Nacional
gunda fase. sistir nas negociações que a URSS já publicados; por outro lado, será o
Assim, para que a dissuasão tivesse tinha abandonado, para a total elimi- documento ao qual, se aprovado, to-
credibilidade, cada um dos blocos em nação deste tipo de armas; a outra, era dos os outros terão, posteriormente,
oposição, liderados pelas duas super- a instalação de mísseis ocidentais de que se subordinar, política e concep-
potências, necessitava de mostrar ao categoria equivalente à dos SS-20, já tualmente. Há portanto, uma profun-
adversário que tinha capacidade para que a URSS não regressava à mesa das da alteração em todo o processo de
o punir e vontade inquestionável de negociações enquanto estivesse em planeamento, nacional e NATO.
usar essa capacidade no caso de ele situação de superioridade. Parece ter sido esta a evolução dos
concretizar a agressão. O primeiro dos mísseis ocidentais só parâmetros que presidiram à elabo-
Era necessário, portanto, divulgar a foi instalado em 1983 e, durante estes ração dos Livros Brancos, desde os
existência dessa capacidade, sem ceder quase quatro anos, todos os governos mais recuados até ao que hoje, por
à tentação de fazer “bluff”. E havia e parlamentos das democracias da Despacho do Ministro da Defesa
que mostrar ao opositor que essa NATO foram alvo da mais intensa, Nacional nº 8365/2000 (2ª série) de 4
capacidade era superior ou melhor do persistente e “violenta” campanha de Abril, publicado no Diário da
que a dele, o que permitiria retaliar pacifista de sempre, como se fosse a República, II série, nº 92, de 18 de
mesmo que ele ousasse procurar a resposta ocidental de 1983 a atitude Abril de 2000, e no Anexo B à OA1 nº
vantagem da iniciativa ou da surpresa. perigosa e condenável, e não a iniciati- 17 de 26 de Abril de 2000, se está a
Neste ambiente, os “Livros Brancos va soviética anterior a 1979, dirigida preparar, com o propósito de encon-
de Defesa Nacional” editados no exclusivamente contra os países da trar “uma base sólida de fundamen-
Ocidente, e também os livros periódi- Europa Ocidental. tação orçamental”, e que irá ser “sub-
cos de inventário de forças como, por Claro que na União Soviética as metido à aprovação da Assembleia da
exemplo, o Military Balance publicado campanhas pacifistas não eram pos- República na perspectiva da pro-
pelo International Institute of Strategic síveis. moção de um consenso nacional am-
Studies (IISS) de Londres, desempe- Foi necessário contrariar a desin- plo que sustente a concretização das
nhavam um papel fundamental. O formação e elucidar as populações medidas estruturais nele inscritas”.
propósito não era tanto justificar a dos países membros da NATO do Isto, quanto à finalidade e à natu-
nível nacional a política de defesa na- que, na realidade, se estava a passar. reza do Livro Branco de Defesa Na-
cional, mas sim divulgar a capacidade Desde então e até depois da queda cional. Quanto ao mais importante, o
dissuasora do poder nuclear ou mili- do muro de Berlim, os Livros Brancos seu conteúdo, terá que ser matéria de
tar existente. tiveram, prioritariamente, este papel outro, ou certamente de outros, arti-
Na hermética União Soviética não se esclarecedor da opinião pública. gos.
publicavam livros brancos. E aos or- Mantiveram o seu carácter periódico
gãos da comunicação social era nega- e informador da situação e das
da a possibilidade de exercerem o seu decisões políticas que tinham sido
papel de informar o que se passava tomadas para enfrentar os novos António Emílio Ferraz Sacchetti
para lá da cortina de ferro. No entan- desafios. Vice-Almirante
4 JULHO 2000 • REVISTA DA ARMADA