Page 222 - Revista da Armada
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PONTO AO MEIO-DIA



                                         Livros Brancos


                                   de Defesa Nacional



                forte antagonismo que se vivia  to, havia uma excepção. Todo o mun-  Hoje, enquanto alguns países, como
                nos tempos do confronto bipo-  do tinha oportunidade de assistir pela  o Reino Unido, mantêm praticamente
          Olar estava invariavelmente re-   televisão às grandiosas paradas da  a mesma finalidade, outros prepara-
          lacionado com o armamento nuclear  Praça Vermelha, no Dia Nacional ou  ram o seu Livro Branco de Defesa
          ou, talvez melhor, resultava da exis-  no Dia das Forças Armadas. A finali-  Nacional com uma nova orientação
          tência daquela arma poderosa e exclu-  dade era a mesma: impressionar o  muito mais prospectiva e justificativa
          sivamente ofensiva, para a qual não ti-  Ocidente e divulgar aquilo que o  das decisões políticas; não das deci-
          nha sido nem foi ainda descoberta a  Kremlin queria que o Ocidente conhe-  sões já tomadas, mas daquelas que
          antiarma eficaz.                  cesse - o seu grande poder militar e  estão a ser preparadas e para as quais
            Sendo inviável a organização da de-  nuclear dissuasor.            é necessário obter o acordo do parla-
          fesa, restava a cada uma das partes a  Em meados da década de 70, a insta-  mento e a adesão da nação. É o caso
          possibilidade de dissuadir eventuais  lação pela União Soviética dos mísseis  da Holanda, será o caso da Alemanha
          propósitos agressivos da parte con-  nucleares de alcance intermédio apon-  e deverá vir a ser o caso de Portugal.
          trária, levando-a a acreditar que qual-  tados à Europa Ocidental foi mais um  Sendo assim, o Livro Branco poderá:
          quer agressão desencadearia uma res-  passo na corrida aos armamentos,  por um lado, esclarecer melhor os
          posta que teria para ela custos insu-  criando um novo patamar na escalada  objectivos políticos de Defesa Nacio-
          portáveis.                        da violência, no qual o Ocidente não  nal que, até agora, raramente e de
            A consequência foi a corrida aos ar-  tinha resposta.              forma muito sucinta, sempre enume-
          mamentos, na procura da superiorida-  Reagindo a esta atitude, a NATO  rativa, foram divulgados nos poucos,
          de numa primeira fase, na manuten-  tomou, em 1979, a “decisão da duas  e muito distanciados no tempo, Con-
          ção do equilíbrio de forças, na se-  vias”.  Uma das vias consistia em in-  ceitos Estratégicos de Defesa Nacional
          gunda fase.                       sistir nas negociações que a URSS  já publicados;  por outro lado, será o
            Assim, para que a dissuasão tivesse  tinha abandonado, para a total elimi-  documento ao qual, se aprovado, to-
          credibilidade, cada um dos blocos em  nação deste tipo de armas; a outra, era  dos os outros terão, posteriormente,
          oposição, liderados pelas duas super-  a instalação de mísseis ocidentais de  que se subordinar, política e concep-
          potências, necessitava de mostrar ao  categoria equivalente à dos SS-20, já  tualmente.  Há portanto, uma profun-
          adversário que tinha capacidade para  que a URSS não regressava à mesa das  da alteração em todo o processo de
          o punir e vontade inquestionável de  negociações enquanto estivesse em  planeamento, nacional e NATO.
          usar essa capacidade no caso de ele  situação de superioridade.       Parece ter sido esta a evolução dos
          concretizar a agressão.             O primeiro dos mísseis ocidentais só  parâmetros que presidiram à elabo-
            Era necessário, portanto, divulgar a  foi instalado em 1983 e, durante estes  ração dos Livros Brancos, desde os
          existência dessa capacidade, sem ceder  quase quatro anos, todos os governos  mais recuados até ao que hoje, por
          à tentação de fazer “bluff”. E havia  e parlamentos das democracias da  Despacho do Ministro da Defesa
          que mostrar ao opositor que essa  NATO foram alvo da mais intensa,   Nacional nº 8365/2000 (2ª série) de 4
          capacidade era superior ou melhor do  persistente e “violenta” campanha  de Abril, publicado no Diário da
          que a dele, o que permitiria retaliar  pacifista de sempre, como se fosse a  República, II série, nº 92, de 18 de
          mesmo que ele ousasse procurar a  resposta ocidental de 1983 a atitude  Abril de 2000, e no Anexo B à OA1 nº
          vantagem da iniciativa ou da surpresa.  perigosa e condenável, e não a iniciati-  17 de 26 de Abril de 2000, se está a
            Neste ambiente, os “Livros Brancos  va soviética anterior a 1979, dirigida  preparar, com o propósito de encon-
          de Defesa Nacional” editados no   exclusivamente contra os países da  trar “uma base sólida de fundamen-
          Ocidente, e também os livros periódi-  Europa Ocidental.             tação orçamental”, e que irá ser “sub-
          cos de inventário de forças como, por  Claro que na União Soviética as  metido à aprovação da Assembleia da
          exemplo, o Military Balance publicado  campanhas pacifistas não eram pos-  República na perspectiva da pro-
          pelo International Institute of Strategic  síveis.                   moção de um consenso nacional am-
          Studies (IISS) de Londres, desempe-  Foi necessário contrariar a desin-  plo que sustente a concretização das
          nhavam um papel fundamental. O    formação e elucidar as populações  medidas estruturais nele inscritas”.
          propósito não era tanto justificar a  dos países membros da NATO do   Isto, quanto à finalidade e à natu-
          nível nacional a política de defesa na-  que, na realidade, se estava a passar.  reza do Livro Branco de Defesa Na-
          cional, mas sim divulgar a capacidade  Desde então e até depois da queda  cional.  Quanto ao mais importante, o
          dissuasora do poder nuclear ou mili-  do muro de Berlim, os Livros Brancos  seu conteúdo, terá que ser matéria de
          tar existente.                    tiveram, prioritariamente, este papel  outro, ou certamente de outros, arti-
            Na hermética União Soviética não se  esclarecedor da opinião pública.  gos.
          publicavam livros brancos. E aos or-  Mantiveram o seu carácter periódico
          gãos da comunicação social era nega-  e informador da situação e das
          da a possibilidade de exercerem o seu  decisões políticas que tinham sido
          papel de informar o que se passava  tomadas para enfrentar os novos         António Emílio Ferraz Sacchetti
          para lá da cortina de ferro. No entan-  desafios.                                           Vice-Almirante


         4 JULHO 2000 • REVISTA DA ARMADA
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