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A MARINHA DE D. MANUEL (8)



                  Vasco da Gama na Índia
                  Vasco da Gama na Índia



                                                    (1ª parte)




               missão americana Mars Path-                                               “E preguntaram lhe
               finder que colocou uma sonda
         Aem Marte com um pequeno veí-                                                   que vinhamos buscar tam
         culo que recolheu imagens durante uns                                           lonje e elle lhe rrespondeo:
         dias, descolou da superfície terrestre                                          «Vimos buscar christãos
         em 4 de Dezembro de 1996 e aterrou no                                           e espeçiaria!»
         planeta vizinho a 4 Julho de 1997. Fo-                                          E elles lhe disseram:
         ram sete meses de viagem para cobrir                                            «Por que nom manda
         uma distância muitas vezes superior à Foto do livro “Os Descobrimentos Portugueses”, de Luís Albuquerque  qua Ell Rey de Castellla
         que separa Lisboa da Índia. As incer-                                           e El Rey de França
         tezas desta missão espacial resultaram                                          e a Senhoria de Veneza?»
         das dificuldades da trajectória e de                                            E elle lhe respondeo
         múltiplos outros factores imponderá-                                            que El Rey de Portugal
         veis que a ciência moderna ainda não                                            nom queria comsentir
         conseguiu resolver, mas muita coisa já                                          que elles qua mandassem
         era previsível e, sobretudo, não havia
         vidas humanas dentro da nave que
         aterrou em Marte. Sete meses de via-  Marinha Portuguesa, que recorda o  anos depois da subida de D. Manuel ao
         gem - é o que vos convido a recordar.  feito todos os anos com a celebração da  trono, era natural que homens ricos de
         Três meses e meio menos do que o   sua festa (Dia da Marinha).        Lisboa e de toda a Europa vissem com
         trajecto de Vasco da Gama, de Lisboa  O desembarque do primeiro portu-  bons olhos a abertura de uma rota de
         ao Malabar. Vasco da Gama chegou à  guês ocorreu no dia seguinte e o Relato  especiarias alternativa à tradicional,
         vista de Calecute, com cerca de  150  da Viagem diz-nos que os indianos lhe  mas essa nova rota era também um
         homens a bordo de três navios, sem  perguntaram o que vinha fazer. A res-  ataque directo ao poder muçulmano
         qualquer hipótese de obter apoios que  posta foi “Vimos buscar cristãos e espe-  que avançava no Mediterrâneo. A Rota
         não viessem dele próprio, dos meios  ciaria”. E eu permito-me chamar a aten-  do Cabo contém em si uma dimensão
         que tinha a bordo e do pessoal que o  ção para algo que já referi noutros mo-  estratégica muito mais complexa do
         acompanhava. De uma forma muito    mentos da descrição desta viagem: a  que que um simples buscar de especia-
         directa – e em termos práticos – estava  procura de cristãos é algo de omnipre-  rias para vender na Europa com lucro,
         mais longe da sua terra do que o   sente nas descrições e surge nos objecti-  embora o que se torne evidente seja  a
         pathfinder, quando chegou a Marte; e as  vos dos contactos com todos os povos,  concorrência imediata que os portugue-
         incertezas quanto ao que encontraria e  mas a verdade é que eles não foram  ses podiam fazer no rico comércio dos
         quanto à forma como iria completar a  verdadeiramente procurados. Os por-  produtos orientais. Em boa verdade, os
         missão, eram – seguramente – muito  tugueses sabiam da existência do Preste  aspectos estratégicos resultantes da
         superiores a qualquer dúvida ou hesi-  João e não foram à procura dele. Quize-  primeira viagem do Gama são algo que
         tação sentida em Cape Canaveral Air  ram - isso sim – um piloto que os levasse  se desenvolve no tempo e que não está
         Station durante a missão ao planeta ver-  a Calecute. Ou seja, é minha opinião  visível para ninguém, quando da sua
         melho. E é importante que se tenha isto  que esta referência constante à procura  chegada a Calecute. Uma prova evi-
         presente para interpretar os aconteci-  de cristãos correspondia a um desejo  dente disso reside no facto de que a
         mentos ocorridos com a esquadra de  (até porque a lenda de S. Tomé levava a  esquadra – sem descurar a sua defesa
         Vasco da Gama durante a sua presença  crer que haveria cristãos na Índia), mas  militar –  tinha, essencialmente uma
         na Índia.                          tem de ser relativizada dentro de uma  missão diplomática e é com esse pres-
           Depois da longa, mas segura, traves-  dimensão restrita. A presença de cris-  suposto que Vasco da Gama aceita con-
         sia do Oceano Índico, os navios avis-  tãos na India seria – digamos – um va-  versar com o Samorim (rei) de Calecute
         taram terra a 18 de Maio de 1498, numa  lor acrescentado, numa estratégia que  e propor-lhe a amizade de D. Manuel.
         sexta-feira. Estavam ainda muito longe  visava efectivamente encontrar a fonte  Não foi possível que assim acontecesse
         e o piloto não conseguiu identificar cor-  de especiaria que alimentava o comércio  e o desenrolar dos acontecimentos é,
         rectamente a costa, porque as condições  muçulmano e italiano do Médio Orien-  deveras, importante para perceber o
         de tempo não lhe permitiam a visibili-  te e do Mediterrâneo. E não quer isto  que significou o estabelecimento do
         dade necessária. Só no dia 20, domingo,  dizer que o interesse português fosse  Poder Naval Português no Índico (mais
         lhes foi possível fundear com a infor-  apenas comercial. Aliás os interesses  longe do que Marte está da Terra, para as
         mação correcta de que estavam em   políticos, em qualquer época, são sem-  comunicações do século XV e XVI), mas
         frente a Calecute. Vinte de Maio de  pre um complexo de elementos que não  será assunto para falar mais adiante.
         1498 é pois a data em que se completa a  desprezam o factor económico, mas que
         primeira viagem marítima entre a   são constituídos por muito mais moti-
         Europa e a Índia, pela Rota do Cabo,  vações inerentes à natureza humana.                J. Semedo de Matos
         razão suficiente de orgulho para a  Ora, neste final do século XV, poucos                        CTEN FZ
                                                                                     REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 2000  7
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