Page 25 - Revista da Armada
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CRÓNICA DA RESERVA NAVAL



                    IN MEMORIAM
                    António Bernardino Apolónio Piteira (1947-1973)


               o 30.º aniversário da morte de Antó-  promoveram, desde logo, a figura de proa na   Porque a sua vida assenta apenas na simpli-
               nio Bernardino Apolónio Piteira, o  qualidade mais nobre da vida – a Amizade.  cidade, não é fácil elaborar um texto dedicado
         Núnico oficial da Reserva Naval morto   António Bernardino Apolónio Pitei-  à sua memória.
         em combate no período da guerra em África,  ra pertenceu à Classe de Fuzileiros do 18.º   Somos tentados a escrever demasiado nes-
         a Revista da Armada manifestou o desejo de  CFORN, incorporado na Armada em 18 de  tas circunstâncias. Faltam-nos as palavras que
         assinalar a data nas suas páginas.   Fevereiro de 1971.               sabemos deverem ser escritas, mas que não
           A circunstância de ser acon-                                                   conseguimos encontrar.
         tecimento único na História                                                        António Piteira ingressou
         da Reserva Naval, seria, por                                                     na Armada, exactamente dez
         si só, motivo para relembrar                                                     anos após a minha incorpora-
         esse triste facto.                                                               ção em 1961.
           Mas não só. É que a simples                                                      Nunca o conheci pessoalmen-
         referência ao seu nome, traz à                                                   te e já me encontrava na disponi-
         memória dos camaradas que                                                        bilidade, há quatro anos, quan-
         mais de perto conheceram                                                         do ocorreu a sua morte.
         António Piteira, a personali-                                                      Acedi gratamente ao convite
         dade de um jovem que pro-                                                        do Director da Revista da Ar-
         fundamente marcou quem o                                                         mada para lembrar António
         conheceu. E, curiosamente,                                                       Piteira nesta data, porque me
         não pela sua acção de forte                                                      tem bastado escutar quem o
         liderança ou de imposição de                                                     conheceu de perto para poder
         vontade superior aos demais,                                                     sentir-me à vontade para lhe
         mas apenas pela sua simplici-                                                    traçar o perfil.
         dade e simpatia.                                                                   E este está evidente quando
           Normalmente, as recorda-                                                       vemos e sentimos a profunda
         ções pessoais perduram                                                           saudade que deixou com a
         quando assentam em                                                               sua partida.
         acontecimentos relevan-                                                            Ao fim e ao cabo, não é um
         tes que transformam a                           O Cadete António Piteira (X) na Viagem de instrução   perfil traçado por mim. São
                                                         a bordo do NRP “António Enes”.
         rotina de cada um, pela                                                          os que o conheceram que me
         positiva, ou até quantas                          Promovido a Aspirante  transmitem o seu carácter e personalidade.
         vezes pela negativa.                            FZ RN, em 13 de Outubro  Fico-lhes grato por isso.
           Muito raramente por                           de 1971, frequentou o cur-  As palavras de Adelino Couto Rodrigues da
         terem a sua origem em                           so de Fuzileiro e foi desta-  Silva seu camarada de curso e também Fuzi-
         actos de simplicidade,                          cado para Angola, onde  leiro, dão na sua simplicidade uma imagem
         em manifestações de                             chegou em 18 de Setem-  de António Piteira:
         camaradagem, amiza-                             bro do ano seguinte, com o   “Na passagem do trigésimo aniversário
         de desinteressada ou no                         posto de STEN, sendo -lhe  da sua morte, recordo-o com eterna saudade
         simples contágio da ale-                        entregue o Comando do  e grande emoção. Afirmo ter sido um privi-
         gria de viver.                                  3.º Pelotão da Companhia  légio conhecê-lo e usufruir da oportunidade
           Muito forte foi Antó-                         N.º 1 de Fuzileiros.   de com ele privar e me tornar amigo. Tinha
         nio Piteira, em vida, para   O STEN António Piteira.  No dia 2 de Junho de  muita vontade de viver e o destino pregou-
         manter entre os seus ami-                       1973, cerca das 08.00 horas,  -lhe uma partida. Este Mundo louco tem
         gos o sentimento de tristeza e o carinho como-  integrado numa coluna de viaturas do Desta-  destas coisas.
         vido que todos continuam a manifestar passado  camento do Zambeze que se dirigia em missão   Até sempre, camarada amigo. Um dia,
         este longo período.                de serviço à Lumbala, foi alvo de uma embos-  vamo-nos encontrar e retomar as nossas con-
           Os camaradas que o conheceram de per-  cada inimiga.                versas, estupidamente interrompidas.”
         to, traçam o retrato fiel da sua personalidade,   Dessa emboscada, ocorrida na Picada entre   Na página da internet que a AORN man-
         mais do que usando adjectivos “difíceis”, ape-  Lumbala e Chilombo, a cerca de 10 Km desta  tém, é dado o relevo possível à figura de An-
         nas com o sentimento da saudade.   última localidade, resultou a morte de Antó-  tónio Piteira, no local onde se divulga a en-
           Natural da freguesia da Quinta do Jogo, do  nio Piteira.            trega do Prémio que tem o seu nome e que
         concelho de Arraiolos, onde nasceu em 11 de   O relato da tragédia dessa manhã, descrito  é atribuído anualmente ao cadete da Escola
         Outubro de 1947, era filho do Augusto da Silva  no auto oficial então levantado, é suficiente-  Naval que, de entre os seus pares, e por vo-
         Piteira e de D. Balbina Rita Apolónio.  mente elucidativo do heróico final de vida de  tação secreta e universal de todos os alunos
           Deu os primeiros passos no ensino, nas esco-  António Piteira.      daquela Escola, manifestar ao longo de quatro
         las da sua região e por aí se manteve até ingres-  Querem os seus amigos recordá-Lo, não  anos, as virtudes que se reconheciam no ho-
         sar na Faculdade de Direito de Lisboa.  tanto pelo que aí se descreve, mas pela me-  menageado - Altruísmo, Camaradagem, Ge-
           A incorporação militar na Escola Naval inter-  mória do que a todos legou na convivência  nerosidade, Solidariedade e Simpatia.
         rompeu-lhe os estudos, iniciando-o numa nova  diária, exemplo de um Homem Bom, que a                  Z
         fase da vida a que se entregou com contagian-  todos entristece por ter sido o escolhido para   José Pires de Lima
         te entusiasmo, marcando os camaradas, que o  tão dramático fim.                                 (4.º CEORN)
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U JANEIRO 2004  23
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