Page 315 - Revista da Armada
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ele para servir a bordo desse navio. Aubrey é ambiente fechado e superlotado como era (2) Como William Glaskock “The Naval Sketch
uma figura típica da época e da função que um navio de guerra daquela altura. Book”; Frederick Marryat, “Peter Simple” e “Midshi-
exerce: corajoso, competente, directo e fran- Patrick O’Brian aborda magistralmente es- pman Easy”; e Frederick Chamier, “ The Life of a Sai-
lor” (1820-1830)
co, embora com uns laivos de ingenuidade. tes temas, o mesmo sucedendo em relação (3) Patrick O’Brian estava a concluir um livro, o vi-
Maturin, pelo contrário, tem uma personali- ás questões técnicas, que são descritas com gésimo da série, quando faleceu. Tem o titulo de “The
dade multifacetada e riquíssima: semi-irlan- um rigor e perfeição que espantam os profis- Hundred Days”, e virá provavelmente a ser publicado
dês e semi-catalão, médico distinto, com li- sionais. Tudo o que respeita a construção na- tal como se encontra.
(4) Peter Weir refere uma situação igual ocorri-
gações a alto nível aos serviços secretos, é val, aparelho e navegação do navio, artilharia, da consigo.
um intelectual, naturalista apaixonado, com manobra, tácticas de combate, etc é referido (5) Patrick O’Brian descreve, através desta persona-
vastíssima cultura e uma personalidade em- no seu exacto contexto, sem erros, omissões gem, alguns aspectos da sua própria vida entre eles o
polgante (5). ou contradições, e em perfeita sintonia com o seu interesse e profundos conhecimentos sobre histó-
ria natural e evolução das espécies, a cujo estudo se
Patrick O’Brian coloca estas duas persona- que revelam as fontes coevas. Diria até que, dedicou com afinco. Igualmente se refere ás activida-
gens no cenário violento e complexo da Mari- em alguns casos, os conhecimentos do autor des dos serviços de informações, assunto de que se
nha dos inícios do Sec. XIX, nas mais variadas são de tal forma especializados que ultrapas- ocupou durante a Guerra de 1939-45.
situações e locais. Mas faz isso com particular sam a experiência comum e não constam das (6) Lord Thomas Cochrane, Earl of Dundonald, foi
cuidado, evitando qualquer anacronismo ou fontes mais conhecidas: quem sabe hoje, por um dos mais brilhantes oficiais da Royal Navy daquela
época. Em 1818 comandou a Marinha do Chile, e de-
incongruência temporal, e baseando as des- exemplo, o que são “cross catharpins” (7)? pois a do Peru. Logo após a independência do Brasil, D.
crições em factos realmente ocorridos, que A obra de Patrick O’Brian desencadeou Pedro convidou-o para exercer idêntico cargo no Bra-
averiguou com rigor histórico. Facilmente se um fenómeno até aqui desconhecido e só sil, tendo comandado a força naval brasileira que com-
vê que, tal como Marryat, se inspirou em al- possivel graças à Internet: o aparecimento bateu contra uma força naval portuguesa na Baía em
4 de Maio de 1823. Sobre este assunto, ver Saturnino
guns pontos na vida aventurosa de Lord Co- de inúmeros sites dedicados ao seu estudo, Monteiro, Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa
chrane (6), que em Maio de 1801, com o bri- sob as mais variadas perspectivas. Quem se - Vol. VIII p. 55.
gue SPEEDY, capturou a fragata espanhola EL interesse por qualquer assunto mencionado (7) Patrick O’Brian disse uma vez que “Ignorance
GAMO. Idêntica proe za é praticada por Au- em qualquer dos livros pode facilmente re- of the cross-catharpins is not necessarily fatal: expla-
nation almost certainly would be.’’ Na verdade, quem
brey no SOPHIE, que toma por abordagem correr a um dos sites (8) dedicados à obra de se lembraria da prática, que se usou, de forçar as en-
o CACAFUEGO, navio espanhol de muito Patrick O’Brian e aí encontrará resposta com- xárcias para o mastro, para permitir bracear as vergas
maior força. pleta para as suas duvidas, ou remissão para a encostar melhor, e desse modo conseguir bolinar um
Ao longo da série, a dupla Aubrey - Matu- outros sites onde essa resposta existe. Aliás, o pouco mais chegado ao vento? O método é ilustrado e
descrito em Brian Lavery, “Jack Aubrey Commands”,
rin vai vivendo situações cuja descrição ma- mesmo acontecerá relativamente a qualquer p. 106, recentemente publicado.
gistral prende a atenção de quem se interesse outro tema de História Marítima (9). (8) A solução mais simples consiste em fazer uma
pela história marítima deste período, como Em conclusão: deve ver-se o filme. Mas não busca Google á palavra gunroom, que dá acesso a um
acontece com alguns dos leitores da Revista pode, acima de tudo, prescindir-se da leitura site de informação especializada sobre a obra de Pa-
trick O’Brian e temas conexos.
da Armada. A estes, será talvez difícil resis- da obra de Patrick O’Brian (10), onde há mui- (9) Existem sites sobre todos os assuntos: a dificulda-
tir à tentação de imaginar o que se passava to para aprender. de está apenas na forma de os encontrar, e na escolha
a bordo dos navios portugueses da esquadra Z dos resultados, pois a quantidade de informação que se
do Marquês de Nisa, que, na mesma época, G. Conceição Silva obtém é excessiva. Alguns sites são muito bons; outros,
operava no Mediterrâneo: o SOPHIE era equi- muito fracos. Mas, como regra, sempre se acaba por
encontrar alguma informação ou referência util.
valente ao nosso GAIVOTA DO MAR, ou ao Notas (10) Não se recomenda a leitura de “Master and
LEBRE, e as condições de vida a bordo certa- (1) Patrick O’Brian - (Richard Patrick Russ, 1914- Commander” e a seguir a de “The Far Side of the
mente idênticas. E muito haveria a dizer so- 2000) - Escritor inglês de ascendência irlandesa. Escre- World”, como parece resultar do título do filme; o
bre este assunto, em especial no que respeita veu várias obras de ficção, novelas, biografias e, mais seguimento lógico e cronológico dos acontecimentos
não é esse, pois, como se disse, no filme apenas se
recentemente, os 19 volumes da série Aubrey-Maturin.
à dimensão psicológica dos personagens em É justamente considerado como o melhor autor no gé- adaptaram, por outra ordem, episódios descritos nes-
confronto, e às tensões que se geram num nero “novela histórica marítima”. ses e noutros livros da série.
GRANDES VELEIROS EM LISBOA
¬ÊDe 6 a 10JUL04 o Navio-Escola da Armada Espanhola “Juan
Sebastián de Elcano” visitou Lisboa no âmbito do seu LXXV Cru-
zeiro de Instrução. Em 10JUL04, nas imediações da barra do Tejo,
quando o “Elcano” saía em direcção à Escola Naval Militar de
Marin, na Ria Pontevedra (Galiza-Espanha), o NRP ”Escorpião”
tirou esta fotografia.
¬ÊDe 29JUL a 1AGO o Navio Escola “Danmark” visitou Lisboa,
trazendo a bordo 14 tripulantes e 80 alunos da “Maritime Trai-
ning and Education Center” de “Frederikshavn”, tendo atracado
no cais de S. Apolónia.
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2004 25