Page 321 - Revista da Armada
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“punha no fogo” por mim. Dali a pouco  mantinha uma esfíngica e impenetrável  to, mas também com as preciosas “dicas”
         tempo todo o navio ficava em silêncio e,  expressão, enquanto tomava notas num  camufladas do oficial de ligação, que me
         então, senti-me só, terrivelmente só…  pequeno bloco.                 ia alertando para as armadilhas do ma-
           Não durou muito, felizmente, esta sen-  Eis então que entra um “turista” no  nhoso do “bife”.
         sação, pois a temível equipa de avaliação  compartimento: um dos oficiais de liga-  Finalmente, a acção foi dada por con-
         não tardou a apresentar-se a bordo. Fui à  ção portugueses, por acaso também en-  cluída. Na análise de desempenho que se
         prancha receber o seu chefe e acompa-  genheiro e conhecido pela sua exube-  seguiu o avaliador-chefe manifestou uma
         nhei-o à câmara de oficiais, convidando-  rante jocosidade, decidira vir espreitar a  opinião bastante favorável e poderíamos,
         o a “pôr-se confortável”.          “guerra”. De mãos atrás das costas, em  até, ter sido classificados com o nível de
           - Não se preocupe comigo. – Respondeu-  atitude passeante, dirigiu-se ao avalia-  “Muito Satisfatório” (uma proeza, na altu-
         -me (em Inglês, claro) na sua fria cortesia  dor-mor e trocou com ele algumas pala-  ra!), não fora a sua já conhecida ruindade
         britânica. – Eu é que vou fazer os possí-  vras de circunstância, enquanto deitava  e avareza nas classificações.
         veis para que daqui a pouco você se sinta  um olho discreto ao bloco-notas. Em se-  O Oficial Imediato é que ficou muitíssi-
         muito desconfortável.              guida, apontando para os diagramas do  mo satisfeito com o resultado, abraçando-
           Fingi rir com a graçola e cerrei os den-  navio expostos sobre a antepara, interpe-  -me efusivamente quando chegou ao na-
         tes, aguardando o momento em que seria  lou-me num severo tom de interrogatório,  vio. Aquela já estava! Viessem as outras!
         largada, algures, uma granada de fumo e  como se estivesse, também ele, a avaliar   Dali a poucos dias daríamos início a
         alguém desataria a correr feito louco pe-  os meus conhecimentos. Felizmente, para  duas duríssimas semanas de mar onde
         los corredores, gritando desalmadamente  mim, o conteúdo da conversa nada tinha  – aí sim! – viríamos a ser devidamen-
         “Incêndio! Incêndio!”.             a ver com o timbre de voz.         te “espremidos”. Dessa ocasião guardo
           Cumprida esta “formalidade” (que tre-  - Não se preocupe. – Disse-me, sem-  mais algumas utilizações muito originais
         menda berraria aquilo foi!) e com o caos  pre vociferante. – Está tudo a correr bem.  do E.T.O. que, na sequência de outra
         já plenamente instalado, lá me dirigi, em  Como este indivíduo não está a apanhar  conversa que já tivemos neste espaço,
         larguíssimas passadas, à Central de Li-  patavina do que eu lhe estou a dizer, vá  bem merecem ser relatadas. Por agora,
         mitação de Avarias, de onde era supos-  apontando para os diagramas e faça como  porém, daremos “volta à faina” e guar-
         to coordenar a acção. E com controlado  se me estivesse a dar resposta técnicas.  dá-las-emos para um próximo encontro,
         nervosismo, desfiando as “cábulas” que   Agradeci, num tom monocórdico, en-  pois isso já é uma outra história…
         me atafulhavam os bolsos, comecei a pôr  quanto pousava o indicador num símbolo                       Z
         em prática as lições do nosso Engenhei-  de tomada eléctrica. E o exercício lá foi         J. Moreira Silva
         ro. Ao meu lado, o chefe dos avaliadores  decorrendo, com um ou outro sobressal-                   CTEN



           Contra-Almirante Jesús Salgado Alba
           Contra-Almirante Jesús Salgado Alba

             elo último número da Revista Ge-                                      Bastante mais tarde, em Dezembro de
             neral de Marina (Junho de 2006)                                     1998, desloquei-me a Zamora para parti-
         Ptivemos conhecimento do faleci-                                        cipar no “II Encuentro Peninsular de His-
         mento do Contra-Almirante Jesus Salga-                                  toria de las Relaciones Internacionales”,
         do Alba, da Marinha espanhola, ocorrido                                 organizado pela Fundación Rei Afonso
         em 15 de Maio passado.                                                  Henriques, em colaboração com a Asso-
           O Almirante Salgado Alba foi um ilus-                                 ciação Portuguesa de História das Rela-
         tre oficial que manteve excelentes rela-                                 ções Internacionais, então presidida pelo
         ções com a Marinha portuguesa.                                          Prof. Doutor António José Telo. Numa
           Homem culto, investigador rigoroso                                    mesa em que era tratado o tema “La Pre-
         expondo com fluência e notável clareza,                                  sencia Actual del Mar”, eu apresentaria
         foi ‘professor principal’ de Logística da                               uma perspectiva portuguesa, enquanto
         Escuela de Guerra Naval, cabendo-lhe o                                  que o Almirante Jesús Salgado Alba de-
         mérito de ter sido o precursor do estudo                                veria apresentar um ponto de vista de
         desta disciplina em Espanha.                                            Espanha. Razões de saúde impediram o
           Os oficiais que passaram pelo Institu-                                 Almirante Salgado Alba de comparecer,
         to Superior Naval de Guerra português                                   privando-nos assim da sua sempre mui-
         a partir da década de 70, tiveram, como                                 to agradável e proveitosa companhia.
         leitura recomendada a sua obra “Logís-                                  No entanto, tive então a oportunidade
         tica Naval”, e puderam beneficiar da lei-                                de conhecer um dos seus filhos, o Pro-
         tura do “Buque de Escolta en la Armada                                  fessor Juan Carlos Alba López.
         Española” ou do anterior “Panorama Na-                                    A propósito deste encontro em Zamo-
         val” (1965), para além dos seus frequen-                                ra, recordo que o Almirante Salgado Alba
         tes artigos na Revista General de Marina,  Guerra. Foi nesse espírito de muito aberta  nasceu bem perto desta cidade, em Toro, no
         de que foi director nos últimos anos da sua  colaboração que, num número monográ-  ano de 1920.
         carreira naval.                    fico da Revista General de Marina (Maio   Estamos certos de que todos os oficiais
           Neste período e também anteriormente,  de 1986) subordinado ao tema “España en  da Marinha portuguesa que tiveram o pri-
         quando desempenhou as funções de di-  el Atlântico” foi incluído um único artigo  vilégio de o conhecer ou de beneficiar do
         rector do Instituto de Estudos Estratégicos  estrangeiro, com o título “Portugal en el  seu saber se associam à Revista da Armada
         do CESEDEN (Centro Superior de Estudos  Atlantico”, do Almirante Fernando Coe-  nesta singela homenagem.
         de Defesa Nacional), visitou algumas ve-  lho da Fonseca, que havia desempenhado                      Z
         zes Portugal e manteve muito boa colabo-  o cargo de director do Instituto Superior   António Emílio Ferraz Sacchetti
         ração com o Instituto Superior Naval de  Naval de Guerra.                                          VALM
                                                                              REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2006  31
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