Page 364 - Revista da Armada
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Na Barca do Coração
                             Na Barca do Coração

               uando as nuvens negras dos pensamentos tormentosos   No compasso ritmado avançava a barca, ao compasso do coração
               cobrirem com escuro véu o horizonte de tuas esperanças  daqueles homens que se perguntavam:
         Q e a barca de teu coração se agitar desgovernada, sobre as   Quem será este homem, a quem os ventos e o mar obedecem?”
         ondas…                                                Esta bela releitura da passagem bíblica da “Tempestade acalma-
           Quando as obrigações diárias, as dificuldades e os problemas, as sur-  da”, deve constituir para “todos os homens de boa vontade” com
         presas – nem sempre agradáveis – levarem-te a dizer – que dia…!  nostalgia e sede de paz (dentro e fora de si), um tónico suplementar
           Lembra-te…                                         para caminhar.
                                                               Recupero as palavras iniciais desta “Mensagem”:
           “Caía a tarde e a multidão ainda estava reunida na praia.  Quando as nuvens negras dos pensamentos tormentosos cobrirem
           Desde que o sol surgira, Jesus atendera as incontáveis súplicas da-  com escuro véu o horizonte de tuas esperanças e a barca de teu cora-
         queles que o buscavam.                               ção se agitar desgovernada sobre as ondas…
            Mãos e lágrimas roçavam-lhe o rosto e a túnica – antes tão limpa e   Quando as obrigações diárias, as dificuldades e os problemas, as
         alva – e agora toda manchada                                                    surpresas – nem sempre agra-
         de lamentos.                                                                    dáveis – levarem-te a dizer
           Finalmente, chegara às mar-                                                   – que dia…!
         gens do lago, vencendo a dor e                                                    Lembra-te…
         as tristezas dos sofredores.                                                      Que…
           Aqueles que O viram dei-                                                        Cada hora tem um tempo…
         xando atrás de si um rasto con-                                                   Cada tempo, uma hora…
         fortador de estrelas, pergunta-                                                   E na hora de cada tempo a
         vam-se:                                                                         Vontade de Deus mora…
           Quem será este homem, a                                                         E se na hora desse tempo, o
         quem as dores obedecem?                                                         tempo de Ser demora, há que
           O céu acendia cores de noite                                                  acordar a tempo.
         quando a barca de Pedro reco-                                                     E esse tempo é Agora!
         lheu preciosa carga.                                                              “ELLYS/2003, Amor com
           Jamais Jesus mostrara na                                                      sentido”
         face sinais tão evidentes de
         cansaço.                                                                          O tempo de Natal é dife-
           Acomodado sobre uma al-                                                       rente…
         mofada de couro, Sua majesto-                                                     Natal… um tempo para se
         sa cabeça pendeu sobre o peito,                                                 despedir de alguns e alguma
         como um girassol real despe-  Natividade – Josefa de Óbidos – Séc. XVII.        coisa e encontro com todos e
                                   Porto – Col. Particular.
         dindo-se ao poente.                                                             com a luz…
           Seus lábios deixaram escapar um longo suspiro antes de ador-  Só há uma imagem que refulge neste tempo… a daquela bela famí-
         mecer.                                               lia de Nazaré que, para cumprir o dever encontra nessa dor e sacrifí-
           Seus amigos pescadores não ousaram perturbar-lhe o merecido  cio de abandono do lar, comodidade, amigos próximos, a beleza da
         sono, manejando remos com cuidado, auxiliados pelos sussurros de  vontade de Deus, o significado da entrega, do amor oblativo.
         doce brisa.                                           E é nesse espaço de amor que a luz ganha contornos para desabro-
           O lago de Genesaré assemelhava-se a gigantesco espelho de prata  char, mesmo no meio da mais longínqua hospitalidade…
         ao luar, tranquilo e sereno como o Mestre adormecido.  Porque houve capacidade de amar sem limites…
           Faltava pouco para completar a travessia quando tudo se trans-  Porque se souberam aceitar mutuamente numa caminhada reple-
         formou.                                              ta de riscos…
           O tempo irou-se sem aviso.                          Porque confiaram sempre…
           Adensadas, as nuvens de gaze tornaram-se tenebrosa tempestade e   Porque em tudo quiseram descobrir uma caminho novo…
         o lago esqueceu a calmaria, encrespando-se  açoitado pelo vento.  A Luz teve espaço no ventre e, como se não bastasse, entregaram-
           Para a barca vencer a tormenta, era como lutar contra vigoroso e  -n’A a todos: aos anjos, aos pastores, aos magos, a toda a humani-
         invencível “titã”.                                   dade…
           Pedro usou toda a sua força e sabedoria nos remos, gritando   É esta a beleza do Natal.
         ordens que se perdiam entre as gargalhadas dos trovões e dos re-  Um amor surpreendente que se dá sem condições nem prestações
         lâmpagos.                                            e cujo único risco é não ter mais nada para dar de si mesmo.
           Os discípulos assustados, correram a acordar Jesus que ainda   É esta a luz que o mundo precisa e que o casal de Nazaré não ces-
         dormia.                                              sa de dar!
           - Mestre! – exclamaram em coro desesperado – morreremos!  No meio do mar e com as ondas e o vento a protestarem, a acção
           Jesus, assim desperto, levantou-se prontamente, equilibrando o  divina  tudo serenou.
         corpo cansado.                                        A caminho de Belém e perante uma hospitalidade mais do que
           A sua majestosa silhueta, parecia estar envolta em misteriosa luz,  comprometida, o Amor de Maria e José tudo superou.
         quando ergueu os braços, ordenando à tempestade.      Mesmo sabendo das “tempestades e egoísmos” que nos vão mi-
            - Calai-vos!                                      nando o optimismo, é com absoluta fé e convicção, que quero dese-
           E voltando-se para os amigos:                      jar a todos os militares, militarizados e civis da Marinha Portuguesa,
            - Acalmai-vos! Homens, onde está a vossa fé?      um Santo Natal e que o Novo Ano seja repleto de Sabedoria, Luci-
           Os ventos emudeceram e o lago baixou suas ondas aplacado por  dez e Esperança.
         misterioso imperativo.                                                                                Z
           Os discípulos olhavam-se num misto de surpresa e alívio.                       José Ilídio Fernandes da Costa
           Envergonhados, voltaram-se para os remos.                                                   CTEN-Capelão
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