Page 392 - Revista da Armada
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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (19)
Embaraços
Embaraços
os filmes americanos em que, a deter- “de bostadas e argoladas”, cujas culpas, ao - É que aqui o Sr. Tenente F. de T. também
minada altura do enredo, alguma das contrário das que são lavradas noutro tipo concorreu!...
Npersonagens recebe voz de prisão de de livros de registo, podem ser resgatadas Os boquiabertos leitores estão, decerto, a
um agente da autoridade é frequente ouvir- com recurso a despesas de bar, sem deixar imaginar o embaraço deste vosso camarada,
mos a expressão “tem o direito de permane- mácula no processo individual da vítima que se sentiu encolher até uma dimensão
cer em silêncio. Tudo o que disser poderá ser mas obrigando-a a abrir os cordões da sua microscópica...!?
usado contra si”. Porém, se muitos conhecem mal provida bolsa. Muito atabalhoadamente, lá me justifi-
de cor tal fraseado poucos são os que dele se Mas passemos a descrever uma situação quei, gaguejando:
lembram no momento certo, perdendo, deste vivida por este que vos fala, que, não sendo - Ó Sr. Comandante, – e espreitava pelo
modo, excelentes oportunidades de ficarem um caso extremo, tem a sua quota-parte de canto do olho a reacção do outro oficial,
calados! Lá diz o povinho luso que “pela boca intervenções infelizes: que, muito polidamente, mantinha uma
morre o peixe” e que
“quem muito fala
pouco acerta” mas ai
de nós se nos tiram
o pio! Na verdade,
sentimo-nos compe-
lidos a “botar senten-
ça” perante as mais
diversas situações
com que nos depara-
mos e somos percor-
ridos por um intenso
“formigueiro” cada
vez que sentimos o
perigo de ver esca-
par-se uma ocasião
de fazer o comentá-
rio da ordem.
Opinar faz parte
da nossa mais inata
e intrínseca nature-
za e não há por esse
país fora “bicho-ca-
reto” que não opine
sobre qualquer coi-
sa, seja na televi-
são, nos jornais ou
no mais banal quotidiano de rua. O proble- Há quase quinze anos, era eu ainda um discreta inexpressividade. – referia-me, na-
ma é que se vê frequentemente sair asneira verdinho Aspirante, foi lançado pela Mari- turalmente, à quantidade de concorrentes,
da grossa! Muitas vezes o seu autor nem se nha um concurso literário destinado a en- não à sua qualidade!
apercebe e continua a “disparar bojardas” contrar uma letra para o hino da Corpora- E com esta lá consegui sair mais ou me-
perante a estupefacção dos seus ouvintes. ção. Entusiasmado, “meti-me à estrada” e, nos airosamente da rascada, embora me
Mas quando é apanhado em falso pode ver- felizmente sem grande esforço, tive a for- pareça não ter sido suficientemente con-
-se em situações de tal modo embaraçosas tuna de ver seleccionado pelo Júri o traba- vincente. Quanto ao Sr. Tenente F. de T.,
que só tem vontade de procurar um buraco lho por mim apresentado. Na altura em que teve a elegância de ignorar o comentário
onde se enfiar e desaparecer da vista dos foram publicados os resultados da competi- depreciativo que incluía a sua pessoa, aca-
seus pares por um período proporcional à ção, tive de me deslocar à Escola Naval para bando por mostrar o seu valor literário em
profundidade do refúgio imaginado. apresentar o primeiro rascunho da minha várias ocasiões posteriores, o que, modés-
Muito injustamente tais calinadas po- memória de fim de curso e calhei a dar de tia à parte, só honra quem naquela altura
dem suceder a pessoas tradicionalmente caras com o nosso Comandante do Corpo foi suficientemente feliz para se sobrepor a
comedidas, como é o caso de um velho de Alunos, que estava acompanhado por tão ilustre concorrente.
conhecido meu que nas suas parcas horas um dos seus oficiais subalternos. Ao ver-me Gostaria de deixar bem claro que a moral
de ócio se entretém a redigir umas cróni- cumprimentou-me efusivamente e felicitou- inclusa nesta historieta não se quer inibidora
cas de gosto duvidoso e baixíssima qualida- me pelo meu recente sucesso. da saudável e fluente verborreia que tradi-
de literária intituladas “Divagações de um - Ora… Não foi nada! – Retorqui com cionalmente anima a convivência dentro da
Marujo”. Isto sem falar naqueles desgraça- falsa modéstia. - A concorrência não foi comunidade naval portuguesa. Sirva, porém,
dos que têm tendência para se espalharem grande coisa. para alertar alguns incautos sobre as poten-
ao comprido cada vez que abrem a boca e - A sério?! - Exclamou ele, divertido e fa- ciais consequências de palavras irreflectidas.
fazem vibrar as respectivas cordas vocais, zendo uma breve pausa, como que a me- E este cuidado deve ser redobrado quando
sendo, por isso, presença assídua nos livros dir o impacto do que ia dizer em seguida. se tem pela frente alguém com especial vo-
30 DEZEMBRO 2006 U REVISTA DA ARMADA