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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (19)



                                         Embaraços
                                         Embaraços



               os filmes americanos em que, a deter-  “de bostadas e argoladas”, cujas culpas, ao  - É que aqui o Sr. Tenente F. de T. também
               minada altura do enredo, alguma das  contrário das que são lavradas noutro tipo  concorreu!...
         Npersonagens recebe voz de prisão de  de livros de registo, podem ser resgatadas   Os boquiabertos leitores estão, decerto, a
         um agente da autoridade é frequente ouvir-  com recurso a despesas de bar, sem deixar  imaginar o embaraço deste vosso camarada,
         mos a expressão “tem o direito de permane-  mácula no processo individual da vítima  que se sentiu encolher até uma dimensão
         cer em silêncio. Tudo o que disser poderá ser  mas obrigando-a a abrir os cordões da sua  microscópica...!?
         usado contra si”. Porém, se muitos conhecem  mal provida bolsa.         Muito atabalhoadamente, lá me justifi-
         de cor tal fraseado poucos são os que dele se   Mas passemos a descrever uma situação  quei, gaguejando:
         lembram no momento certo, perdendo, deste  vivida por este que vos fala, que, não sendo   - Ó Sr. Comandante, – e espreitava pelo
         modo, excelentes oportunidades de ficarem  um caso extremo, tem a sua quota-parte de  canto do olho a reacção do outro oficial,
         calados! Lá diz o povinho luso que “pela boca  intervenções infelizes:  que, muito polidamente, mantinha uma
         morre o peixe” e que
         “quem muito fala
         pouco acerta” mas ai
         de nós se nos tiram
         o pio! Na verdade,
         sentimo-nos compe-
         lidos a “botar senten-
         ça” perante as mais
         diversas situações
         com que nos depara-
         mos e somos percor-
         ridos por um intenso
         “formigueiro” cada
         vez que sentimos o
         perigo de ver esca-
         par-se uma ocasião
         de fazer o comentá-
         rio da ordem.
           Opinar faz parte
         da nossa mais inata
         e intrínseca nature-
         za e não há por esse
         país fora “bicho-ca-
         reto” que não opine
         sobre qualquer coi-
         sa, seja na televi-
         são, nos jornais ou
         no mais banal quotidiano de rua. O proble-  Há quase quinze anos, era eu ainda um  discreta inexpressividade. – referia-me, na-
         ma é que se vê frequentemente sair asneira  verdinho Aspirante, foi lançado pela Mari-  turalmente, à quantidade de concorrentes,
         da grossa! Muitas vezes o seu autor nem se  nha um concurso literário destinado a en-  não à sua qualidade!
         apercebe e continua a “disparar bojardas”  contrar uma letra para o hino da Corpora-  E com esta lá consegui sair mais ou me-
         perante a estupefacção dos seus ouvintes.  ção. Entusiasmado, “meti-me à estrada” e,  nos airosamente da rascada, embora me
         Mas quando é apanhado em falso pode ver-  felizmente sem grande esforço, tive a for-  pareça não ter sido suficientemente con-
         -se em situações de tal modo embaraçosas  tuna de ver seleccionado pelo Júri o traba-  vincente. Quanto ao Sr. Tenente F. de T.,
         que só tem vontade de procurar um buraco  lho por mim apresentado. Na altura em que  teve a elegância de ignorar o comentário
         onde se enfiar e desaparecer da vista dos  foram publicados os resultados da competi-  depreciativo que incluía a sua pessoa, aca-
         seus pares por um período proporcional à  ção, tive de me deslocar à Escola Naval para  bando por mostrar o seu valor literário em
         profundidade do refúgio imaginado.  apresentar o primeiro rascunho da minha  várias ocasiões posteriores, o que, modés-
           Muito injustamente tais calinadas po-  memória de fim de curso e calhei a dar de  tia à parte, só honra quem naquela altura
         dem suceder a pessoas tradicionalmente  caras com o nosso Comandante do Corpo  foi suficientemente feliz para se sobrepor a
         comedidas, como é o caso de um velho  de Alunos, que estava acompanhado por  tão ilustre concorrente.
         conhecido meu que nas suas parcas horas  um dos seus oficiais subalternos. Ao ver-me   Gostaria de deixar bem claro que a moral
         de ócio se entretém a redigir umas cróni-  cumprimentou-me efusivamente e felicitou-  inclusa nesta historieta não se quer inibidora
         cas de gosto duvidoso e baixíssima qualida-  me pelo meu recente sucesso.  da saudável e fluente verborreia que tradi-
         de literária intituladas “Divagações de um   - Ora… Não foi nada! – Retorqui com  cionalmente anima a convivência dentro da
         Marujo”. Isto sem falar naqueles desgraça-  falsa modéstia. - A concorrência não foi  comunidade naval portuguesa. Sirva, porém,
         dos que têm tendência para se espalharem  grande coisa.               para alertar alguns incautos sobre as poten-
         ao comprido cada vez que abrem a boca e   - A sério?! - Exclamou ele, divertido e fa-  ciais consequências de palavras irreflectidas.
         fazem vibrar as respectivas cordas vocais,  zendo uma breve pausa, como que a me-  E este cuidado deve ser redobrado quando
         sendo, por isso, presença assídua nos livros  dir o impacto do que ia dizer em seguida.  se tem pela frente alguém com especial vo-

         30  DEZEMBRO  2006 U REVISTA DA ARMADA
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