Page 69 - Revista da Armada
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O primeiríssimo cântico, na minha opinião, o mas vai fortalecer-se naqueles que sobrevive- como me dizem vezes sem conta, que deveria
melhor, terá sido escrito por escravos e nele se rem, porque esse herdará a dignidade e força “falar a cantar”, deve retorquir de boa mente –
lê em tradução livre: dos nossos antepassados. como eu faço muitas vezes – “não falo a cantar,
“Os nossos antepassados, Por isso viveremos todos, para sempre…” mas escrevo a sorrir”…e deve deixar que a sua
os nossos avós, os nossos pais, as nossas Sempre que leio os versos da canção, me- vida continue, porque a vida é só um instante
mães, são a razão de estarmos aqui. dito um pouco sobre as verdades que encer- e só os momentos em que a alma brilha, de-
Sem a nossa existência, toda a vida deles ram e na força que transmitem. Também eu sei vem tomar conta do nosso espírito (ainda que
deixaria de fazer sentido, porque nós somos quem foram os meus antepassados e acredito, muitos não o tenham compreendido). Por fim,
eles e eles estão em tudo o que somos nós… que tudo aquilo que sou vai sobreviver a todo quero que saiba, que lá estarei na sua próxima
Sangramos e sofremos, mas continuaremos o mal que me atirarem. A mesma atitude terá comunicação pública, decerto tão brilhante
a prevalecer, porque a nossa raça não se esgo- que esgrimir este jovem palrador, para poder como o foi a primeira… Z
tará em cada um de nós que sofre ou morre, sorrir a cada manhã. E quando lhe disserem, Doc
25 Anos de Entrada na Escola Naval
25 Anos de Entrada na Escola Naval
do Curso “André Furtado de Mendonça”
do Curso “André Furtado de Mendonça”
“André Furtado Mendonça,
um exemplo Português”
Por ocasião das comemorações do 25º aniversário do ingresso na Escola Naval do curso André Furta-
do Mendonça, em 8 de Outubro de 1980, afigura-se oportuno lembrar a memória do seu patrono, insigne
herói da Índia, embora pouco conhecido, cuja vida constitui exemplo de serviço ilustre à Pátria.
Durante todo o século XVI e princípio do século XVII, “Portugueses de ouro” conseguiram o mi-
lagre de manter o domínio português do Oceano Índico inviolado, fosse pelas forças navais persas,
turcas, indianas e chinesas, fosse pelas forças navais das potências europeias, como por exemplo as
da Holanda. Essencialmente, o sucesso português no Índico assentou em cima do esforço, da estru-
tura moral e ética e da liderança de homens como André Furtado Mendonça.
André Furtado de Mendonça terá nascido em Lisboa por volta do ano de 1558. Em 1576, apenas
com 18 anos, embarca pela primeira vez para a Índia, onde bem cedo se dedicou ao estudo das ro-
tas, da meteorologia e oceanografia e da cartografia do Índico, assim como do armamento, conhe-
cimentos que lhe permitiriam obter vantagem em combate, quer no mar quer em terra.
Naquela época era difícil ser-se soldado e em particular, sê-lo na Índia. Somente alguns capitães
conseguem afastar do espírito a tentação de seguir o caminho fácil do enriquecimento e sucesso
o passado dia individual, sublimando, em si, os ideais de fidelidade à Pátria, ao Rei, a Deus e à Moral.
10 de Outubro Curiosamente, é uma visão semelhante, com base na busca de glória através do serviço ao
Ndecorreram, seu Rei e à Pátria, que vai orientar a vida do almirante Horácio Nelson, vitorioso de Trafalgar
na Escola Naval, as co- a 21 de Outubro de 1805.
Na sequência de vários sucessos em acções de guerra no mar, André Furtado Mendonça
memorações do 25º evolui, em sete anos de simples soldado a capitão famoso, que comandava já outros capitães,
aniversário da entrada apenas com a idade de 25 anos.
do Curso “André Furta- Em 1599 é designado para o comando de uma armada de 37 navios e 2000 homens, com a
missão de erradicar a pirataria que comprometia os interesses portugueses no Índico, a qual
do de Mendonça”. era liderada pelo corsário muçulmano Mohamed Marcar Cunhale, que beneficiava da protecção do Samorim de
As cerimónias iniciaram-se com a apresen- Calicute. A missão contra o corsário vai desenrolar-se desde Dezembro de 1599 até ao ataque final em princípio
tação de cumprimentos ao Comandante da de Março de 1600 à fortaleza que servia de base às operações de pirataria na foz do rio Pudepatão.
Escola Naval, CALM Saldanha Junceiro, ten- No dia 2 de Março de 1600, o contingente português, com André Furtado Mendonça à frente das tropas, numa de-
do sido proferidas algumas palavras alusivas monstração de coragem e de capacidade de liderança ao mais alto nível, assaltou a fortaleza esmagando completamente
à efeméride e assinado o livro de honra pe- as suas defesas. Desta vitória dos portugueses resultou, não apenas a eliminação do mais poderoso corsário do Índico,
como também a submissão do Samorim de Calicute ao Vice-Rei, o que reforçou a autoridade portuguesa na Índia.
los antigos cadetes presentes, 42 dos 55 ini- Em Abril de 1606, encontrando-se André Furtado Mendonça à frente da capitania de Malaca, foi aquela pra-
ciais. Após celebração de missa na capela, foi ça sitiada por uma armada holandesa com 11 naus sob o comando do Almirante holandês Matelief, juntamente
efectuada uma breve visita às instalações da com navios dos reinos locais, totalizando 14000 homens embarcados. A desproporção dos meios era total, tendo
EN, descerrada uma placa comemorativa no em conta que o efectivo português seria da ordem de pouco mais de uma centena e meia de homens em armas.
A resistência ao cerco imposto, em condições muitíssimo difíceis, durou até ao dia 13 de Agosto de 1606, altura
átrio do edifício do Corpo de Alunos e planta- em que os sitiantes receberam a notícia da aproximação da armada do Vice-Rei da Índia D. Martim Afonso de
da uma Canforeira, árvore originária da Índia, Castro e demandaram outras paragens, com perdas superiores a 250 homens.
região onde o patrono do curso teve reconhe- Em 1609, André Furtado Mendonça assumiu as funções de governador da Índia. Disse de Furtado Mendon-
cida influência durante a sua vida. ça um seu sucessor, D. Miguel de Noronha: “Foi o mais temido pelos inimigos e aceite pelo povo Vice-Rei que houve na
Os antigos cadetes assistiram ainda ao des- Índia”. A sua governação da Índia portuguesa, apenas por um ano, conseguiu inverter a tendência de desgover-
no que se vinha acentuando anteriormente.
file do Batalhão Escolar, recordando tempos Em 1610, entregou o governo da Índia ao Vice-Rei Rui Lourenço de Távora e embarcou para Portugal para se
passados, e participaram num almoço de con- avistar com o Rei Filipe II, à época Rei de Portugal, que o mandara chamar. Furtado Mendonça que se encontrava
fraternização oferecido pelo Comandante da já doente quando embarcou, veio a falecer a 1 de Abril de 1611, quando a nau que o transportava se encontrava a
Escola Naval. Nesta ocasião o curso fez a en- cerca de 270 léguas da ilha de Ascensão. A 5 de Julho decorreu o cortejo fúnebre que levou o corpo para a igreja
da Graça onde ficou sepultado ao lado de outro dos heróis da Índia, Afonso de Albuquerque.
trega de uma medalha comemorativa à Escola Sem mulher e sem filhos, viveu para o serviço da Pátria. Com total dedicação, não obtendo quaisquer vantagens
Naval, na pessoa do seu Comandante. materiais da sua missão de 33 anos de serviço na Índia, dizia ele que foi servir para a Índia e não comerciar. Entre
As comemorações terminaram com uma outros feitos, eliminou a pirataria que aniquilava o comércio português, apaziguou ou submeteu os reinos indígenas
aula ministrada por antigos professores do cur- que se rebelavam contra os portugueses, liderou a resistência ao cerco de Malaca imposto pelos holandeses com uma
so que permitiram reviver alguns dos bons mo- guarnição muito reduzida, culminando a sua estadia na Índia portuguesa com o exercício da governação daquelas
possessões, constituindo um exemplo da liderança lusa sob a qual foi edificado o império português no Mundo.
mentos passados naquela instituição. Z
REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2006 31