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A Eterna Questão da Palestina
             A Eterna Questão da Palestina

                                             Os antecedentes


               uase todos os conflitos no Médio  de Israel, não de boa-fé – dizem os judeus  as facções mais radicais de Israel se recu-
               Oriente estão ligados ao domínio  – mas apenas para angariar as ajudas fi-  sam a aceitar uma Palestina independen-
         Qda Palestina. Na forma recente, o  nanceiras que até agora lhe têm sido con-  te e a fazer mais concessões. Lembramos
         conflito está ligado à criação de um Esta-  cedidas em apoio à sua causa.  que o então primeiro-ministro Yitzhak Ra-
         do judeu no seu território em 1948.  Temos de reconhecer que foram fei-  bin foi assassinado pelos seus compatrio-
           A ideia da criação de um “Estado israe-  tos grandes esforços para resolução do  tas mais radicais por terem considerado
         lita” nasceu de um livro com esse nome,  conflito, designadamente pelos secretá-  que tinha ido longe demais nos acordos
         da autoria de um famoso jornalista austría-  rios de Estado americanos James Baker  com a Autoridade da Palestina.
         co, de origem judaica, publicado à volta  e Henri Kissinger. O mundo regozijou-  No essencial, mesmo os israelitas mo-
         do ano de 1900. A ideia passou desperce-  -se com as várias iniciativas americanas  derados não pareciam dispostos, até há
         bida, de início, aos judeus europeus, mas  de pôr fim ao conflito israelo-árabe, mas  pouco tempo, a ir além da concessão
         mereceu logo, por razões bem diferentes,  o então ministro Ariel Sharon – veja-se  de autonomia aos territórios ocupados
         a atenção dos judeus ricos da América e  como as pessoas mudam – declarou que  e excluíam de qualquer conversação a
         dos judeus pobres da Rússia.       Israel continuaria a criar colonatos nos  restituição de Jerusalém – Leste. Segun-
           A forma recente do conflito teve ori-  territórios árabes ocupados e rejeitaria  do o Likud, a direita israelita, a criação
         gem num acordo firmado em 1916, entre  qualquer pressão para pôr cobro a esta  de um Estado da Palestina independente
         a França e o Reino Unido, pelo qual as  política. Quinze anos depois, o mesmo  e governado pela OLP constituiria um in-
         duas potências dividiram entre si, com a  Ariel Sharon, já primeiro-ministro, não só  desejável foco de permanente agitação e
         ajuda de Lawrence da Arábia, os territó-  entregou a Faixa de Gaza à  Autoridade  subversão entre os árabes dos territórios
         rios do Médio Oriente que faziam parte  da Palestina e obrigou os judeus a aban-  israelitas, argumento que nós bem co-
         do Império Otomano. A faísca todavia só  donar os colonatos ali instalados como,  nhecemos por ter sido utilizado pela In-
         saltou quando o ministro dos Negócios  surpreendentemente, abandonou o par-  donésia quando os revolucionários por-
         Estrangeiros do Reino Unido, Arthur Bal-  tido ainda no Governo para formar um  tugueses quiseram instalar um governo
         four, declarou, em 1917, a necessidade  partido mais moderado que prossiga com  comunista em Timor-Leste.
         de criar “um lar nacional para o povo ju-  êxito os esforços para a paz.  Arafat, pelo seu passado de terroris-
         deu na Palestina”, sem prejuízo dos di-  Merecem especial referência neste já  ta (como fora, aliás, o de futuros  altos
         reitos cívicos e religiosos da comunidade  longo processo as negociações que ter-  dirigentes judeus durante a ocupação
         não-judaica nela instalada         minaram em Oslo em 1993 (Acordo Oslo  britânica) e sobretudo pela sua posição
           O facto de os termos desta declaração  I) e complementadas em 1995 (Acordo  isolada na primeira guerra do Iraque, foi
         terem sido incorporados no mandato da  Oslo II) com o objectivo de encontrar  sempre suspeito de má-fé, tendo nessa
         Palestina entregue ao Reino Unido agra-  uma solução duradoura para o confli-  altura merecido a reprovação e a antipa-
         vou a insatisfação do povo árabe, obri-  to. Designadamente a transferência de  tia do mundo ocidental. A própria CEE,
         gando os ingleses a um difícil e arriscado  poderes e responsabilidades, a retirada  depois do polémico e já esquecido inci-
         jogo de conciliação entre os interesses  das forças militares israelitas da Faixa de  dente com o então Presidente da Repú-
         árabes e judeus na região.         Gaza e da área de Jericó e a cooperação  blica Portuguesa, chegou a recomendar
           Como resposta à crescente instabili-  económica israelo-palestiniana.  fortemente o corte de relações com os
         dade na área, o Reino Unido entregou   Uma mal fundada esperança, um exa-  dirigentes da OLP.
         o mandato da Palestina à recém-criada  gerado optimismo e uma incompreensí-  A morte de Arafat e o novo partido de
         Organização das Nações Unidas, que a  vel ingenuidade foram tão longe que o  Ariel Sharon pareciam ter aberto uma
         dividiu em dois Estados, com  grande jú-  Prémio Nobel da Paz de 1994 foi atri-  porta ao diálogo e ao entendimento, mas
         bilo dos judeus e ostensiva repulsa dos  buído, em três partes iguais, a Yitzhak  as expectativas rapidamente se goraram
         árabes.                            Rabin, Shimon Peres e Yasser Arafat! As  com a morte política do primeiro-ministro
           Atacado logo em 1948, à data da sua  boas intenções não ultrapassaram o ano  israelita e a vitória dos terroristas do Ha-
         fundação, por forças sírias e egípcias,  2000, porque a duplicidade de Arafat e  mas nas recentes eleições na Palestina.
         Israel venceu a sua primeira guerra. En-  o radicalismo do Likud tornaram-se rapi-  Mesmo assim, com o optimismo que
         tretanto, a Palestina integrava-se, volun-  damente notórios.         nos caracteriza, não perdemos ainda a
         tariamente, no reino da Jordânia, onde   Na história do conflito temos ainda de  esperança de que o novo partido, criado
         coabitou durante quase duas décadas, e  mencionar o tão falado “road map for pea-  por Ariel Sharon com o apoio do traba-
         os árabes que não se tornaram judeus fo-  ce”; mais um plano falhado para formar  lhista Shimon Peres, ganhe as próximas
         ram integrados no Estado de Israel com  um Estado da Palestina independente,  eleições em Israel e que um dia ao Ha-
         um estatuto usualmente designado por  que foi apresentado por Bush, em 2002,  mas, feito governo, suceda o mesmo que
         “cidadãos de segunda”.             em nome da ONU, dos EUA, da UE e da  à Fatah, que acabou por reconhecer o
           Em 1967, com a derrota infligida em  Rússia e iniciado em 2003.     Estado de Israel e abandonar a luta ar-
         “seis dias” às forças atacantes da coliga-  As divergências foram sempre profun-  mada, como única forma de a Autorida-
         ção sírio-egipto-jordana, o drama dos pa-  das entre as duas partes e até agora, como  de da Palestina continuar a receber dos
         lestinianos assumiu uma dimensão maior,  se sabe, não foi possível um entendimen-  EUA e da UE os fundos indispensáveis à
         agravado por nova derrota das forças sí-  to duradouro. As facções mais moderadas  sua sobrevivência.
         rio-egípcias em 1973, confirmando a ane-  dos dois lados têm conseguido entre si   A restituição da Jerusalém-Leste aos
         xação dos territórios já ocupados.  alguns progressos, mas as facções mais  árabes ficará para a próxima geração ou,
           Em 1988, a Organização de Libertação  radicais da Palestina têm-se recusado,  quem sabe, para o próximo século!
         da Palestina (OLP), perdidas quatro opor-  simplesmente, a reconhecer o Estado de                     Z
         tunidades, resolveu reconhecer o Estado  Israel e a abandonar as armas, enquanto   Comandante E. H. Serra Brandão

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