Page 80 - Revista da Armada
P. 80
A Eterna Questão da Palestina
A Eterna Questão da Palestina
Os antecedentes
uase todos os conflitos no Médio de Israel, não de boa-fé – dizem os judeus as facções mais radicais de Israel se recu-
Oriente estão ligados ao domínio – mas apenas para angariar as ajudas fi- sam a aceitar uma Palestina independen-
Qda Palestina. Na forma recente, o nanceiras que até agora lhe têm sido con- te e a fazer mais concessões. Lembramos
conflito está ligado à criação de um Esta- cedidas em apoio à sua causa. que o então primeiro-ministro Yitzhak Ra-
do judeu no seu território em 1948. Temos de reconhecer que foram fei- bin foi assassinado pelos seus compatrio-
A ideia da criação de um “Estado israe- tos grandes esforços para resolução do tas mais radicais por terem considerado
lita” nasceu de um livro com esse nome, conflito, designadamente pelos secretá- que tinha ido longe demais nos acordos
da autoria de um famoso jornalista austría- rios de Estado americanos James Baker com a Autoridade da Palestina.
co, de origem judaica, publicado à volta e Henri Kissinger. O mundo regozijou- No essencial, mesmo os israelitas mo-
do ano de 1900. A ideia passou desperce- -se com as várias iniciativas americanas derados não pareciam dispostos, até há
bida, de início, aos judeus europeus, mas de pôr fim ao conflito israelo-árabe, mas pouco tempo, a ir além da concessão
mereceu logo, por razões bem diferentes, o então ministro Ariel Sharon – veja-se de autonomia aos territórios ocupados
a atenção dos judeus ricos da América e como as pessoas mudam – declarou que e excluíam de qualquer conversação a
dos judeus pobres da Rússia. Israel continuaria a criar colonatos nos restituição de Jerusalém – Leste. Segun-
A forma recente do conflito teve ori- territórios árabes ocupados e rejeitaria do o Likud, a direita israelita, a criação
gem num acordo firmado em 1916, entre qualquer pressão para pôr cobro a esta de um Estado da Palestina independente
a França e o Reino Unido, pelo qual as política. Quinze anos depois, o mesmo e governado pela OLP constituiria um in-
duas potências dividiram entre si, com a Ariel Sharon, já primeiro-ministro, não só desejável foco de permanente agitação e
ajuda de Lawrence da Arábia, os territó- entregou a Faixa de Gaza à Autoridade subversão entre os árabes dos territórios
rios do Médio Oriente que faziam parte da Palestina e obrigou os judeus a aban- israelitas, argumento que nós bem co-
do Império Otomano. A faísca todavia só donar os colonatos ali instalados como, nhecemos por ter sido utilizado pela In-
saltou quando o ministro dos Negócios surpreendentemente, abandonou o par- donésia quando os revolucionários por-
Estrangeiros do Reino Unido, Arthur Bal- tido ainda no Governo para formar um tugueses quiseram instalar um governo
four, declarou, em 1917, a necessidade partido mais moderado que prossiga com comunista em Timor-Leste.
de criar “um lar nacional para o povo ju- êxito os esforços para a paz. Arafat, pelo seu passado de terroris-
deu na Palestina”, sem prejuízo dos di- Merecem especial referência neste já ta (como fora, aliás, o de futuros altos
reitos cívicos e religiosos da comunidade longo processo as negociações que ter- dirigentes judeus durante a ocupação
não-judaica nela instalada minaram em Oslo em 1993 (Acordo Oslo britânica) e sobretudo pela sua posição
O facto de os termos desta declaração I) e complementadas em 1995 (Acordo isolada na primeira guerra do Iraque, foi
terem sido incorporados no mandato da Oslo II) com o objectivo de encontrar sempre suspeito de má-fé, tendo nessa
Palestina entregue ao Reino Unido agra- uma solução duradoura para o confli- altura merecido a reprovação e a antipa-
vou a insatisfação do povo árabe, obri- to. Designadamente a transferência de tia do mundo ocidental. A própria CEE,
gando os ingleses a um difícil e arriscado poderes e responsabilidades, a retirada depois do polémico e já esquecido inci-
jogo de conciliação entre os interesses das forças militares israelitas da Faixa de dente com o então Presidente da Repú-
árabes e judeus na região. Gaza e da área de Jericó e a cooperação blica Portuguesa, chegou a recomendar
Como resposta à crescente instabili- económica israelo-palestiniana. fortemente o corte de relações com os
dade na área, o Reino Unido entregou Uma mal fundada esperança, um exa- dirigentes da OLP.
o mandato da Palestina à recém-criada gerado optimismo e uma incompreensí- A morte de Arafat e o novo partido de
Organização das Nações Unidas, que a vel ingenuidade foram tão longe que o Ariel Sharon pareciam ter aberto uma
dividiu em dois Estados, com grande jú- Prémio Nobel da Paz de 1994 foi atri- porta ao diálogo e ao entendimento, mas
bilo dos judeus e ostensiva repulsa dos buído, em três partes iguais, a Yitzhak as expectativas rapidamente se goraram
árabes. Rabin, Shimon Peres e Yasser Arafat! As com a morte política do primeiro-ministro
Atacado logo em 1948, à data da sua boas intenções não ultrapassaram o ano israelita e a vitória dos terroristas do Ha-
fundação, por forças sírias e egípcias, 2000, porque a duplicidade de Arafat e mas nas recentes eleições na Palestina.
Israel venceu a sua primeira guerra. En- o radicalismo do Likud tornaram-se rapi- Mesmo assim, com o optimismo que
tretanto, a Palestina integrava-se, volun- damente notórios. nos caracteriza, não perdemos ainda a
tariamente, no reino da Jordânia, onde Na história do conflito temos ainda de esperança de que o novo partido, criado
coabitou durante quase duas décadas, e mencionar o tão falado “road map for pea- por Ariel Sharon com o apoio do traba-
os árabes que não se tornaram judeus fo- ce”; mais um plano falhado para formar lhista Shimon Peres, ganhe as próximas
ram integrados no Estado de Israel com um Estado da Palestina independente, eleições em Israel e que um dia ao Ha-
um estatuto usualmente designado por que foi apresentado por Bush, em 2002, mas, feito governo, suceda o mesmo que
“cidadãos de segunda”. em nome da ONU, dos EUA, da UE e da à Fatah, que acabou por reconhecer o
Em 1967, com a derrota infligida em Rússia e iniciado em 2003. Estado de Israel e abandonar a luta ar-
“seis dias” às forças atacantes da coliga- As divergências foram sempre profun- mada, como única forma de a Autorida-
ção sírio-egipto-jordana, o drama dos pa- das entre as duas partes e até agora, como de da Palestina continuar a receber dos
lestinianos assumiu uma dimensão maior, se sabe, não foi possível um entendimen- EUA e da UE os fundos indispensáveis à
agravado por nova derrota das forças sí- to duradouro. As facções mais moderadas sua sobrevivência.
rio-egípcias em 1973, confirmando a ane- dos dois lados têm conseguido entre si A restituição da Jerusalém-Leste aos
xação dos territórios já ocupados. alguns progressos, mas as facções mais árabes ficará para a próxima geração ou,
Em 1988, a Organização de Libertação radicais da Palestina têm-se recusado, quem sabe, para o próximo século!
da Palestina (OLP), perdidas quatro opor- simplesmente, a reconhecer o Estado de Z
tunidades, resolveu reconhecer o Estado Israel e a abandonar as armas, enquanto Comandante E. H. Serra Brandão
6 MARÇO 2006 U REVISTA DA ARMADA