Page 85 - Revista da Armada
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Testemunho Presencial de um


                                       Facto Histórico


               m acontecimento do passado é sempre  vé a proveniente de testemunhas que de perto  demonstrar uma extrema sensibilidade e um
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               descrito de um modo subjectivo, sen-  acompanharam a acção.     elevado realismo por parte do seu autor, descre-
         Udo baseada essa descrição em testemu-  Acontece que, relativamente ao assunto, se  ve nos últimos parágrafos, em primeira mão,
         nhas que a ele assistiram, em fontes documen-  tomou recentemente conhecimento de um re-  a origem e a concretização do  lançamento das
         tais coevas ou mesmo em escritos sobre o facto.  lato da autoria do Subintendente da P.S.P., Ar-  flores no local do afundamento da lancha.
         Assim, a História faz-se ao longo dos tempos,  mando Fausto Amaral, actualmente residente   Em recente carta que me dirigiu, o Subinten-
         à medida que a pesquiza de dados é aprofun-  em Ponta Delgada e que na época era o Coman-  dente Amaral esclarece que: Em relação ao ramo
         dada ou novas informações surjam, nomeada-  dante do Posto Policial de Gogolá, peninsula  de flores nem todos os prisioneiros de Diu assistiram
         mente provenientes de testemunhas presenciais  fronteira à ilha de Diu.  ao acto. Foi entre o pessoal da Polícia e da Guarda
         que reputo como as fontes de mais valia.  Este escrito, a seguir transcrito, é dedicado  Fiscal que foram os primeiros a embarcar na barcaça
           Vêm estas considerações a propósito da ac-  ao filho mais novo do Cte Oliveira e Carmo,  que os conduziram ao Cruzador “Delhi”.
         ção da lancha “Vega”, nas águas de Diu, aquan-  que não chegou a conhecer o seu Pai, e foi pu-  E assim se vai construíndo a História.
         do da invasão indiana em Dezembro de 1961.  blicado, em 1969, na Revista da Polícia de Mo-            Z
         Alguma bibliografia sobre o último combate  çambique, da qual o Chefe Amaral era redac-        Leiria Pinto
                                                                                                            CALM
         de uma unidade naval portuguesa nas histó-  tor. O relato, que era desconhecido da família   Nota
         ricas águas de Diu tem sido publicada, inclusi-  do heróico Comandante do “Vega”, além de   1  RA nº 348 de Dezembro de 2001.

                                    Recordando e Divulgando...
            Quando o Inimigo, Vitorioso, Chora...
             Quando o Inimigo, Vitorioso, Chora...

                                                                                              Pelo Chefe Amaral


            A uma criança de pouco mais de oito anos, a quem não conheço, mas que terá nascido quando estes factos ocorreram, para
          que a glória daquele BRAVO, que foi seu Pai, perdure para todo o sempre na sua mente, tão tenra ainda, e lhe sirva de chama
          bem viva pela vida fora, dedica o autor esta modestíssima narrativa, tão modesta, que a mão, ao iniciá-la, se lhe revela inse-
          gura, por pretender descrever feito tão grande, tão épica empresa, em tão elementar prosa...

              alvez que a muitos pareça insípida e  que fica lá para a Índia! Das suas gentes e do  tudo foi tão rápido, que até à História passará
              inoportuna a alusão a um aconteci-  que de grande ali se criou, nenhum homem da  despercebido.
         Tmento que, nas suas mentes, se deve-  informação ainda se ocupou devidamente.  Sabes, havia uma lancha da Marinha de
         ria já considerar sepultado. Por isso hesitei... e   Que interesse terá o Mundo moderno em  Guerra denominada por VEGA, única força
         diga-se de passagem que ainda não me sinto  saber que na diminuta península de Gogolá,  naval naquele minúsculo distrito do Estado
         muito seguro de continuar. Para quê relembrar  por exemplo, a sua anónima e humilde po-  da Índia, da qual ele era comandante.
         velhos pecados e contar a estranhos os nos-  pulaçãochorou sentidas lágrimas, junto da   Já com a atmosfera exalando os odores da
         sos fracassos?! Interrogar-se-ão, estou certo...  simbólica força policial ali existente, quando  morte naquela noite ela fez-se ao mar. Pouco ti-
         Dos fracos não se ocupam os historiadores, é  deram conta da derrocada? Nenhum! Lá não  nha andado ainda, quando o seu radar começou
         a voz corrente.                    havia ouro, nem petróleo, nem cobre, nem fer-  a acusar a aproximação de um monstro de ferro,
           Mentirá a História? Há quem assim enten-  ro, nem... nem lenha para queimar nem água  com direcção à costa. Barcos? Passavam muitos,
         da! Vaga, é, por que vagas são por vezes as suas  potável para beber... De que viviam? Só Deus  mas aquele trazia o sentido das coisas más.
         fontes. De que se compõe? Só de altos feitos e  e as suas gentes sabem! Sobretudo do mar! Do   O que fazer? Mandar uma mensagem para
         coisas belas? Então não é História!...  mesmo mar que para ali fez convergir umas  terra dando conta do intruso. Assim fez, ao
           E... quais são os fracos? O coelho que se dei-  caravelas portuguesas, que levavam nos seus  mesmo tempo que pedia instruções. Estas
         xa filar pela matilha? Não! Os da matilha que,  bojos não a sede do reluzente metal, mas o eli-  também não tardaram:
         para sujeitarem o pobre indefeso roedor, tive-  xir do perfeito convívio humano...  - O que o seu comandante fizer, bem feito
         ram de recorrer ao número e à força!  O Mundo moderno?!... Até tu, Português  está! – Teria respondido quem de direito ao gé-
           É com esta convicção que ainda me atrevo  indiferente pelas coisas da Pátria... Que inte-  nio do homem que já por demais conhecia.
         a reviver um acto de bravura no meio de um  resse também poderá ter para ti o saber que   - Rapazes, cumpra-se o dever e honre-se a
         desaire...                         aquelas gentes se achavam identificadas com  Marinha! – julgo que teria dito o teu Pai, a ava-
           Sob uma espiral de fumo do eterno compa-  os teus antepassados, sentindo e chorando à  liar pela descrição dos factos, que o tempo vai
         nheiro das horas mortas, remontei à noite de  sua maneira, se antes preferes sentimentos im-  já tornando vagos.
         17 de Dezembro de 1961, em Diu.    portados, plagiando o que outros criaram?! Se   A medida que ia amanhecendo, a silhueta
           Da região semi-desértica vizinha, do Indus-  ao menos fosse original!... E porque sei que o  do monstro tornava-se mais visivel. Eu próprio
         tão, soprava, habitualmente, à noite, uma brisa  não és, interromperei aqui o que tanto deseja-  a via, do lugar em que me encontrava. Logo
         fria e cortante, como frias e cortantes são todas  va contar-te, para que soubesses que nem tudo  aos primeiros alvores, para avaliar das suas in-
         as brisas do deserto. Naquela noite, porém,  foi utópico ao longo destes séculos; mas nada  tenções, começou por disparar, embora espaça-
         apesar de não se dar conta das orelhas e do  mais te direi; podes mudar a página...  damente, os seus canhões contra a magestora
         nariz se tornar demasiado ruidoso, o sangue   Só a ti, orfão desconhecido, que agora terás  fortaleza. Resistia esta com a imponência ain-
         pululava mais activamente.         pouco mais de oito anos e ensaias as primei-  da dos seus áureos tempos. Porém, a odisseia
           Mas... o que será Diu? Onde ficará? Só uma  ras letras, te falarei do teu Pai que não conhe-  começara: a Vega entra decididamente na luta
         vaga ideia dos bancos da escola dirá a alguns  ceste. Não te poderei contar muito, porque  e dirige-se para ele, a enfrentá-lo.
                                                                                      REVISTA DA ARMADA U MARÇO 2006  11
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