Page 253 - Revista da Armada
P. 253
Setting Sail
Setting Sail
15. ESCUNA
O termo escuna é usado para qualificar o navio latino de dois mas- les idiomas para qualificar esta mesma sorte de aparelho e respectivas
tros, não obstante este dispor também de vergas redondas que cruzam variantes, foi, entre nós, também, na grande maioria dos casos, especial-
no mastaréu do traquete. Esta armação conta igualmente com traquete mente usado para denominar a armação latina em análise.
latino que enverga por ante a ré do mastro real de proa, sendo que no Por fim, recordamos que a invulgar escuna de duas gáveas designa um
respectivo mastaréu enverga pano redondo nas vergas que aí se encon- tipo de aparelho pouco comum, que, às supracitadas características da es-
tram dispostas, com excepção da primeira, que é seca. No mastro real cuna, soma também vergas redondas que cruzam no mastaréu grande.
grande também enverga latino quadrangular, ao passo que no corres-
pondente mastaréu larga gavetope. Além do pano referido, este tipo de Bolina – Por definição diz-se que um navio navega à bolina quando o
aparelho conta ainda com velas latinas triangulares à proa, e, por vezes, vento sopra de um ângulo de marcação inferior a 8 quartas (90 graus), ou
com uma vela de entremastro. simplesmente para vante do través.
Se algumas certezas existem quanto à entrada no nosso léxico dos
termos usados para qualificar as diferentes sortes de aparelho, sem dú- Bolina cerrada – Designação utilizada para qualificar o navio que na-
vida que a palavra escuna é uma delas. Não restando quaisquer dúvidas vega no limite da bolina, ou tão chegado ao vento quanto o seu aparelho
quanto à sua conotação com o termo schooner, apesar disso, na língua lhe permite, sendo igualmente sinónimas as expressões bolinas aladas,
inglesa, a história que sustenta o aparecimento desta palavra afigura-se cerrado à bolina, bolina cochada e pela ponta da bolina.
um tanto ou quanto romântica e nebulosa, pese embora o seu carácter Coroa – Nome atribuído a cada uma das primeiras encapeladuras dos
relativamente recente e ainda a existência de alguma documentação mastros reais dos veleiros, por vezes também dos mastaréus de gávea, que
atestando essa mesma veia. são geralmente constituídas por cabos curtos e de apreciável bitola. Estas
Os indícios apontam para que o primeiro navio baptizado como encapelam nos calceses dos mastros, daí saindo uma pernada para cada
schooner, apesar deste tipo de aparelho remontar a um tempo anterior, bordo. Caso o mastro disponha de quatro coroas, ou seja, duas para cada
tenha sido lançado à água por volta de 1713, em Gloucester, um porto um dos bordos, estas encapelam pelo seio, através de estropo ou botão.
da costa atlântica do território norte-americano. Rezam os testemunhos
mais arraigados, que, durante o evento, uma das senhoras da assistência Joanete de proa – Este termo tanto pode ser utilizado para qualificar o
terá exclamado – Oh, how she scoons! – no momento em que o navio segundo mastaréu que espiga a partir do mastro real do traquete, como
começou a deslizar na água. Ao que o seu construtor, Captain Andrew ainda ser usado, caso não existam vergas dobradas, para designar a terceira
Robinson, terá respondido: – A scooner let her be! verga que o cruza e a respectiva vela redonda que nela enverga. No caso
Esta história, apesar da sua aparência demasiado naïf, encontra-se regis- vertente, uma vez que a primeira verga é seca (traquete), dá nome à segun-
tada numa carta datada de 1790, onde, inclusivamente, o termo aparece da vela e terceira verga redondas. O mesmo que joanete do traquete.
escrito ainda sem a letra «h», figurando aí sob duas grafias distintas, sco-
oner e skooner. Em reforço do acima exposto, acrescente-se, esta palavra Mastros – Gurupés (A), traquete (B) e grande (C).
surge publicada pela primeira pela primeira vez, com o significado náu-
tico que se lhe atribui, no jornal Boston Records, em 1716, ou seja, cerca Mastaréus – Pau da bujarrona (D), mastaréu do velacho (E) e mastaréu
de três anos após o peculiar episódio que alegadamente terá estado na de gavetope ou gavetope do grande (F).
sua origem. Face ao que antecede, e salvo opinião melhor fundamentada, Pano ardido – Aspecto esverdeado ou escuro que a vela adquire de-
somos forçados a concluir, usando para o efeito uma expressão italiana vido à humidade, sendo que este efeito esteticamente pouco agradável
sobejamente conhecida, que si non è vero è bene trovato… se encontra relacionado com a proliferação de um fungo microscópico
Em português, como se sabe, a palavra schooner encontra-se conotada
com quatro tipos de armação distintas, consoante outras tantas variantes na sua superfície, contribuindo, a prazo, para uma mais rápida degrada-
ção do pano.
maiores registadas ao nível dos respectivos aparelhos: escuna (topsail
schooner), lugre-escuna (three, four,… -masted topsail schooner), lugre Traquete latino (1) – Vela latina quadrangular, dispondo de retranca e
(three, four,… -masted schooner ou three, four,… fore and aft schooner) carangueja, que enverga pela testa por ante a ré do mastro de proa, ou
e palhabote (schooner). primeiro mastro a contar de vante.
No Brasil, em especial na Bahia e um pouco por toda a costa do nor-
deste, o termo escuna é correntemente associado a um pequeno veleiro Velacho – Este nome tanto qualifica o primeiro mastaréu que espiga
latino, sem convés, que conta com dois mastros exactamente iguais, ha- a partir do mastro real do traquete, como ainda designa as vergas que o
bitualmente utilizado na navegação de cabotagem, tanto no transporte cruzam, bem como as respectivas velas redondas que nelas envergam,
de mercadorias como de pessoas. sendo que estas, contando de baixo, correspondem, no caso vertente, à
Apesar desta armação recolher unanimidade no que concerne à sua primeira vela e segunda verga redondas. O mesmo que vela de gávea de
origem nos Países-baixos, dada grande versatilidade desde cedo eviden- proa ou gávea do traquete.
ciada, esta foi sendo alvo de pequenas alterações e adaptações, quer por
influência dos diferentes preceitos enraizados nas mais variadas tradi- Velas de proa – Vela de estai (2), bujarrona de dentro (3), bujarrona de
ções de construção regionais, quer, sobretudo, pela finalidade diversa fora (4) e giba (5).
dos navios construídos um pouco por toda a parte, nomeadamente na
Europa, Américas, Austrália e Nova Zelândia. Velas do traquete – Velacho (6) e joanete (7).
Ao longo dos tempos, e em função de conjunturas diversas, estes na- Velas do grande – Vela grande (8) e gavetope do grande (9).
vios foram sendo utilizados na pesca, no transporte de mercadorias e de
passageiros, como navios de guerra, e, mais tarde, suprimidas as vergas Velas de entremastro – Formosa ou vela de estai do galope do gran-
no mastro de vante – passo que conduziu ao aparecimento de nova sorte de (10)
de aparelho –, como barcos de pilotos. Aliás, este último aproveitamen-
to voltará novamente à colação no final do presente ano, naquele que António Manuel Gonçalves
será o derradeiro episódio do Setting Sail. CTEN
Resta acrescentar ainda que o pouco usual termo goleta, possivelmen- am.sailing@hotmail.com
te do francês goélette, ou talvez pelo castelhano goleta, utilizado naque- Desenho: Aida Colaço