Page 104 - Revista da Armada
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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (26)



                   Honni Soit Qui Mal Y Pense
                   Honni Soit Qui Mal Y Pense



               ão sei se os meus eruditos leitores são  ro, despretensioso e, supostamente, inofensi-  a quem conta um conto… Afinal, estamos a fa-
               apreciadores de pintura…? Se o são é  vo. Não se fazem nelas acusações - embora se  lar de memórias pessoais e não de artigos com
         Nquase certo saberem que qualquer ar-  possam satirizar costumes - e nunca o seu texto  carácter científico.
         tista que se preze, ao materializar na tela a sua  pretendeu pôr em causa a idoneidade moral ou   Cá ficam, então, estes breves considerandos,
         visão da realidade (que por vezes se afasta dela  profissional de quem quer que fosse. As situa-  à guisa de explicação dada a quem paciente-
         em sentido diametralmente oposto), necessita  ções retratadas são, por norma, inócuas e os no-  mente tem acompanhado este folhetim bimes-
         de dar uma ou outra pincelada mais forte, de  mes dos protagonistas são, regra geral, omitidos,  tral e em jeito de satisfação para alguém que,
         modo a tornar mais apelativo o conjunto final.  simplificados ou descaracterizados, de modo a  eventualmente, possa ter ficado ofendido com
         Essa pincelada poderá ferir a vista do observa-  evitar a sua identificação inequívoca. Natural-  algo que aqui tenha sido escrito. Face a tudo o
         dor num primeiro relance, mas depois de este se  mente, quem viveu as situações relatadas, quem  que atrás foi exposto, cabe apenas aos meus
         colocar a uma distância segura do quadro facil-  as testemunhou ou, simplesmente, delas teve  penitentes leitores dizerem de sua justiça e, se
         mente chegará à conclusão de que sem aquele  conhecimento através da famosa “voz da abi-  forem avisadamente aconselhados, libertarem
         retoque a obra-prima que tem diante de si não  ta” (essa, sim, positiva na identificação, impie-  este seu camarada de uma actividade que, longe
         passaria de um difuso borrão, uma amálgama  dosa nos comentários e sumária nas conclusões)  de ser lucrativa, só lhe traz dissabores pessoais e
         de meias-tintas cuja mensagem seria tão inten-  sabe de quem se está a falar… mas para isso não  profissionais. Ganhará a Revista, que facilmente
         sa como a chama de um fósforo apagado numa  precisa de ler a descrição do que, à partida, já  ocupará este espaço com latim de melhor qua-
         cerrada noite de nevoeiro.         conhece.
           Também quem escreve se vê, muitas vezes,   Porém, uma coisa
         na contingência de dar algum tempero à sua  é certa: quem estiver
         escrita, para que os seus leitores não adorme-  mesmo empenhado
         çam ao fim da terceira ou quarta linha. É claro  em procurar maldade
         que com isto se corre o risco de ferir algumas  onde ela não existe
         susceptibilidades, o que não significa, de modo  acabará, inevitavel-
         algum, que haja a mínima intenção de ofender  mente, por ter sucesso
         ou sequer afrontar alguém.         nas suas buscas, pois
           É neste enquadramento que, após cinco anos  haverá sempre uma
         de publicação quase ininterrupta destas “Diva-  palavra ou expressão
         gações”, se torna oportuno fazer uma pequena  que escapa ao aperta-
         pausa para reflexão e dialogar um pouco com  do controlo da pena
         os três ou quatro leitores que me restam, saben-  do cronista. Basta ver
         do, à partida, que metade desse punhado de  que até nos insuspei-
         bravos apenas se sujeita a tão penoso e abnega-  tos escritos do nosso
         do sacrifício por cega fidelidade à Revista da Ar-  bom Doc, cheios de
         mada, da qual lê absoluta e religiosamente tudo  benevolência, carida-
         (incluindo a publicidade, os números de página  de e amor pelo próxi-
         e a ficha técnica), enquanto a outra metade o faz  mo, houve quem en-
         para expiar os seus pecados terrenos, embora,  contrasse motivos de
         na verdade, pudesse recorrer a alternativas me-  melindre. Se esta lei-
         nos dolorosas e espiritualmente mais enrique-  tura negativa persistir e
         cedoras, tais como a auto-flagelação com um  vier a predominar, for-
         azorrague de pontas farpadas ou uma peregri-  çoso se torna concluir
         nação a pé descalço à Terra Santa.  que estamos a afastar-
           Sejamos objectivos: na altura em que estes  nos perigosa e vertiginosamente dos objectivos  lidade, ganhará o Público, que deixará de ser
         devaneios foram pela primeira vez encomenda-  que nos propusemos.     periodicamente massacrado com este estopante
         dos ao desinspirado autor deste texto, pretendia-  Não vamos, pois, por aí, sobretudo porque é  palavrório, e ganha a Marinha que, finalmen-
         -se apenas diversificar um pouco o espaço que  escusado levar demasiado a sério estas paupér-  te, terá um servidor exclusivamente dedicado
         a Revista designa como “Conto Naval”, procu-  rimas e vulgaríssimas crónicas que nem valem o  ao trabalho pelo qual é pago, em vez de andar
         rando-se, além disso, dar ao nosso amigo Doc  papel em que são impressas. É certo que pode-  sempre preocupado em rabiscar apressada-
         algum tempo para respirar entre as suas popu-  mos dizer o mesmo das colunas de má-língua  mente qualquer coisa para cumprir prazos de
         lares crónicas, essas, sim, uma verdadeira mais-  que infestam a nossa imprensa, mas aí existe  entrega. Se assim for, ficará o assunto resolvido
         valia e uma inquestionável fonte de enriqueci-  uma diferença substancial: é que os seus auto-  de uma vez por todas... Mas se o imprudente
         mento desta prestigiada publicação. Digamos,  res são pagos a peso de ouro, o que compensa,  leitor insistir em mortificar corpo e espírito (e de-
         pois, com toda a propriedade, que as “Divaga-  com excedentes, os riscos que daí decorrem  pois venha dizer que não foi avisado!), o com-
         ções” acabam por ser como a música daquelas  para a sua integridade física. E outra diferença  promisso assumido há cinco anos continuará
         bandas de garagem que entretêm a audiência  eu garanto em relação a estas últimas: a de dizer  a ser honrado com o maior prazer e, tão certo
         na primeira parte dos grandes concertos antes  sempre a verdade, mesmo que esta surja molda-  como a pata direita do cavalo da estátua eques-
         da entrada do artista principal.   da ao espírito de quem a assimilou e adaptada  tre de D. José ser a esquerda, não tardaremos a
           Para não se afastarem muito da temática das  ao estilo literário utilizado na sua transmissão.  encontrar-nos… numa outra história.
         “Histórias da Botica”, vêm, do mesmo modo,  Em suma: nada do que corre nestas linhas é in-            Z
         evocar episódios vividos ou presenciados por  ventado, embora possa confirmar o velho ditado   J. Moreira Silva
         quem as escreve, embora num tom mais ligei-  que se refere à particularidade sempre inerente       CTEN

         30  MARÇO 2008 U REVISTA DA ARMADA
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