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O piloto João de Lisboa
O piloto João de Lisboa
1. Cinco séculos de pilotagem
«[…] bẽ assi os marinheyros postos que todos tão diferenciados como o radar, a carta elec- siderada como de «olhos vendados». Tudo isto,
tirẽ polla corda, e todos saybão õde estaa a popa trónica, o receptor de cartas de tempo, o na- bem como outras evoluções que há pouco se
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e a proa, e conheção o mast[r]o e a vella, hũs não vtex , o GPS diferencial, a girobússola , além constituíram como norma para aqueles que
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sabẽ quall he o cõues nẽ os outros a cossia» . dos modernos sistemas de comunicações que andam no mar, como é o caso do AIS , im-
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frequentemente, e cada vez mais, integram a põem aos actuais pilotos um conhecimento
empre que um navio se faz ao mar, nor- capacidade de transmitir grandes quantidades aturado de forma a garantir a rentabilização
malmente segue a bordo alguém que de informação, recorrendo aos crescentes dé- destes equipamentos e sistemas, quanto mais
Satravés da sua experiência, conhecimen- bitos veiculados pelos satélites. Nas áreas cos- não seja na denominada «óptica do utiliza-
tos empíricos ou formação dor». Em qualquer dos casos,
específica, detém a magna assume papel igualmente re-
responsabilidade de garantir levante a interpretação que a
a segurança da navegação, Hydrographic Office US monumental quantidade de
acautelando não só o pró- informação disponível exige
prio navio, como também a quem, no momento certo,
as pessoas e carga nele em- deve tomar a decisão mais
barcadas. Esta figura, que avisada, tendo em conta as
actualmente nos navios da características e limitações
Marinha Portuguesa assume do navio, ou da respectiva
a designação de navegador , carga, dadas as condições
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de uma forma mais ou me- meteo-oceanográficas pre-
nos implícita encontra-se em vistas .
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todo o tipo de navios ou em- Entre o último quartel do
barcações. Nos navios mer- século XV e o final do pri-
cantes é conhecido como meiro do século XVI, período
primeiro-piloto, sendo que em que terá vivido João de
num barco de pesca ou de Lisboa, nenhum dos sistemas
recreio possa designar-se por e equipamentos menciona-
patrão, mestre ou arrais, sen- Pilot chart do Atlântico Norte. Para cada mês do ano existe uma destas cartas, onde encon- dos existia, pelo que, à pri-
do frequente nestes últimos a tramos informação meteorológica/climatológica relevante, nomeadamente vento e corrente meira vista, poderia parecer
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utilização do termo skipper . predominantes. inútil, ou vazia de função, a
Na certeza, porém, de que por norma não se teiras de maior intensidade de tráfego, as co- existência do piloto a bordo. Mas, como vere-
navega sem ter a bordo alguém credenciado municações, em complemento dos sistemas de mos, tal situação encontra-se muito longe de
para garantir a segurança física da navegação, navegação, constituem-se como uma preciosa corresponder à realidade. A título de exemplo
com sobeja prática na manobra do navio, e, ajuda, na medida em que algumas estações em diremos apenas, que muito dificilmente um
simultaneamente, com um conhecimento terra desempenham um papel cada vez mais navio chegaria à Índia sem piloto. Um vas-
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profundo, adquirido pelo estudo, das costas e importante nas questões da segurança da na- to conjunto de conhecimentos, muitas vezes
mares por onde se pretende navegar, bem adquiridos a bordo ao longo de anos de
como dos portos de escala previstos. Além intensas navegações, observando a prática
disso, uma preocupação sempre presente, dos mais velhos, constituía a mais valia do
para todos quantos pretendem navegar à piloto embarcado. Era ele quem detinha a
vela, é o domínio das questões particular- Arquivo CTEN António Gonçalves experiência para melhor conseguir avaliar,
mente sensíveis a essa forma de navegar. ainda que através de métodos à luz dos
Referimo-nos, concretamente, como facil- conhecimentos actuais considerados rudi-
mente se depreende, à grande influência mentares, o valor da singradura do navio,
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que nela têm fenómenos como os ventos, a sua posição em alto mar, a passagem em
correntes e marés. E, como sabemos, nem segurança por zonas de baixos e escolhos
sempre estes factores, por vezes tão deter- identificados na cartografia, a entrada e sa-
minantes, se predispõem a ajudar o navio ída dos portos envolvendo maiores riscos,
a progredir no rumo pretendido. cálculo da previsão das marés, etc. Não
Se nos nossos dias a função do navega- obstante, a sua função não se esgotava nas
dor, dada a evolução tecnológica registada actividades descritas. Numa época em que
nas últimas décadas, se encontra relativa- o mundo, do ponto de vista geográfico,
mente facilitada, ainda assim, ninguém, no hidrográfico, meteorológico e oceanográ-
seu perfeito juízo, dispensará a presença a Pormenor de uma carta dum roteiro de D. João de Castro fico – e isto só para mencionar as princi-
bordo de um conhecedor experiente des- (1538), onde se pode ver a informação hidrográfica rele- pais áreas de intervenção dos homens do
tas matérias. Cumpre registar que o recente vante no porto de Goa. mar –, se encontrava em plena expansão,
desenvolvimento tecnológico, trouxe também vegação, sendo que em condições de tempo cabia aos pilotos a obrigação de recolher os
consigo a inevitável obrigatoriedade de uma e visibilidade adversas, prestam uma assistên- elementos necessários que permitiam, com
especialização crescente, embora para o obser- cia até há poucos anos considerada impensá- o rigor disponibilizado pelos métodos e ins-
vador menos atento tal possa constituir motivo vel, guiando literalmente o navio através dos trumentos coevos, hidrografar novos mares e
de alguma admiração. Na realidade, encontra- estreitos canais e barras de acesso ao porto, cartografar novas costas, informação essa que
mos hoje na ponte de um navio equipamentos quando a bordo a situação é literalmente con- cada um, a título individual, adicionava aos
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2008 15