Page 162 - Revista da Armada
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seus conhecimentos e registos pessoais. Desta De uma forma sucinta podemos afirmar, tudo como ao princepe: todos, assy gente d’armas
forma, a informação topográfica e hidrográfica sem correr o risco de cometer erro apreciável como do mar, e assy officiaes do mar mestres pilotos
recolhida, bem como os importantes sinais da de avaliação na importância das respectivas e quaesquer outros, como tãbem escriuães feytores e
fauna e flora característicos de cada local, era funções a bordo, que o sucesso de qualquer despenseyros que aa fazenda pertencem. Isso mesmo
posteriormente compilada pelos cartógrafos, viagem ou expedição marítima, no decorrer lhe obedeção do proprio modo os capitães inferiores,
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com o objectivo de fornecer aos pilotos cartas dos séculos XV a XVII, se encontrava direc- que deue hauer ẽ cada nauio seu […]» .
mais rigorosas, onde se encontravam assi- Ao piloto, como vimos, competia a difícil
nalados todos os perigos para a navegação e exigente função de levar o navio a bom
até então conhecidos, servindo esta, igual- porto, cumprindo a derrota em segurança.
mente, para que os roteiros utilizados tam- Sempre que possível, este recolhia elemen-
bém pudessem descrever, com maior rigor, Arquivo CTEN António Gonçalves tos hidrográficos e topográficos que, a pos-
as costas, ilhas, fundeadouros e portos pra- teriori, eram incorporados nas novas cartas
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ticados. Além disso, cabia a alguns mate- e roteiros . Mas, como se pode constatar
máticos, um pouco por toda a Europa, as pela transcrição abaixo, a sua experiên-
mais das vezes na dependência financeira cia no cargo constituía um requisito fun-
da corte ou das grandes casas comerciais, damental:
estas últimas interessadas de sobremanei- «[…] que por mays que elles presumão nẽ prome-
ra na expansão das novas rotas e relações tam de fazer nam lhe entregẽ nauios em que elles
comerciais, o desenvolvimento de novos não sejão praticos, porque os lãnçarão a perder, e
métodos e instrumentos – preferencial- quãdo pouco mal fezerẽ nam saberão nauegar, e
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mente simples –, que pudessem ser utiliza- estoruarão a gẽte darmas» .
dos a bordo com vista a facilitar a vida dos Em qualquer dos casos, a decisão sobre
frequentemente pouco instruídos pilotos, o caminho a seguir, sempre que surgissem
naquilo que se considerava essencial, ou algumas dúvidas, essa cabia ao capitão,
seja, a determinação da posição do navio que, apesar de reiteradamente pouco ou
no mar. Só assim seria possível minimizar nada saber a respeito das técnicas de nave-
os riscos que os navios corriam, fruto do gação e respectivos instrumentos, detinha a
desconhecimento acerca das áreas dora- autoridade para fazer cumprir os regimen-
vante navegadas ou ainda, como frequen- tos. Neste caso, ao que sabemos, poucas
temente alertaram, entre outros, D. João de foram as situações que chegaram até nós
Castro e Pedro Nunes, devido à deficiente Carta dum roteiro de Luiz Serrão Pimentel (1673), onde se dando conta da imposição da vontade do
formação dos pilotos, bem como a alguns pode ver a informação hidrográfica existente na área que capitão, colocando em questão o saber e
dos inadequados e incoerentes métodos vai do cabo Espichel ao porto de Setúbal. experiência do piloto.
por eles utilizados. tamente na dependência de três homens: o «[…] deuẽ ter os capitães na escolha desses mestres
Não podemos esquecer que o florescente capitão, o piloto e o mestre. O primeiro, ge- e pilotos, pois tãbe hão de padecer seus defeytos, ou
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desenvolvimento económico passou a com- ralmente o representante da coroa ou do ar- gozar de sua industria se a teuerẽ» .
portar novos riscos para as navegações, e mador, detinha o comando do navio e a ac- Quanto ao mestre, era essencialmente um
que, com uma frequência sempre superior à ção sobre as questões disciplinares a bordo, homem experiente, conhecedor do seu navio,
desejada, muitos navios, pessoas e carga se bem como a incumbência de fazer cumprir em particular no que concerne à estiva, apa-
perdiam, levando os proprietários e negocian- ordens superiores, vulgarmente conhecidas relho, velame, respectiva manobra e manu-
tes a ver-se desprovidos dos respectivos bens por regimentos, tanto no que respeita à der- tenção, e, acima de tudo, o chefe e líder dos
e investimentos, sempre que o piloto come- rota a seguir como ao tipo e quantidade de muitos homens colocados na sua directa de-
tia algum erro de avaliação, o capitão e o pendência. Relatando a viagem de Fernão
mestre menosprezavam a importância da de Magalhães, Laurence Bergreen diz-nos
estiva e os limites da carga a bordo, o mau que nessa época «no topo da pirâmide es-
tempo sujeitava o navio a esforços supe- tava o piloto, que traçava a rota do navio; o
riores aos estruturalmente admissíveis, ou Arquivo CTEN António Gonçalves mestre, que supervisionava a preciosa car-
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ainda, como não poucas vezes se verifi- ga; e finalmente o capitão» .
cou ao longo deste fascinante período de Nos nossos dias, pela experiência de vá-
descoberta e exploração, quando algum rios anos colhida a bordo dos grandes ve-
novo baixo ou escolho – reiteradamente leiros da Marinha Portuguesa, constatamos
baptizado com o nome do navio vítima do que actualmente se mantêm os menciona-
seu achado –, se encontrava no respecti- dos protagonistas, existindo tão-somente,
vo rumo, levando ao inevitável encalhe e nalgumas situações, um novo epíteto para
provocando a sua perda. a mesma função, além do facto do oficial
Fica claro, pois, que apesar de todas as di- imediato assumir particular relevância em
ficuldades colocadas pelo desconhecimento todos os aspectos relacionados com a or-
dos novos mares praticados, a figura do pilo- ganização da vida a bordo. Assim, o co-
to adquiria, à vista de soberanos, armadores, mandante do navio detém as funções do
investidores, marinheiros e demais passagei- antigo capitão , o navegador as do pilo-
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ros embarcados, uma importância inques- Imagem do Livro das Armadas onde figura o naufrágio de alguns to e o mestre, esse, terá mantido, grosso
tionável, pois este detinha, literalmente, nas dos navios da armada de Pedro Álvares Cabral (1500). modo, tanto a designação como boa par-
suas mãos – salvaguardados os frequentes acon- carga a embarcar, quer esta pertencesse à co- te das tarefas.
tecimentos inopinados, cujas principais causas roa, aos elementos da tripulação ou ainda aos É comummente aceite que até à instituição
foram acima por nós sumariamente enunciadas particulares embarcados. da denominada aula do Cosmógrafo-mor, a
–, a competência e responsabilidade de levar a «Deue ser o capitão esperto no entender, acautelado formação dos pilotos assumia um carácter
bom porto o valioso navio, a preciosa carga, os no fazer, manhanimo em sofrer, animoso para aco- eminentemente empírico, baseado nos mui-
supersticiosos marinheiros e os sempre ansio- meter, destro e cõstante no cõbater […] Em cada tos anos de experiência e traquejo adquiri-
sos passageiros. frota haja hũ capitão moor, ao qual obedeção em dos durante as longas e variadas navegações,
16 MAIO 2008 U REVISTA DA ARMADA