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DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (28)



                                             Tubarão!
                                              Tubarão!



              lgum dos meus apavorados leitores  dos ou, pelo menos, como a memória do  os tubarões que rondavam habitualmen-
              experimentou, alguma vez, a ater-  cronista os reteve:           te aquela costa e cujas sinistras barbata-
         Aradora sensação de estar cara-a-ca-  Tudo se passou no dealbar da última dé-  nas dorsais tantas vezes avistavam à popa
         ra com o famigerado predador dos mares  cada do século XX, quando um desventu-  da corveta sempre que eram despejadas
         vulgarmente conhecido por tubarão?... An-  rado curso de cadetes viu a sua promissora  as sobras da cozinha (ainda as preocupa-
         tes que me cheguem eventuais respostas  viagem do Terceiro Ano substituída, à últi-  ções ambientais não estavam tão em voga
         afirmativas, devo esclarecer que não são  ma hora, por um embarque de mês e meio  como nos dias de hoje e, de resto, não
         consideradas, para o efeito, as visitas ao  nas corvetas que patrulhavam as águas dos  consta que algum peixinho tenha morrido
         Oceanário de Lisboa ou a outra instituição  Açores. Passado o choque inicial, que a  de indigestão ou sufocado por aqueles resí-
         análoga. Estou a falar, sim, de um encon-  muitos fizera mergulhar numa longa de-  duos biodegradáveis). A discussão versava
         tro em mar aberto, sem qualquer vidro de  pressão, acabaram os jovens projectos de  particularmente a possibilidade, ou não,
         protecção a estabelecer o desejável apar-  oficial por se adaptar o melhor possível às  das mordiscadoras criaturas se chegarem
         tamento entre o nariz do afoito represen-  circunstâncias do seu degredo temporário,  à área de banhos, defendendo alguns que
         tante da espécie humana e as fauces do  estabelecendo um conjunto de agradáveis  tal era impossível devido à baixa profundi-
         temível esqualo. Prestado este indispensá-  rotinas que, aquando da permanência em  dade e ao perturbador burburinho dos ve-
         vel esclarecimento, posso, agora, afirmar,  Ponta Delgada, se iniciava logo depois do  raneantes, argumentando outros que não
         com toda a propriedade e um indisfarçável  almoço, com uma refrescante saltada à  eram os baixos fundos que iriam dissua-
         ar de triunfo, que conheço pessoalmente  praia do Pópulo. Devo referir que naquele  dir o predador uma vez sentido o cheiro
         alguém que sabe o que é ver-se em tão  Verão verdadeiramente abrasador a areia  da presa, sendo que o frenético chapinhar
         aflitiva situação e que - pasme-se! - talvez  negra da praia aquecia de tal modo que  dos nadadores até poderia funcionar, nes-
         esteja a ler estas linhas sem ter verdadeira  os banhistas quase lá deixavam a sola dos  te caso, como um chamariz. A meditar no
         consciência (por enquanto) do feito que  pés, sendo forçados a percorrer em largas  que ouvira, lançou-se o J.C. novamente à
         protagonizou.                      passadas, quase em voo, a distância que  água… Ainda não eram contadas três vol-
           Desengane-se, portanto, quem espera-  os separava da linha de água.  tas quando o viram, subitamente, inverter
         va ver gabar-se o dono da mão que rabis-  Acontece que o J. C. era, já na altura,  a pernada em direcção a terra e, num par
         ca estas memórias de cordel, cuja reco-  um esforçado atleta e um exímio nadador.  de braçadas, bater todos os recordes de ve-
         nhecida modéstia o leva, graciosamente,  Enquanto os demais se ficavam pela borda  locidade aquática, rematando a exibição
         a ceder o centro do palco ao verdadeiro  de água, mantendo os “calcantes” de mo-  com uma abicagem à praia de fazer inveja
         herói desta história, o intrépido camarada  lho e apreciando os soberbos espécimes  aos botes de assalto dos fuzileiros. Quan-
         adiante designado por J.C.. Não sem que  femininos que por ali abundavam, o nos-  do saiu da água vinha da cor das paredes
         antes se diga, em abono da verdade, que  so herói, que já se tinha dado ao trabalho  caiadas e nem conseguia falar, limitando-
         este que vos fala pode, peremptoriamen-  de trocar a deslocação em autocarro por  -se a gesticular e a apontar para o largo.
         te, afirmar que esteve lá, a uns escassos  meia dúzia de quilómetros em passo de  Enquanto o tentavam acalmar, procurando
         metros do local do incidente ora trazido  corrida, dedicava-se a fazer umas “pisci-  indagar o motivo de tão inesperada saída,
         à ribalta, tendo partilhado boa parte dos  nas”, nadando vigorosamente até ao largo  chegou -lhe aos pés, trazido pelas ondas…
         perigos experimentados pelo protagonis-  e regressando pelo mesmo caminho. Numa  um saco de plástico preto.
         ta. Mas o melhor, mesmo, é deixarmos os  das suas parcas e contadíssimas pausas   - Ora, bolas! [claro que a expressão ori-
         prolegómenos e passarmos à nua e crua  para tomar fôlego, calhou a apanhar os  ginal não foi exactamente esta, mas fique-
         descrição dos factos, tal como foram vivi-  camaradas numa animada conversa sobre  mos assim, para não chocar os leitores nem































         30  JULHO 2008 U REVISTA DA ARMADA
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