Page 244 - Revista da Armada
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VIGIA DA HISTÓRIA 1
Enjoo
Enjoo
uitos poucos serão, entre os que andam no mar, aqueles Não é aliás, por acaso que, no discurso dos mais antigos, a ex-
que, por uma ou outra vez, não tenham sido “atacados” pressão “No meu tempo é que havia mar” surja com frequência
Mpelo enjoo. Menos serão ainda aqueles que, de forma a que, os mais modernos, com a irreverência de quem ainda tem
espontânea, reconheçam ter sofrido, alguma vez, desse mal que, muito que caminhar retorquiam “Pois é, no seu tempo as ondas
no entanto, persiste em existir e cujas tentativas de combate origi- eram quadradas”. Tudo isto vem a propósito de um “remédio”
naram vários tipos de remédios, todos eles de eficácia garantida. para combater o enjoo, no dizer do seu autor totalmente eficaz,
Quem não se lembra de já ter escutado, como forma de anular o que, no decorrer das leituras que, por vezes, faço de velhos pa-
enjoo, conselhos do género: péis encontrei o qual, actualizando a grafia, reza assim:
- Nunca ter o estômago vazio “Ao tempo de embarcar em nau, galé ou barco ou em outra
- Comer muitas vezes mas sempre em pequenas quantidades qualquer navegação, coma uns poucos de gomos de losna e
(1)
- Apanhar ar “fresco” na cara ponha um pouco de açafrão em cima do coração que toque na
- Evitar olhar o mar etc .... carne e este assentado e não tenha temor de enjoar nem vomitar,
Conselhos estes a que o leitor acrescentará mais uns quantos isto é coisa aprovada”.
que, certamente ao longo do tempo, foi ouvindo e cuja eficácia,
igualmente garantida por quem os apresenta, resulta sem valor Nota: Nunca fui capaz de avaliar da eficácia do remédio pro-
por quem os aplica. posto pois, como certamente já se aperceberam, eu sou um dos
Até os comprimidos, contributo da ciência para debelar o mal, muitos que nunca, por nunca, enjoaram.
acarreta alguns efeitos adversos como seja, no dizer dum cama- Z
rada, uma forte irritação na garganta sempre que, por efeito do Com. E. Gomes
enjoo, os vomitamos. Notas
E se os problemas do enjoo são o que são hoje em dia, imagine- (1) Losna – Designação vulgarizada do absinto.
-se o que seriam, em tempos mais recuados, quando as condições Fontes
de estabilidade dos navios eram bem inferiores às dos actuais. Manuscrito de Cota 50-V-31 da Biblioteca da Ajuda
“Naus do Brasil Colónia”
“Naus do Brasil Colónia”
O transportar o chá da China para a Europa à mais alta velocidade. De
Embaixador Rubem Amaral Júnior, um amigo que muito es-
timo e que tive o prazer de conhecer quando, há um bom par facto eram os primeiros clipers, a chegar à Europa com a colheita do
de anos foi Cônsul Geral em Lisboa, enviou-me um livro que ano, que conseguiam as mais altas cotações na venda daquele aprecia-
merece um rasgado elogio. Trata-se de uma obra que reúne profusa do produto. Aliás, os múltiplos desenhos que ilustram a obra, alguns
informação sobre os milhares de navios que chegaram ou largaram deles não vêem a propósito, uns por estarem fora da época em causa,
do litoral brasileiro, desde a esquadra de Cabral outros mesmo descabidas como um trirreme ou
até 1822. o ano em que D. Pedro deu um grito, tão uma jangada.
estridente, que atravessou o Atlântico. Depois há outro aspecto que, não me parece, ser
Relativamente à obra em causa, Naus no Brasil da responsabilidade do autor. Refiro-me à página
Colónia, da autoria de José Eduardo P. de Godoy, 143, onde aparece a referência a uma série de ma-
quero afirmar que é o resultado de um magnífico térias que, infelizmente, não são concretizadas na
e extenuante trabalho de recolha e que será imen- obra, tais como Batalhas e Naufrágios ou, ainda,
samente útil a todos aqueles que se dedicam a esta uma Bibliografia, o que nos faz admitir que o au-
área de pesquisa. Por isso terei que felicitar efusi- tor preparou muito mais informação que o editor
vamente o autor não incluiu na obra. No que respeita à Bibliografia
Todavia, gostaria de chamar a atenção para um era importante saber se o autor teve acesso à obra
aspecto que, infelizmente, não é raro e que consis- de António Marques Esparteiro, Três séculos no mar
te em o editor receber o texto e, ao publicá-lo, não (1640-1910), constituída por 28 volumes, que inclui
lhe dar a forma que o autor desejaria. o movimento de navios do Estado Português, em
Comecemos pelo título que é sempre, ou quase parte daquele período. E receio, também, que A Ca-
sempre escolha do editor, dado que é, fundamen- ravela Portuguesa, de Quirino da Fonseca, outro pre-
talmente, por ele que se conquista o comprador. cioso repositório de informação no âmbito da obra
Não compreendo como se dá o título Naus do Bra- de Eduardo de Godoy, pois refere as características
sil Colónia a uma obra, quando são mencionados e os movimentos de 150 caravelas que aquele insig-
centenas de navios que nada têm a ver com naus. Nau é um tipo de ne historiados encontrou ao longo de anos de estudo.
navio e portanto não pode ser considerado um termo abrangente. Na- Lamento que estes descuidos editoriais que, infelizmente, são fre-
vio, sim. Mas o pior é o facto de, na capa, ser exibido um navio que pa- quentes venham a penalizar o autor que, deles, não tem qualquer cul-
rece um cliper e que é mesmo, pois na primeira página da obra é assim pa. E, de facto, Eduardo Godoy merecia melhor sorte pois, apesar de
intitulado. Mesmo aceitando o título do livro, não fica bem ilustrá-lo humildemente, confessar que carece da formação profissional neces-
com um cliper. De facto, o cliper foi um navio da segunda metade do sária para avaliar com precisão os dados técnicos que apresenta (p.13),
século XIX, quando a obra que estamos analisando termina em 1822. oferece-nos, sem qualquer dúvida, uma obra de referência.
Aliás, o cliper era um navio que não tinha qualquer semelhança com Z
os navios do passado. Possuía um casco de formas finas e tinha tanto António Estácio dos Reis
pano que, por vezes, partia vergas e mastros. Um navio concebido para CMG
26 JULHO 2008 U REVISTA DA ARMADA