Page 32 - Revista da Armada
P. 32
DIVAGAÇÕES DE UM MARUJO (25)
Pérolas da Mensagística Naval
Pérolas da Mensagística Naval
uma das últimas “Divagações” esti- navais. É, normalmente, o Chefe do Serviço comprometimentos. Isso não o impede, po-
ve quase a prometer que não volta- de Comunicações, como “dono” do sistema rém, de contar um episódio de cuja autoria
Nria a maçar os pacientes leitores com interno de mensagens, a pessoa encarregue ele é o principal suspeito. A coisa passou-se
mais histórias do OST. Em boa hora arrepiei de materializar e conduzir a broma. Sendo, no início de uma longa comissão de Inverno
caminho, pois corria o sério risco de, no de- logo nesse acto, responsável pela conscien- nos Açores, tendo o navio acabado de acolher
serto de imaginação deste vosso camarada, te violação do princípio da Confiança, está, um jovem e imberbe aspirante e um verdíssi-
ficar sem mote para a crónica deste mês. Fei- por norma, a salvo de atentados semelhan- mo médico naval. A primeira semana de mar
to este breve intróito, passemos, então, ao tes, pois estes seriam tão infrutíferos como estava a chegar ao fim e, depois de vários dias
que interessa, começando, justamente, pela a tentativa de passar uma nota falsa ao “cai- a levar “porrada”, o pessoal estava ansioso por
chegada de uma fragata da classe “Vasco da xa” de um banco. Claro está que uma regra atracar em Ponta Delgada e ir afogar as mágo-
Gama” ao local onde, durante seis semanas, fundamental neste jogo é a de obter previa- as nos bares da cidade, onde pontuavam, pela
veria a sua guarnição ser alvo de uma mo- mente a concordância - e mesmo a cumpli- sua popularidade entre a marujada, o “Xanta-
numental “esfrega”. cidade - do Chefe, não vá haver surpresas rix” e o “Café com Letras”. Era, agora, a vez
Pois imagine o versátil leitor que é o Ofi- desagradáveis susceptíveis de virar o feitiço da outra corveta, companheira do nosso des-
cial Navegador e acaba de coordenar, com contra o feiticeiro. terro, ir enfrentar a vagalhoça. Pois não é que,
grande rigor e minúcia, a
manobra de fundear no pre-
ciso local atribuído e à hora
marcada, depois de uma
tirada planea da e conduzi-
da ao milímetro, de modo
a cumprir sem falhas o seu
ETA (esclareço os intrigados
leitores menos conhecedo-
res da gíria náutica que não
estamos a falar de nenhum
movimento independentista
basco, mas daquilo que ha-
bitualmente se designa por
Estimated Time of Arrival, ou
hora estimada de chegada).
Imagine-se a regressar, can-
sado, mas satisfeito, à Câ-
mara de Oficiais para iniciar
os preparativos das séries do
dia seguinte e, pouco depois
de se achar sentado em fren-
te a uma tosta mista e a um
copo de cerveja (os mais
abstémicos podem substituí-
lo por um néctar de fruta ou
por um pacote de leite acho-
colatado), vê chegar uma
mensagem expedida pelo
Contra-Almirante FOST em que este expressa E com esta revelação já muitos estarão a já no trânsito de regresso, é distribuída ao Sr.
o seu profundo desapontamento pelo facto do murmurar ou mesmo a vociferar contra o des- Doutor uma mensagem vinda dessa corveta
navio ter fundeado com… UM MINUTO de mancha-prazeres que lhes está a desmontar o a solicitar que o médico de bordo fosse para
atraso em relação ao previsto! Naturalmente esquema e, com ele, a oportunidade de futu- lá transferido, uma vez que o clínico que lhe
sentiria o seu amor-próprio afundar-se até às ras diversões. Que acalmem os seus ímpetos estava atribuído tinha ficado em terra com um
entranhas vulcânicas dos fundos marinhos e, de vingança, pois é muito pouco provável que valente resfriado? Nessa mesma mensagem
no mínimo, andaria o resto do dia com cara as novas fornadas de “periquitos” tenham, no era, também, sugerido que o nosso aspirante
de poucos amigos… Até ao momento em que momento da sua chegada a bordo, passado os acompanhasse o “Doc” nessa transferência,
descobrisse que a desmotivadora mensagem olhos sobre estas linhas. São, aliás, tão poucos de modo a maximizar as suas oportunidades
mais não era, afinal, do que uma brincadeira os que ainda se dão ao extremo masoquismo de treino no mar. É fácil imaginar as expres-
dos camaradas! de ler estes devaneios que o mais provável é sões de desconsolo dos dois infelizes, que, até
A produção de mensagens fictícias des- o seu segredo continuar protegido da indese- ao fim do trajecto, se mantiveram mais mudos
tinadas a burlar – no bom sentido, natural- jada divulgação no meio naval. do que uma ostra fossilizada!
mente - os mais maçaricos, os mais incautos Também este que vos fala poderia confessar Com o molhe do porto à vista, os navios
ou aqueles que num dado momento se pres- a sua participação em embustes de natureza aproximam-se para a saudação da praxe, en-
tam a engolir a negaça ganhou, já, contor- idêntica aos que aqui têm sido relatados, e só quanto os dois “mono-riscos”, com a trou-
nos de tradição a bordo das nossas unidades não o faz explicitamente para evitar futuros xa devidamente arrumada e com o colete
30 JANEIRO 2008 U REVISTA DA ARMADA