Page 5 - Revista da Armada
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Capitania do Porto de Vila Real de S.to António           Foto SAJ L Mário Carvalho

mais ampla e aprofundada do que ocorreu             o bloqueio francês dos portos. Em meados de        Estreito (Algeciras ou Gibraltar) e a Esquadra
durante três séculos – Séc. XVI, XVII e XVIII –     1806 ocorreu a ameaça britânica através de         do Mar Oceânico (ao largo dos Açores).
com o cargo de Patrão-Mor.                          Lord Rossleyn, que oferecia suporte financei-
                                                    ro e militar a Portugal - se D. João VI rompesse     Apartir de 1807, com sucessivas reuniões do
  Vejamos então alguns factos.                      a neutralidade na guerra -, ou mesmo o apoio       Conselho de Estado, para análise internacional
  Desde 1799, enquanto a Espanha tentava a          para a Família Real ir para o Brasil, ameaçan-     e ponderação das opções que se colocavam a
aproximação à França (já governada militar-         do, inclusive, com a captura do porto de Lis-      Portugal – Sá Meneses era o ministro da Mari-
mente pelo Directório), Portugal desenvolvia        boa e da sua frota.Apoio e condicionantes que      nha e Domínios Ultramarinos – e onde era, in-
negociações com França evitando entrar na in-       foram recusados pelo Monarca Português, o          clusive, assumida a hipótese de retirada para o
fluência política directa desta. Ocorreria mesmo    que deixava antever a profunda dificuldade         Brasil, a elite portuguesa interiorizou estrategica-
uma situação limite com a embaixada do mar-         em se obterem, naquela fase, os necessários        mente a opção atlântica que foi, então, a garantia
quês de Marialva a Paris em 1807, em que foi        equilíbrios políticos externos face às potências   da sobrevivência da soberania de Portugal, e o
oferecido a Napoleão (claramente necessitado        então dominantes.                                  fracasso total dos objectivos expansionistas de
de fundos financeiros para a guerra), uma consi-                                                       Napoleão em Portugal. Em 29 de Novembro de
derável quantidade de diamantes brasileiros.          A economia portuguesa, em finais do Séc.         1807 o Rei e a Corte foram para o Brasil, onde
  O Tratado de Madrid, de 29 de Junho de            XVIII, era fortemente sustentada na navegação      tinha ancorado a armada britânica de Sir Sidney
1801, implicava, entre outros aspectos, a ce-       marítima que ocorria, em especial, no triângu-     Smith, ocorrendo, paralelamente, no território
dência à França de uma área costeira a norte        lo geográfico imperial Brasil-Portugal-Angola,     português continental, a iminente pressão mi-
do Rio Oyapoque (Brasil), e sob a condição de       sendo absolutamente essencial tanto a estabili-    litar das tropas de Junot, que se encontravam,
se encerrarem os portos aos navios britânicos,      dade dos circuitos mercantis como a liberdade      precisamente naquela altura, a atravessar as
o que, aliás, não foi cumprido pelo Monarca         da navegação e das comunicações. O Tratado         fronteiras portuguesas. Vivia-se, então, uma fase
Português.                                          da Aliança assinado a 16 de Setembro de 1793,      dramática no limite da instabilidade e sobrevi-
  Em Março de 1804, foi realizada uma Con-          que veio reforçar vínculos já muito antigos en-    vência política soberana, na qual, ainda assim,
venção entre Portugal e a França, que reconhe-      tre Portugal e a Grã-Bretanha, assegurava uma      existiu vontade e Alma para assegurar os fun-
cia o estatuto neutral português (mas que era       relação internacional privilegiada com a grande    damentos da Nação e da sua autoridade.
especialmente onerosa em termos financeiros,        potência marítima dos finais do século de sete-
e da qual resultavam pesadas obrigações para        centos, e que viria a acentuar ainda mais o seu      Há que perceber, portanto, neste brevíssimo
o Estado Português). Recorde-se que a guerra        poder durante todo o Séc. XIX.                     enquadramento histórico, o porquê deste secu-
entre a Grã-Bretanha e a França havia recome-                                                          lar modelo, e as razões que sempre sustentaram,
çado sensivelmente um ano antes, em Maio de           No início do Séc. XIX, a capacidade militar      ao longo dos Séc. XIX e XX, a sua subsistência
1803. Aquela Convenção assinada com França,         naval portuguesa para garantir a sustentação,      jurídico-administrativa e estrutural, obviamente
em Março de 1804, terá propiciado, naquele          em segurança, do tráfego marítimo para o Bra-      com as actualizações e readaptações funcionais
especial ambiente político, um conjunto de in-      sil (essencialmente este, pela sua importância     e em razão da matéria que, necessariamente, co-
fluências sócio-políticas que se terão feito sen-   económico-estratégica, que tornava Portugal        nheceu. Não o entender, significará repudiar as
tir a determinados níveis de decisão do Esta-       um império apetecível), era, já, de alguma di-     nossas origens, a nossa peculiaridade institucio-
do, sendo útil recordar, por exemplo, que em        mensão, considerando, em especial, as bases        nal e não perceber, de todo, a relação entre um
França já existia o capitain du port, que ainda     de modernidade criadas por Martinho de             determinado geoposicionamento marítimo-por-
hoje subsiste, figura a que a Inglaterra – que      Melo e Castro, em finais do Séc. XVIII (nos        tuário e a pauta cultural que sempre nos regeu.
igualmente nos influenciava, então, por ou-         últimos dois quartéis), para acrescer o poder      E se dúvidas houvesse sobre a bondade de tal
tros motivos – era, e é, alheia como modelo de      naval, bem como algumas iniciativas do Mi-         enquadramento de reflexão, bastaria atentar no
exercício de autoridade.                            nistro da Marinha, D. Rodrigo de Sousa Cou-        facto de, em duas potências europeias (França e
  Por outro lado, existia uma Convenção secre-      tinho, até 1803, no sentido de se estruturarem     Itália), e na oitava potência mundial (o Brasil),
tamente assinada em Londres em 1805, na qual,       tais capacidades. Sabe-se que a Marinha tinha,     se manter, igualmente inalterável, nos dias de
face à ameaça francesa, já se antevia a possibili-  então, treze naus, dezasseis fragatas, três cor-   hoje, o respectivo modelo orgânico (capitain du
dade da Coroa ir para o Brasil, e o território      vetas, e sete bergantins entre outras embarca-     port, capitano di porto, capitão do porto).
continuar a ser defendido por tropas inglesas,      ções mais pequenas, contando, ainda, com as
restringindo-se ou eliminando-se, desta forma,      forças navais sitas na Índia e no Brasil. Existia                                                     
                                                    a Esquadra de Guarda-Costas, a Esquadra do                                Dr. Luís da Costa Diogo

                                                                                                                                                 Assessor, DGAM

                                                                                                                  Revista da aRmada • AGOSTO 2010 5
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