Page 30 - Revista da Armada
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NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA (9)

 O político que disse a verdade…
			 …e os homens sem memória

  Sempre no nosso horizonte de portugue-                   no desenvolvimento das novas tecnologias      Quando há alguns anos um cidadão ale-
ses se perfilou, como solução desesperada                  (ou a “revolução da informação”, como al-     mão, a bordo de um navio da Marinha
para obstáculos inexpugnáveis, a fuga para                 guns afirmam), perdemos tempo, não cri-       Portuguesa, afirmava que toda a culpa, do
céus mais propícios…                                       ámos nada de consistente. Preferiu-se em      que então se passava em Timor, tinha sido
                                                           Portugal manter um desenvolvimento ba-        dos colonizadores portugueses, houve um
                                        Eduardo Lourenço,  seado em salários baixos e trabalhadores      médico – que certamente não terá grande
                               In O Labirinto da Saudade   indiferenciados – não se reconhecendo que     carreira, porque fala demais – que o con-
                                                           nesse oceano existiam tubarões bem maio-      trariou, afirmando que os timorenses trata-
Os homens sem memória não se                               res e mais agressivos. Foi assim, com lágri-  vam os portugueses como amigos e que ali,
         conhecem a si próprios. Não têm                   mas de crocodilo, que alguns choraram a       em Timor, não se constava que tivesse ha-
         país, nem uma forte noção dos ou-                 saída das multinacionais (que nunca foram     vido genocídios no último século (excepto
tros, excepto a económica. Várias carac-                   organizações beneméritas…) para paragens      aquando da invasão japonesa e aquela que
terísticas os denunciam. Falam através de                  ainda mais propícias…Melhores competi-
estrangeirismos em que “rea-                               dores no mercado do nosso insustentado                      a Indonésia parecia apostada
lizam” (tradução inexistente                               desenvolvimento.                                            em perpetrar…).
em português, do inglês “re-
alise” que significa, no origi-                              Voltámos entretanto, em massa, para An-                     Admito, deste modo, que
nal, aperceber-se de algo, ou                              gola. Nomes da minha infância ressoam no-                   o principal defeito deste e de
melhor dar-se conta de…) os                                vamente: “as sete jóias de África” – Luan-                  muitos estrangeiros e mesmo
sentimentos de outros, que eles                            da, Sá da Bandeira, Nova Lisboa, Malange,                   de muitos portugueses, que
próprios nunca tiveram. O úni-                             Lobito, Moçâmedes e Benguela – estavam                      vão deixar de celebrar a Res-
co sentimento, penso muitas                                todas no meu livro da 4ª classe. Agora com                  tauração, é mesmo a falta de
vezes, que lhes importa é o                                outros nomes e enquadramentos diferentes.                   memória, que atrás se referiu.
“sentimento” da bolsa.                                     Os portugueses que para lá emigram, hoje,                   Apetece-me dizer: volte Con-
                                                           também são muito diferentes…têm cursos,                     de Andeiro está Vossa Senho-
  Ora, estes homens que nos                                são muito diferenciados… só a motivação é                   ria perdoado. Viva Castilha…
governaram, apesar dos vários                              a mesma…sobreviver, prosperar…                              esqueçamos todos os nossos
cursos e “MBAs” de gestão e                                                                                            avós, que ao longo de séculos
economia, permitiram que em-                                 Não devemos nada em cultura, em his-                      deram a vida para que Portugal
presas e institutos públicos se                            tória e mesmo em trabalho aos povos do                      permanecesse independente. Já
enchessem de dívidas. A me-                                Norte – embora, admito aqui embaraçado,                     agora pergunte-se aos Catalães,
mória colectiva do país tende a                            temos menor noção da nossa capacidade                       que nem sequer são um país, se
perdoar-lhes…Eles sabem disso.                             como povo e por isso perdemos demasia-                      querem prescindir das celebra-
No entanto, o país ficou reduzi-                           do tempo com conflitos internos, fúteis…                    ções da sua nação que ainda
do a um deve e haver, pequeno                                                                                          não é estado…
e simples…sem ambição…
                                                                                                                         Qual é a relação entre esta
  Entretanto, um outro político                                                                                        fútil divagação e a Marinha? É
ousou dizer a verdade. Ousou                                                                                           que a diáspora – um desígnio
afirmar que se deveria consi-                                                                                          fortemente português – sempre
derar a emigração como um                                                                                              esteve relacionada com a Ma-
caminho desejável para a nos-                                                                                          rinha. Desenvolvida em épo-
sa juventude, em óbvias dificuldades. Foi                                                                cas de maior expansão de portugueses pelo
quase crucificado…                                                                                       mundo, adormecida (por vezes quase inexis-
                                                                                                         tente) sempre que Portugal se voltou para si
  Talvez aquele político conheça a escri-                                                                próprio. Assim, estes tempos de crise, acei-
ta de Eduardo Lourenço, que bem resume                                                                   tará o leitor, não são raros na nossa história,
a alma portuguesa, na citação acima. Tal-                                                                porque muitas vezes a nossa terra não foi
vez tenha lido, para além dos manuais de                                                                 suficiente para satisfazer todos os que nela
macroeconomia, os Lusíadas, que não são                                                                  procuravam fazer vida. Aquele último facto
mais do que o relato épico da procura pelos                                                              pode até ser positivo. Talvez Portugal precise
portugueses de melhores horizontes econó-                                                                intrinsecamente de mudar? Talvez o que re-
micos, ao longo da história. A verdade é que                                                             sulte seja melhor do que agora existe? Talvez
em Portugal, a despeito de toda a inovação,                                                              a mudança precise, ainda desta vez, de vir
nos últimos anos não se desenvolveu infra-                                                               de fora…Por isso, mas nunca será vergonha
-estrutura. Criou-se comércio. Os nossos                                                                 sair, emigrar…foi sempre este o nosso cami-
multimilionários preferiram construir super-                                                             nho…é este o nosso desígnio no mundo…
mercados e hipermercados a desenvolver a                                                                 Ainda bem que muitos, ainda mantêm viva
indústria, promover a agricultura ou a pes-                                                              a memória do que fomos…será este também
ca. Percebe-se que no comércio há dinhei-                                                                um desígnio da Marinha?!
ro mais cedo. Contudo, só uma indústria
desenvolvida permite criar empregos para                                                                                                                    
engenheiros, biólogos, químicos, etc.. Até                                                                                                           Doc

30 JANEIRO 2012 • REVISTA DA ARMADA
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