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REFLEXÃO ESTRATÉGICA 8
A ORIGINALIDADE E VALIDADE DE MAHAN
Alfred T. Mahan foi o maior estrategis- po, em função do estado de organização do abrangência, profundidade e contextualização.
ta marítimo do século XX, como se sistema político e económico mundial, e do Com efeito, não olhou para a História de uma
evidenciou nos três artigos antes pu- desenvolvimento da ciência e da tecnologia. forma global, distante e isenta. Considerou os
blicados e dedicados à sua vida e obra. Sem Por isso, para além de nunca terem sido aplicá- casos que melhor se adequavam à justificação
querer menorizar este facto excepcional e in- veis a todos os países de forma idêntica e com da relevância da Marinha dos EUA como ins-
desmentível, neste texto identificam-se as prin- resultados semelhantes, aquelas quatro linhas trumento político decisivo para a prosperidade
cipais fragilidades do pensamento estratégico de acção revelam-se, hoje, inadequadas para e afirmação internacional do seu país no final
de Mahan, questionando a sua originalidade e orientar a formulação da estratégia das potên- do século XIX.
validade actual. Relativamente à originalidade, cias marítimas.
estruturam-se os argumentos com base na- É um facto que Mahan não chegou às suas
quilo que Fernando Oliveira escreveu sobre conclusões a partir de um longo estudo crí-
a estratégia marítima de Portugal. Quanto à tico e de reflexão instruída cientificamente.
validade actual, fundamentam-se as alega- Usou a História para sustentar as suas certe-
ções na natureza dos princípios estratégicos zas. Por isso, procurou as lições prontas e as
que Mahan identificou e na metodologia receitas fáceis para resolver os problemas de
histórica que utilizou para sustentar a sua prosperidade e afirmação internacional dos
conceptualização sobre as marinhas como EUA no seu tempo. Paradoxalmente, foi esta
instrumento político. a extraordinária valia do seu pensamento es-
O trabalho mais famoso de Mahan, The tratégico, que ninguém pode menorizar, ape-
Influence of Sea Power Upon History, 1660- sar de, por deficiências metodológicas, não
-1783, publicado em 1890, revela clara- ter encontrado o entendimento perfeito para
mente que, no essencial e no que de mais a realidade, as circunstâncias e os relaciona-
original tem o seu pensamento estratégico, A obra e o autor. mentos perenes do uso das marinhas como
instrumento político, facto que também nin-
conceptualiza as marinhas como instrumento Fundamenta-se esta convicção, no facto de guém pode deixar de reconhecer.
político, com base em quatro linhas de acção: as relações entre os interesses económicos dos Apesar das quatro linhas de acção que sus-
fortalecer o poder marítimo, isto é, todas as ac- Estados e os respectivos poderes navais e ma- tentam a conceptualização de Mahan sobre
tividades e recursos marítimos; dispor de arma- rítimos, estarem profundamente alteradas rela- as marinhas como instrumento político, não
das que garantam o comando do mar; concen- tivamente ao tempo de Mahan. Com efeito, a serem originais nem terem, actualmente, plena
trar a força naval, como o princípio primacial e base estruturante da economia mundial não é validade na política internacional, os elementos
a chave da estratégia naval; obter bases navais o comércio marítimo, apesar da relevância do básicos do poder marítimo e o objectivo táctico
que permitam abrigar, reparar e abastecer a es- transporte por mar. Para além disso, nenhum do controlo do mar, possuem total aplicabili-
quadra. Estado dispõe de um controlo verdadeiramente dade no quadro das acções de política externa
Estas quatro linhas de acção
dificilmente podem ser aceites de qualquer país. É esta a razão
como um contributo original de fundamental pela qual o pen-
Mahan para a estratégia maríti- samento estratégico de Mahan
ma. Com efeito, nem será preci- ainda não foi relegado para plano
so sair da realidade portuguesa, secundário nos EUA, onde algu-
para se perceber que, três sécu- mas elites idealistas do seu tempo
los antes, já Fernando Oliveira rejeitaram a ética e a moral ine-
explicara, na Arte da Guerra do rentes à concepção de imperia-
Mar, que: é preciso desenvolver e lismo progressivo, subjacente às
empregar o poder marítimo para conceptualizações estratégicas
aumentar a prosperidade e afir- que propôs, devido à experiên-
mar internacionalmente Portugal; cia dos norte-americanos como
só um grande poder marítimo vítimas da colonização inglesa.
permite alcançar o senhorio do Na actualidade, essas elites idea-
mar; este estatuto de força será listas consideram Mahan profun-
obtido através de batalhas navais damente incompatível com os
decisivas, envolvendo navios A Grande Esquadra Branca em manobras. princípios que preconizam para
a estruturação da nova ordem
combatentes; Portugal necessitava de adquirir soberano da sua economia, em resultado da internacional: cooperação, direitos humanos,
e preservar bases navais que prolongassem o acumulação de capital e da concentração do respeito pelas minorias, valores democráticos e
tempo de operação das suas armadas. poder económico residir, crescentemente, no primazia do direito. Paradoxalmente, adoptam
Quanto à validade das quatro linhas de acção capitalismo transnacional. uma atitude profundamente realista, porque
apresentadas por Mahan para fundamentar o As quatro linhas de acção apresentadas por mantêm ao serviço da sua política externa a
papel das marinhas como instrumento político, Mahan para fundamentar o papel das mari- armada mais poderosa do mundo, tal como
importa realçar que, apesar de extremamen- nhas como instrumento político, também não preconizado por Mahan.
te úteis aos EUA durante parte substantiva do possuem validade actual, porque o estudo que
século XX, não passam de regras concretas, este autor fez da História para as fundamentar, António Silva Ribeiro
de interesse prático, que variam com o tem- não obedeceu aos requisitos metodológicos de CALM
4 MARÇO 2013 • REVISTA DA ARMADA