Page 7 - Revista da Armada
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ter», ou, colocando o problema de outra for- ∙ A flexibilidade de emprego, para respon- área geográfica de inegável valor estratégico,
ma, podem não ser «as capacidades que es- der à indeterminação, na forma e na dimen- como pivot do Atlântico Norte e da ligação
tamos dispostos a custear». Mas tal significa, são, das ameaças; ao Atlântico Sul, e como centro nevrálgico
à partida, assumir mais riscos ou redesenhar de trocas comerciais, e das rotas energéticas
a nossa estratégia, tentando otimizar o apoio ∙ A prontidão, que responde à imprevisibi- que suportam o desenvolvimento da Europa,
mútuo entre linhas de ação, para maximizar lidade, temporal e espacial, dessas mesmas o controlo sobre este espaço confere centrali-
os efeitos do emprego das capacidades. Im- ameaças; dade e dimensão ao Estado.
porta, por isso, não esquecer que as opções
estratégicas, e as linhas de ação que as ma- ∙ A projeção e a mobilidade, que reconhe- Já numa perspetiva económica, o valor
terializam, não se restringem à utilização de cem a necessidade de atuar com parceiros e deste mar vai muito para além do potencial
instrumentos militares, para elas contribuindo aliados, porque a interdependência entre as de exploração dos recursos naturais que en-
múltiplos agentes, não só do Estado. causas e entre as consequências dos diferen- cerra. Não sendo despiciendo recordar que o
tes fenómenos, faz com que todos sejamos estabelecimento de novas rotas de comuni-
Faz assim parte do processo de decisão igualmente afetados, mesmo quando não cação marítimas pode significar um elevado
avaliar as diferentes alternativas à luz da diretamente envolvidos. potencial económico para os países ribeiri-
sua «adequabilidade», assegurando que nhos, a sua grande vantagem competitiva re-
respondem ao problema de partida, «exe- Nos últimos dez anos, os quantitativos de side, mais uma vez, na ideia da relação biu-
quibilidade», aferindo que são concreti- pessoal militar foram reduzidos em cerca de nívoca entre Segurança e Desenvolvimento.
záveis, e «aceitabilidade». É relativamente trinta e seis por cento, percentagem que equi-
a este último critério que se encontram as vale a um decréscimo de vinte e duas mil Situada numa zona do globo que une a costa
respostas que procuramos. pessoas. Esta redução foi conseguida muito à Leste dos EUA, a Europa, a África Ocidental e
custa da melhoria dos processos, da eficiência a América do Sul, onde são reduzidos os focos
Em primeiro lugar, a «aceitabilidade» de- da gestão e da aposta em tecnologia. Mas a de tensão e de conflitualidade, gera o ambien-
veria incidir sobre o respeito pelos valores exigência ao nível da formação e do treino, te de segurança e de estabilidade ideais para
e pelos princípios que a Nação, enquanto conferindo elevadas competências e níveis de o desenvolvimento de uma zona económica
entidade unida por um sentimento de viver proficiência profissional, tornaram mais caros com um elevado potencial de crescimento,
coletivo, professa. Estes, em última análise, os recursos humanos encarecendo os gastos em contraponto a áreas como a Ásia Pacífico,
condicionam a própria ação do Estado. Ge- com pessoal. Ainda assim, gostaria de relem- onde os fatores de incerteza são maiores.
orge Friedman, no seu livro «A próxima dé- brar, trazendo aqui outra vez a lume a questão
cada», referindo o apoio da Administração dos números, que uma peça num órgão de Desta forma, se adicionarmos à porção
Norte Americana a países que não respeitam comunicação escrita recentemente publicada, terrestre do território toda a extensão das águas
os direitos humanos – valor universal que os colocava as Forças Armadas, no universo dos nacionais, e se soubermos ser consequentes,
Estados Unidos se orgulham de defender –, servidores do Estado, nas cinco profissões com edificando capacidades para vigiar, controlar
desmistifica que este seja, muitas vezes, um remuneração média mais baixa. e intervir nesse espaço, Portugal deixa de ser
fator prioritário na decisão. um país pequeno, tornando-se credível e rele-
Contudo, alterando novamente a perspeti- vante no seio das Nações desenvolvidas.
A «aceitabilidade» passa então a privile- va de análise, a aposta na qualificação, a que
giar a análise custo-benefício, e é aqui, e só atrás aludo, não pode deixar de ser conside- A ação do Estado no mar terá, por isso, de
nesta fase, que se estabelecem os limites do rada como uma valorização do capital hu- ser capaz de promover a governança, ga-
aceitável em termos dos custos, ou mais cor- mano do País, o que reforça a ideia de que rantir o equilíbrio e a qualidade – factores
retamente, dos investimentos, que o país está as despesas nas Forças Armadas devem ser essenciais para o desenvolvimento e para
disposto a suportar para a sua segurança e de- vistas como um investimento. a exploração sustentável –, visar a ordem
fesa. Tal equivale à definição de um nível de e o respeito pela lei, e fomentar os valores
ambição, mas este não está isento de custos, E o que é absolutamente essencial? Saber identitários, que agreguem a sociedade, em
ou de consequências. No entanto, se tivermos empregar este valioso recurso, que são as geral, e os cidadãos, em particular, em torno
seguido a metodologia que venho a descrever, pessoas com elevada formação, apostar nas de um projeto e de objetivos compreendi-
esses custos e essas consequências transpare- capacidades que melhor respondem aos nos- dos e aceites por todos.
cem claras porque vão resultar da degradação sos interesses estratégicos prioritários, como
da capacidade de resposta, ou da impossibili- o mar e a posição geoestratégica de Portugal, Será assim mais fácil investir no mar, mes-
dade de atender a todas as prioridades iden- esclarecer a opinião pública sobre o racional mo em contraciclo. Se não o fizermos outros
tificadas no processo de análise e de planea- destas opções estratégicas, e explicar as mais- o farão por nós, tirando disso os devidos di-
mento. Em suma, as opções têm reflexo direto -valias que daí resultam, para o País, para o videndos. Sempre assim foi, e não será dife-
e objetivo naquilo que deixará de ser possível Estado e o para o cidadão comum. rente num futuro.
garantir e do risco acrescido que tal acarreta.
Preconizar uma aproximação diferente é arris- Neste contexto não posso deixar de voltar Outra linha de ação que nos poderá ajudar
car «perder o Norte», para usar uma expressão a referir o mar. a concretizar os nossos objetivos de seguran-
tipicamente portuguesa. ça e defesa, é passarmos a posicionar a nossa
A relação de Portugal com o Mar tem raízes indústria como um pilar da estratégia de segu-
Impõe-se, todavia, fazer um ponto de si- históricas, e o mar moldou o caráter, a cultura rança e defesa nacional. É assim que as Na-
tuação e indagarmo-nos se teremos vindo a e os hábitos das gentes portuguesas. Não dei- ções desenvolvidas conseguem atingir níveis
trilhar um caminho adequado, edificando as xando de ser uma verdade, esta constatação de ambição considerados aceitáveis.
capacidades necessárias à nossa estratégia. não será hoje mais do que mera nostalgia, se
não a soubermos ler naquilo que realmente Permitam-me, por fim, que suscite uma
Neste particular, as Forças Armadas têm sabi- nos pode proporcionar: uma identidade ma- questão:
do, com níveis baixos de investimento e atra- rítima e uma predisposição para usar o mar.
vés de soluções imaginativas, transformar-se Merece Portugal, um país com novecentos
e evoluir para modelos organizacionais mais A afirmação do mar Português, enquanto anos de história, não saber na atualidade para
ágeis e para sistemas de forças que favorecem: espaço político e estratégico, transparece que servem a Defesa e a Segurança?
como a verdadeira alternativa de que o País
dispõe para garantir a sua independência e li- Luís Carlos de Sousa Pereira
berdade de ação. De facto, situando-se numa CMG
REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2013 7