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PENSAR A «DEFESA»
Élícito que em tempos de uma alteração
significativa da realidade em que As tarefas fundamentais do Estado, por mui- que também implica participar no esforço in-
vivemos se questionem modelos, linhas to que se discuta a sua dimensão e o modelo ternacional de preservação da paz e da segu-
de intervenção na sociedade, mantêm-se, em rança, é deixar de ter controlo sobre as opções
de ação e, sobretudo, custos. génese, inalteradas: garantir a segurança – lato anteriores, sendo levados pela maré (permitin-
É possível abordar esta temática de várias sensu – e o desenvolvimento, incluindo-se do-me aqui uma expressão marinheira).
formas, mas a discussão tem vindo a centrar- neste último a justiça, também em sentido
-se muito nos números, nas estatísticas, nas lato, e o bem-estar. Ora, não é possível promo- A Defesa e a Segurança, enquanto promoto-
representações matemáticas. Acontece que as ver o desenvolvimento sem segurança, e esta ras da afirmação nacional e de um ambiente
leituras baseadas neste tipo de aproximação será tanto mais fácil de prosseguir quanto mais de estabilidade essencial para estimular o de-
permitem tirar conclusões muito díspares, con- desenvolvida for uma sociedade. senvolvimento, são assim hoje tão necessárias
forme a contextualização e a interpretação que Num ambiente de competitividade, ab- a Portugal como no passado.
lhes é dada pelo analista, jornalista ou leitor. dicar de prosseguir desígnios próprios sig-
Gostaria, a título meramente exemplifica- nifica aumentar as dependências, perder Mas, ainda assim, a questão mantém-se:
tivo, de ilustrar esta ideia com dados com- significado e relevância. Mas para isso há que Defesa queremos?
parativos, relativos às Marinhas de Portugal que pugnar por tais desígnios, afirmando-
e de Espanha. -nos perante vontades contrárias, e evitando Apesar desta pergunta ser constantemente
Em números redondos, o repetida, parece-me mais crucial questionar-
orçamento da Marinha Por- mo-nos antes sobre «que Defesa precisamos»!
tuguesa – incluindo investi-
mento – ronda, em 2013, os A resposta não é fácil, mas arrisco dois pres-
quinhentos milhões de eu- supostos fundamentais: uma
ros. A Marinha de Espanha defesa que garanta uma ca-
tem um orçamento anual pacidade autónoma de ação
de cerca de mil milhões. Se para permitir a sobrevivên-
pretendermos avaliar quanto cia da Nação e do Estado
implica para cada país man- quando são ameaçados inte-
ter a sua Marinha, somos resses vitais; uma defesa que
levados a concluir que cabe possibilite dar um contributo
ao cidadão Português pagar credível, e visível, para as
cerca de quarenta e sete eu- soluções multinacionais que
ros por ano, e ao espanhol visam a promoção de um
cerca de vinte e três. Nestas ambiente de estabilidade e
circunstâncias, o encargo de segurança internacional.
para um cidadão português Sendo legítimo revisitar,
é cerca do dobro daquele O Mar «Português». periodicamente, as opções
que é suportado por um cidadão espanhol. ceder à tentação de enveredar por soluções do Estado sobre esta maté-
No entanto, a questão pode ser apresentada conjunturais que, resultando em benefícios ria, importará não esquecer
de outra forma: Portugal tem uma área marí- no imediato, são potencialmente onerosas que o processo de análise e
tima que, com a extensão da plataforma con- para a liberdade de ação e para a capaci- de avaliação das variáveis,
tinental, assumirá uma dimensão de três vír- dade de decisão no médio e longo prazos.
gula oito milhões de quilómetros quadrados. A história assim nos tem ensinado. que visa apoiar o decisor político sobre as
Espanha, nas mesmas condições, terá sob sua Os portugueses devem por isso procurar diferentes alternativas e soluções, está pen-
soberania e jurisdição, uma área de seiscen- identificar as melhores formas de assegurar sado, comprovado e devidamente validado.
tos mil quilómetros quadrados. Permitam-me que o País prossegue numa rota de desen- Começa com a identificação e priorização
que reforce estes números: três vírgula oito volvimento, defendendo os seus interesses dos interesses, ajuíza as potencialidades e as
milhões em comparação com seiscentos mil; e os seus espaços estratégicos, os quais são vulnerabilidades próprias, considera oportu-
uma relação de quase sete para um. fundamentais para a afirmação do país no nidades, ameaças e riscos, e define as linhas
Se quisermos agora avaliar quanto investe seio da comunidade internacional. Só assim de ação que regem o emprego das capacida-
cada país na Marinha, relativamente à di- se poderá decidir, e assumir, em consciência, des nacionais. É através deste exercício que
mensão do seu mar, ou seja, quanto precisa se o que pretendemos é uma afirmação que se avalia quais as capacidades necessárias,
cada país para proteger as suas áreas marí- reforçará o nosso posicionamento interna- corolário que resulta coerente com um pen-
timas, chegamos à conclusão que Portugal cional e a nossa identidade enquanto povo, samento estruturado.
suporta cento e trinta e dois euros por quiló- abrindo novas perspetivas económicas, ou
metro quadrado, por ano, e Espanha, cerca uma subalternização que resultará da dilui- Reforço aqui a ideia de «Capacidade», e
de mil setecentos e sessenta. Ou seja, nesta ção das nossas opções estratégicas e nos con- a omissão, propositada, a «meios», uma vez
nova perspetiva, Espanha suporta um custo duzirá ao desaparecimento progressivo num que estes constituem apenas a componente
13 vezes mais elevado que Portugal. contexto regional mais alargado. material de um conjunto de elementos
A discussão não pode, nem deve, por isso Escolher outra abordagem, que não a da funcionais, cuja articulação é essencial para a
centrar-se exclusivamente nos números. defesa e da proteção dos interesses, propósito materialização de uma «capacidade».
Mas perguntar-me-ão: e pode o país su-
portar os encargos de um sistema edificado
sobre a lógica anterior?
Para responder a esta pergunta, faço notar
que as «capacidades de que precisamos» po-
dem não ser «as capacidades que podemos
6 MARÇO 2013 • REVISTA DA ARMADA