Page 7 - Revista da Armada
P. 7
instrumentos e sem instrumentos...». Contudo, por sua vez, sucedera a outro ministro extraordi- preparativos para a travessia, o comandante
só o problema da demarcação das zonas de nário, o Marquês de Pombal. Lacerda e Almeida, que era então Governador
influência portuguesa e espanhola no Brasil, de- Um dos primeiros actos do novo Ministro foi dos Rios de Sena (isto é, da Zambézia), enviou
corrente da assinatura do Tratado de Limites de encarregar Francisco de Lacerda e Almeida, para a metrópole informações precisas sobre as
Madrid, de 1750, levaria o governo português a oficial da Armada, doutor em Matemática pela marés em Quelimane, com indicação do esta-
incumbir Miguel António Ciera, engenheiro ita- Universidade de Coimbra e lente da Academia belecimento do porto e das alturas de água em
liano natural do Piemonte de, sob a direcção de Real da Marinha, de tentar a travessia de África, preia-mares de sizígias.
Gomes Freire de Andrade, realizar esse relevante entre Moçambique e Angola, aproveitando a Ainda por iniciativa de D. Rodrigo de Sousa
trabalho de cartografia terrestre. Conquanto não sua experiência e saber, pois já antes de 1791 Coutinho foi criada, em 30 de Junho de 1798, a
chegasse a embarcar para o Brasil, «Sociedade Real, Marítima, Militar
Miguel Ciera, como professor de e Geográfica para o Desenho, Gra-
Matemática no Colégio dos Nobres vura e Impressão das Cartas Hidro-
em 1761, e de Astronomia na Uni- gráficas, Geográficas e Militares»,
versidade de Coimbra em 1772, que, na época, foi conhecida pela
formou cartógrafos e astrónomos forma abreviada, de «Sociedade
portugueses, habilitados para o Real Maritima».
trabalho no Brasil, perenizado nos Este órgão era composto por
tratados de limites de Santo Ildefon- quatro presidentes honorários, que
so, de 1 de Outubro de 1777, e do eram os Ministros de Estado, por
Pardo, de 11 de Março de 1778. oficiais da Armada e do Exército,
Se a necessidade da cobertura pelos lentes efectivos e substitutos
cartográfica terrestre do país era da Academia Real de Guardas Ma-
já patente, o terramoto de Lisboa rinhas, pelos lentes da Academia
de 1755 fez sentir, com especial Militar, dois lentes da Universidade
agudeza, a ausência de elementos de Coimbra, alguns professores da
para se proceder à reconstrução da Faculdade de Matemática, e pelo
cidade, assim contribuindo directa- director-geral dos Desenhadores,
mente para o desenvolvimento da Carta de Pedro Teixeira, 1662. Gravadores e Impressores. D. Rodri-
cartografia urbana. este explorador ousado tomara parte na de- go de Sousa Coutinho forneceu a esta Sociedade
Seria o filho de Miguel António Ciera, Francis- limitação da fronteira sul do Brasil. A viagem todas as cartas que se encontravam nos arquivos
co António Ciera, doutor em Matemática e lente do comandante Lacerda e Almeida através de públicos, solicitando aos mosteiros e conventos
de Astronomia da Academia Real da Marinha, África, meio séc. antes de Livingstone, não teve as cartas hidrográficas originais existentes nos
o fundador da geodesia portuguesa. Em 1788, êxito, tendo nela morrido em 1798. No diário seus arquivos, cujas cópias pudessem interes-
tendo como ajudantes Carlos Frederico Bernar- que deixou, verificamos ter sido o primeiro cien- sar à cartografia geral. Foi nela que se gravou a
do de Caula e Pedro Folque, iniciou os traba- «Carta dos Principais Triângulos das Operações
lhos de triangulação, tendentes à execução de Geodésicas em Portugal 1803», da autoria de
uma carta topográfica de Portugal. Tais traba- Francisco Ciera.
lhos foram frequentemente interrompidos, até Como afirmou D. Rodrigo de Sousa Couti-
pararem em 1803, devido a factores diversos nho, as cartas hidrográficas eram um docu-
sucessivos, como a campanha do Rossilhão, mento da maior importância para a navega-
a «guerra das laranjas», as invasões francesas e ção e, por isso, deviam ser o principal objecto
a instabilidade política que se lhes seguiu. No de atenção da Sociedade. O diploma que
mesmo ano de 1788, Miguel António Ciera criou a Sociedade Real Marítima refere, cla-
deu início à publicação, com Custódio Gomes ramente, a dificuldade em obter boas cartas
de Vilas Boas e Garção Stockler, das Efeméri- hidrográficas, que era necessário adquirir das
des Náuticas. nações estrangeiras, algumas das quais, pelas
Teve então Portugal um brilhante iniciador suas incorrecções, expunham os navegantes
no domínio da cartografia náutica e terrestre. a gravíssimos perigos.
Chamava-se D. Rodrigo de Sousa Coutinho. A Sociedade Real Marítima estava dividida
Diplomata e político era, acima de tudo, um em duas classes. Uma era consagrada às cartas
espírito invulgarmente vivo, esclarecido e cul- geográficas, militares e hidráulicas, actividade
to. Por isso, apercebeu-se que o desenvolvi- que, com o tempo, veio a ser distribuída por
mento científico do País, nos domínios da car- entidades diversas, como os Serviços Hidráu-
tografia náutica e terrestre, era indispensável licos, a Junta de Investigações do Ultramar, a
ao seu progresso e sobrevivência. Com efeito, Sociedade de Geografia de Lisboa e, em espe-
como poderia Portugal explorar, reivindicar e cial, o Instituto Geográfico e Cadastral, depois o
defender as terras que tinha em África, na Índia Instituto Português de Cartografia e Cadastro, e
e no Brasil, sem saber exactamente os limites hoje Direcção-Geral do Território, bem como
das suas possessões? Como poderia Portugal os Serviços Cartográficos do Exército, actual-
manter uma extensa navegação com essas mente designados por Instituto Geográfico do
partes do globo, sem ter cartas hidrográficas ri- Exército. Outra, tinha por objectivo a produção
gorosas e actualizadas? Nestas circunstâncias, de cartas hidrográficas. Nela pode o Instituto
em 1795, após uma carreira diplomática bri- SPorcimiedeiardaepRágeianlaMdaoríAtimlvaar.á de D. Maria I, para a criação da Hidrográfico encontrar as suas raízes.
lhante, durante a qual tomou conhecimento
dos progressos da cartografia e da hidrografia tista a fazer observações astronómicas na África António Silva Ribeiro
em França e na Inglaterra, D. Rodrigo de Sousa Central, incluindo cuidadosas determinações de CALM
Coutinho foi nomeado Ministro de Estado, da longitude, pela ocultação dos satélites de Júpiter.
Marinha e Ultramar, sucedendo a um outro no- Como pormenor de muito interesse para a nossa N.R.
tável Ministro, Martinho de Mello e Castro, que, hidrografia, refere-se que, em fins de 1797, em O autor não adota o novo acordo ortográfico.
REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2013 7