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REVISTA DA ARMADA | 492
Fragata francesa “La Gloire”, o primeiro navio couraçado do Mundo, The Illustrated sorte os steamers protegerão as alas de uma esquadra, con-
London News, 1861 duzirão as naus de linha ao fogo, e quando o inimigo estiver
dispersado, virão colher os frutos da vitória”. Em Portugal, no
Quanto à construção de navios em ferro, material cujo uso se entanto, o seu papel nunca foi decisivo no combate naval di-
expande com a Revolução Industrial, tem a sua primeira expres- reto, embora tenham sido de fundamental importância como
são nos E.U.A., em 1822. Dois anos antes, a França demonstra- auxiliares de guerra, nomeadamente em funções de transpor-
ra a vulnerabilidade da madeira face ao tiro de artilharia, sendo te de homens e/ou material.
que apenas o ferro ou o aço poderiam oferecer uma proteção
credível. No entanto, só na década de 1860 surgirão as primeiras Na altura em que se trava a batalha do Cabo de S. Vicente, a
cinturas de couraça e os primeiros navios de guerra totalmente Marinha de Guerra Portuguesa adquire os seus dois primeiros
construídos em ferro. É a partir daí que se assiste a um rápido de- vapores: o “Napier” (ex-“George IV”), comprado à Inglaterra pe-
clínio dos navios de linha e ao início do fim dos tempos gloriosos los miguelistas em 1833 (e apresado pelos liberais pouco tempo
da marinha de vela. depois), e o “Terceira” (ex-“Lord of Isles”), apresado pelos liberais
no mesmo ano.
Em Portugal, os primeiros vapores de rodas – ingleses – sur-
gem durante a Guerra Civil, sendo fretados pelos beligerantes O hélice surge bastante mais tarde, sendo introduzido pela
(especialmente do lado dos liberais) para transporte de tropas primeira vez em 1852, nos vapores “Argus” e “Lince”. O primei-
e de material e reboque dos navios de vela em períodos de ro navio de propulsão mista, a escuna “Barão de Lazarim”, é au-
calmaria. Esta última aplicação acabou por não ser expressiva, mentado ao efetivo em 1858, com trinta e um anos de atraso
pois apenas surge mencionada no contexto dos preparativos em relação à Inglaterra. O primeiro navio construído em ferro,
do comandante da esquadra liberal, almirante Charles Napier, a corveta couraçada “Vasco da Gama”, é adquirido apenas em
para a batalha do Cabo de S. Vicente, numa tentativa de obter 1875 (a última nau portuguesa, a homónima “Vasco da Gama”
um posicionamento mais favorável no início do combate. Mas tinha sido abatida apenas dois anos antes), marcando o fim da
este esforço saiu gorado, pois os comandantes dos vapores, era dos navios de linha em Portugal.
por receio ou por falta de pagamento, recusaram-se a colabo-
rar. Napier considerava que os navios a vapor eram destinados OS PROGRAMAS DE REEQUIPAMENTO NAVAL
a representar, entre as esquadras, o mesmo papel que a cava- 1834 1864
laria representava no Exército. Outro seu contemporâneo, o
capitão-de-mar-e-guerra Basil-Hal, afirmava que “da mesma A primeira tentativa de reequipamento programado da
Marinha de Guerra Portuguesa no século XIX surge logo a
Escuna “Barão de Lazarim”, J. Prego da Silva, 1861, Museu de Marinha seguir à Guerra Civil. Depois de uma comissão, constituída
a 12 de Março de 1834, se ter encarregue de examinar os
navios de guerra quanto ao seu estado e capacidade, o or-
çamento de 1835 apresenta um projeto de renovação da
Marinha, prevendo uma força permanente de duas naus,
quatro fragatas, quatro corvetas, seis brigues, oito escunas,
oito charruas, oito correios, oito canhoneiras e dois vapo-
res. No entanto, estes números não passam de uma inten-
ção, pois embora as existências oficiais correspondam, com
pequenas discrepâncias, a estes valores, a taxa de opera-
cionalidade efetiva faz com que fiquem notoriamente abai-
xo das expetativas.
A “Força de Mar” para o biénio 1846-1847, sendo um pou-
co mais realista – três fragatas, cinco corvetas, sete brigues,
seis correios, dois transportes e dois vapores – não trava, no
entanto, o decréscimo que se verifica nos dez anos seguintes.
É que, conforme refere António José Telo, um programa naval
implica a existência de uma estratégia nacional, com estabi-
lidade governativa e investimento a médio prazo, condições
que, no quadro de convulsões políticas então vigentes, estão
longe de existir. O golpe militar de 27 de Abril de 1851 (Re-
generação) traz consigo a desejada estabilidade governativa,
mas os efeitos económicos dessa pacificação ainda demoram
algum tempo a fazer-se sentir…
Segundo o Comandante Marques Esparteiro, a Armada Na-
cional encontrava-se, em 1857, “na máxima decadência”, não
existindo navios de propulsão mista como os que equipavam
as principais marinhas internacionais. No entanto, entre 1856 e
1858, já em plena recuperação económica regenerativa, Sá da
Bandeira, então Ministro da Marinha, deu início à construção
de corvetas mistas para modernizar e fortalecer a Esquadra. As
primeiras três – “Bartolomeu Dias”, “Sagres” e “Estefânia" – en-
tram ao serviço em 1858.
José da Silva Mendes Leal, Ministro da Marinha de 1862
a 1864, continuou a obra de Sá da Bandeira, sendo lança-
das mais quatro corvetas mistas, uma em 1862, uma em
16 JANEIRO 2015