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REVISTA DA ARMADA | 492
ESTÓRIAS 8
UM ANIVERSARIANTE ORIGINAL
NUMA VIAGEM DE PAQUETE COMO PASSAGEIRO
Caso com alguma piada, passado a DR
bordo do paquete “Império”, quan-
do do regresso de uma comissão de ser- Quando os sons da música soaram, todos os restantes passa-
viço em Moçambique. geiros das outras mesas se dirigiram para a nossa, a fim de darem
os parabéns ao aniversariante.
Estávamos em 1970, e era então nor-
mal acontecer o regresso à Metrópole O nosso bom José Francisco foi aceitando os sinceros parabéns
(como na altura se dizia) em navios de pelas suas cinquenta e uma primaveras. Até aqui tudo bem. De-
passageiros, os ditos paquetes, quan- pois, um amigo da “onça”, sabendo que o amigo Francisco tinha
do as comissões de serviço terminavam comprado umas garrafas de vinho da Madeira, para oferecer em
para alguns militares. Lisboa, sugeriu-lhe que fosse buscar uma ou duas garrafas para
oferecer um cálice, pelo menos às senhoras, que em fila lhe iam
Acontecia que às vezes essas viagens de depositando um beijinho em cada face ruborizada, com os votos
Moçambique demoravam vinte ou mais de sinceros parabéns.
dias, conforme o local de embarque, que
tanto podia ser em Porto Amélia, Beira ou Claro, no fim o nosso amigo Francisco encarou tudo muito
Lourenço Marques (hoje Maputo). bem, embora lamentando o despejo de duas garrafitas do vinho
da Madeira, ao que os restantes camaradas lhe retorquiam:
Nessa dita viagem, encontraram-se a
bordo cinco camaradas sargentos, todos “Com que então era só fazer anos, receber os parabéns, os bei-
vindos de Moçambique, entre os quais o jinhos e nada pagar, isso é que era bom”.
espírito de grupo sobressaía, o que fazia
parecerem cinco irmãos. Todos amigos de Foram uns fingidos anos que nunca mais esquecerão a quem
brincar, embora uns mais velhos do que teve o privilégio de conviver com o aniversariante e restantes
outros, como eram os casos do sargento camaradas, numa viagem que durou vinte e seis dias de Porto
artilheiro António Ezequiel Sabino e do Amélia até Lisboa.
sargento condutor de máquinas José Francisco. Os restantes três
eram mais novos, casos dos artífices radioelectricistas Pedro Ve- Batista Velez
nâncio e Alberto da Silva Guerreiro, e o signatário desta, maqui- 1TEN OTT REF
nista naval.
Acontece que passados alguns dias de viagem, na 2ª classe já
toda a gente se conhecia e muitos foram os dias em que hou-
ve festas de aniversários de passageiros. Normalmente, à hora
do jantar, surgia um músico com o seu saxofone e assim dava os
acordes da música que toda a gente conhece dos “parabéns a
você”, que logo os restantes passageiros entoavam em uníssono.
Também havia um bolo de anos para o aniversariante, que aca-
bava por ser partilhado com os presentes.
Nós que éramos cinco, pensámos que só na nossa mesa é que não
havia aniversariante.
Ficou então combinado entre nós que, na última refeição que
iríamos ter a bordo, o nosso José Francisco seria o homem que
faria anos, embora não constasse no seu cartão de identidade,
pois era habitual em tempos antigos, e em certas terras da pro-
víncia, não registarem os filhos a tempo, o que obrigava a fazê-los
mais novos, para não pagarem multa.
Falado o assunto ao despenseiro da 2ª classe na manhã
desse último dia, não pôs ele qualquer entrave e lá deu as
voltas necessárias para que o dito bolo não faltasse, assim
como a música.
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