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REVISTA DA ARMADA | 494 72
VIGIA DA HISTÓRIA
A TAÇA DO EMBAIXADOR
Monsieur Honorato ou, como também data da partida da viagem anterior, isto
surge referenciado na documentação por- porque a viagem, mesmo correndo tudo
tuguesa, Honorato de Cais, foi embaixa- pelo melhor, teria uma duração superior a
dor do Rei de França, em Portugal, por vá- um ano, havendo necessidade, ao tempo,
rias vezes. Tendo vindo inicialmente para de respeitar os períodos da partida, do
tratar do casamento de Carlos III, duque Reino entre Março e Abril, e da Índia em
de Sabóia, com a infanta Dª Beatriz, em Dezembro ou Janeiro; a tudo isto acres-
1512, intento que ficou gorado alega- cia ainda o facto de que, naquele tempo,
damente por causa da idade da infanta, não eram muitas as naus que conseguiam
voltou novamente a Portugal, três anos efectuar 4 ou mais viagens.
depois, para negociar novamente o casa-
mento, o que veio a suceder em 1521. Por outro lado, poucas eram as naus
que não embarcavam água, quer devido
Continuou, mais tarde, em Portugal, no ao tempo, quer por avarias, o que provo-
âmbito das relações luso francesas por cau- cava a perda de muitas naus ou, quando
sa dos problemas de pirataria e corso leva- tal não sucedia, a necessidade de arribar,
dos a cabo por franceses e portugueses. com as consequentes demoras e aumen-
to de custos, isto para além dos prejuí-
No conjunto desses períodos o embai- zos provocados pela água embarcada nas
xador viveu, em Portugal, um largo perío- mercadorias transportadas.
do de tempo que lhe permitiu adquirir um
muito razoável conhecimento da realidade Finalmente, a falta de água a bordo era
portuguesa, nada que espante pois, ao fim uma constante praticamente em todas as
e ao cabo, essa é uma das tarefas principais viagens, levando a que, com grande fre-
de qualquer embaixador que se preze. quência, fosse necessário efectuar escalas
por forma a fazer aguada, provocando as-
A sua inserção na sociedade do tempo, sim mais demoras com o consequente au-
e o prestígio que aparentemente detinha, mento de encargos e, tal como quanto ao
poderão estar na origem da autorização embarque de água, com acentuada perda
concedida a um seu sobrinho para seguir de vidas humanas.
embarcado para a Índia.
Em boa verdade, o embaixador Honora-
Conta-se que este embaixador, no decur- to tinha uma correcta percepção dos, até
so de uma qualquer festa, no momento em então, mais graves problemas com que se
que bebia por uma taça, terá afirmado: deparava a navegação do Reino para a Ín-
dia e na respectiva torna viagem.
“Se o Rei de Portugal tivesse meia dú-
zia de naus iguais a esta minha taça seria, Com. e. Gomes
sem qualquer dúvida, o homem mais rico
do mundo". N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
Fonte
Quando questionado sobre a razão de Colecção Política de Apotegmas ou Ditos Autorizados e
tal afirmação, terá então esclarecido que: Sentenciosos por Pedro José Supico de Morais .
− A sua taça, em cada meia hora, fazia
várias viagens;
− Na sua taça nunca entrava água;
− Se o quisesse na sua taça nunca have-
ria falta de água.
A explicação apresentada aponta, na
verdade, para os principais problemas
que afectavam a Carreira da Índia e de-
monstram claramente o conhecimento
que o embaixador tinha da situação na-
quela Carreira.
Na verdade, a mesma nau, na melhor
das hipóteses, o que não era a generali-
dade dos casos, só poderia efectuar nova
viagem para a Índia dois anos passados da
26 MARÇO 2015