Page 27 - Revista da Armada
P. 27
REVISTA DA ARMADA | 494
ESTÓRIAS 10
O MEU PRIMEIRO NAVIO
Ainda cadete, pertenci à guarnição dum navio − aquele que, busca e salvamento dum avião de treino da FA que caira perto da
na altura, menos queria que me calhasse na rifa − o “Ribeira Praia de Sta. Cruz, tornou-se forçosa a presença a bordo dum ou-
Grande”, onde tinha por mais duma vez lavado as tripas até à tro oficial para fazer quartos, e foi pedido pelo comandante um
exaustão, nas viagens de fim de semana da Escola Naval. que, preferencialmente, jogasse bridge. E apareceu um.
Era seu comandante uma das figuras mais curiosas e emblemá- E ainda havia quem dissesse mal da gestão do pessoal! …
ticas da Marinha daqueles tempos. Ou estávamos a navegar, em
serviço SAR ou na fiscalização das pescas, ou estávamos a jogar Ferreira Júnior
bridge na câmara de oficiais. Não sei se consegui dormir duas ho- CMG
ras seguidas a bordo daquele navio.
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
Para variar, fui encarregado de fazer o chaveiro do navio, além
das minhas funções de navegador.
Fiscalizávamos a zona centro e, normalmente, pernoitávamos
em Setúbal ou lá íamos passar o que restava da noite. Várias ve-
zes fomos ver se o navio cabia entre dois cargueiros atracados ao
cais comercial. Umas vezes sim, outras não.
Tudo era melhor do que ir parar ao Cais do Carvão. Certa noi-
te, no Cais do Carvão, depois duma ida ao cinema, quando re-
gressámos a bordo, tínhamos o navio pendurado no cais, com o
verdugo assente na estacaria. Tivemos que esperar a subida das
águas para endireitar o navio e poder zarpar. Ainda estou a ouvir
a desanda que o comandante deu ao pessoal de serviço.
Sair a barra de Setúbal com a água a vazar e o sudoeste rijo,
como tivémos que fazer algumas vezes, não era pêra doce. A re-
bentação em cima do baixio tirava-nos a água que precisávamos
para não bater com o fundo, que era de madeira. Numa acção de
PUB
MARÇO 2015 27