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REVISTA DA ARMADA | 494

duma competição entre ambas as organizações pela obtenção                                                           em todo o espetro de missões e operações – sendo que essas forças
dos meios navais nos processos de geração de forças. Tem sido                                                       (pela sua elevada prontidão e pela sua preparação para todo o tipo
possível esbater essa sobreposição graças a uma boa coorde-                                                         de empenhamentos) são também particularmente indicadas para a
nação na área de operações, aos níveis tático e operacional, e                                                      reação inicial a qualquer ameaça à segurança aliadaiii.
também, habitualmente, através de uma separação geográfica,
com a força naval da NATO a concentrar a sua atuação junto do                                                         Isso poderá permitir alguma complementaridade entre am-
corredor de tráfego estabelecido no Golfo de Áden e a força                                                         bas as organizações, uma vez que a NATO pode reagir de forma
naval da UE (EUNAVFOR) a focalizar a sua atuação na bacia da                                                        imediata a qualquer ameaça à segurança coletiva, podendo criar
Somália. Já no que respeita à competição pelos meios, o desa-                                                       condições para um follow-on que possa ser gerado, em tempo,
fio permanece e assim permanecerá enquanto as forças navais                                                         pela UE. Esta lógica de sequenciação temporária poderá permi-
da NATO e da UE estiverem empenhadas nas operações acima                                                            tir que, após a reação inicial e logo que adequado, as forças da
referidas. Veja-se o caso de Portugal, que – além da atribuição,                                                    NATO se retirem para se focalizarem na manutenção de eleva-
por diversas vezes, de aviões de patrulha marítima P3 da Força                                                      dos níveis de prontidão para empenhamento em operações de
Aérea Portuguesa – já empenhou navios na força da NATO en-                                                          alta intensidade. Já a UE, podendo ser mais lenta na capacidade
volvida em operações anti-pirataria por 3 vezesi (tendo mesmo                                                       de resposta, focalizar-se-ia numa abordagem mais abrangente de
comandado a força em 2009/2010) e também já empenhou na-                                                            conjugação da promoção da segurança com a promoção do de-
vios na EUNAVFOR por outras 3 vezesii (tendo também coman-                                                          senvolvimento, para a qual parece claramente mais vocaciona-
dado a força em 2011 e 2013).                                                                                       da. Esta sequenciação temporária também poderá aplicar-se em
                                                                                                                    ordem inversa, com a UE a assumir a fase inicial das operações
CONSIDERAÇÕES GERAIS                                                                                                de gestão de crises que, num cenário de escalada que compro-
                                                                                                                    metesse a segurança aliada e levasse à invocação do artigo 5º do
  Nos últimos anos tem havido reiterados esforços de coopera-                                                       Tratado de Washington, daria lugar a uma intervenção mais mus-
ção estratégica entre a NATO e a UE, mas é agora necessário pas-                                                    culada das forças navais permanentes da NATO.
sar à prática. O difícil relacionamento entre a Turquia e o Chi-
pre (abordado no artigo do último mês) permanece como o fator                                                       CONCLUSÃO
mais impeditivo desta cooperação, mas ainda assim é possível
implementar ações concretas que aproximem as duas organiza-                                                           Atendendo ao acima exposto, pode-se dizer que tem sido pos-
ções no plano marítimo, como sejam a intensificação das con-                                                        sível encontrar, aos níveis tático e operacional, alguma comple-
versações informais entre o Conselho do Atlântico Norte (North                                                      mentaridade, que designo como geográfica, com as forças navais
Atlantic Council) da NATO e o Comité Político e de Segurança (Po-                                                   da NATO e da UE empenhadas no combate à pirataria somali a
litical and Security Committee) da UE e respetivos estados-maio-                                                    fazerem incidir a sua atuação em áreas distintas.
res, a realização de exercícios entre forças navais de ambas as
organizações e uma maior partilha de informação e informações,                                                        Além disso, o facto de a NATO possuir forças navais permanen-
que possa contribuir para o incremento do conhecimento situa-                                                       tes poderá permitir alguma complementaridade, que designo
cional marítimo global.                                                                                             como temporal, em operações não-artigo 5º, com a NATO a asse-
                                                                                                                    gurar a reação inicial perante ameaças à segurança aliada, criando
  Cabe aqui referir que, por um lado, a UE dispõe de melhores fer-                                                  condições para um empenhamento subsequente da UE quando a
ramentas que a NATO para empenhamentos no low-end, por pos-                                                         estabilidade dos teatros o permita, libertando as forças da NATO,
suir instrumentos jurídicos, económicos e diplomáticos, bem como                                                    logo que adequado, para regenerarem as suas valências comba-
capacidades civis para apoio à capacitação de Estados fracos, es-                                                   tentes. O conceito de complementaridade temporal adequa-se,
senciais para a implementação de estratégias holísticas e abrangen-                                                 igualmente, a operações de gestão de crises em que a força naval
tes de prevenção e combate a ameaças securitárias aquém da guer-                                                    da UE esteja autonomamente empenhada, mas em que a escalada
ra. Por outro lado, o foco das forças navais permanentes da NATO                                                    do conflito implique evoluir para uma operação de defesa coletiva,
deve ser a preparação para empenhamentos de alta intensidade,                                                       resultando na transferência do comando para a alçada da NATO e
na certeza de que com isso se garante a capacidade de intervenção                                                   num incremento dos meios navais combatentes.

                                                                                                                      É por isso que – embora seja difícil que NATO e UE acordem
                                                                                                                    numa complementaridade do tipo: NATO para o high-end; UE
                                                                                                                    para o low-end – uma tal complementaridade funcional (desde
                                                                                                                    que não seja mutuamente exclusiva) não deixa de ser um bom
                                                                                                                    ponto de partida para a concertação, caso a caso, de empenha-
                                                                                                                    mentos entre a NATO e a UE. Adaptando (de forma livre) uma
                                                                                                                    conhecida e controversa analogia introduzida por Robert Kagan,
                                                                                                                    essa “divisão de tarefas” corresponderia, de algum modo, à visão
                                                                                                                    da NATO como Marte e da UE como Vénus.

                                                                                                                    Sardinha Monteiro
                                                                                                                                       CFR

                                                                                       Foto NRP “Viana do Castelo”  Notas

Apoio médico a náufrago socorrido pelo NRP “Viana do Castelo” no âmbito da Operação                                  i Fragatas “Corte Real” em 2009, “Álvares Cabral” em 2009/2010 e “Francisco de
TRITON, de controlo de fronteiras / combate à imigração ilegal / salvamento marítimo,                                Almeida” em 2011
lançada pela UE no mar Mediterrâneo                                                                                  ii Fragatas “Vasco da Gama” em 2011, “Corte Real” em 2012 e “Álvares Cabral”
                                                                                                                     em 2013.
                                                                                                                     iii Além de poderem, ainda, ser utilizadas, no âmbito dos seus exercícios, para
                                                                                                                     promover parcerias em áreas de interesse estratégico para a Aliança.

                                                                                                                    MARÇO 2015                                                                        5
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