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REVISTA DA ARMADA | 503 18
Stratεgia
NOVA ESTRATÉGIA MARÍTIMA AMERICANA
Segundo a terminologia militar americana, o propósito de Com a queda do muro de Berlim, esse documento ficou des-
qualquer estratégia é “to balance ends, ways and means”, ou fasado da realidade e, em 1992, o Secretário da Marinha e os
seja equilibrar ends (vertente operacional, i.e. missões ou fun- Comandantes da US Navy e do US Marine Corps promulgaram
ções), ways (vertente estrutural, i.e. organização e processos) e uma nova estratégia, intitulada “… From the sea”, em que o obje-
means (vertente genética, i.e. recursos ou capacidades). É tam- tivo primordial deixou de ser o controlo do mar e passou a ser a
bém esse o propósito da mais recente estratégia marítima dos projeção de força sobre o litoral.
EUA, publicada em março de 2015. Porém, antes de a apresentar,
justifica-se uma breve abordagem aos documentos homónimos Logo no final de 1992, foi eleito um novo Presidente, Bill Clin-
dos últimos 30 anos. ton, e as chefias militares da Marinha e dos Fuzileiros considera-
ram que deviam atualizar a sua estratégia. Assim, em 1994, seria
EVOLUÇÃO HISTÓRICA publicada uma atualização da estratégia anterior, assinada pelo
novo Secretário da Marinha e pelos dois chefes militares acima
No início do segundo mandato de Ronald Reagan, em 1986, referidos. Intitulava-se “Forward … from the sea” e considerava
o Secretário da Marinha John Lehman publicou uma estratégia que o papel principal das forças navais em situações aquém-
marítima extremamente marcante. Intitulava-se “The Maritime -guerra era o empenhamento em áreas longínquas, com o objeti-
Strategy” e foi um documento típico da guerra fria, dedicando vo de prevenir conflitos e controlar crises. Ou seja, o foco passou
grande atenção a operações ofensivas em larga escala contra a a ser a presença avançada, em vez da projeção de força.
União Soviética. Esta estratégia servia de justificação para uma
“600 ship Navy” ou “Marinha de 600 navios”, conceito que vinha Em 2007, seria publicada “A Cooperative Strategy for 21st Cen-
a ser desenvolvido há algum tempo no seio da US Navy e que en- tury Seapower”, que, pela primeira vez, juntou os três serviços
controu nesse documento a indispensável sustentação teórica. A marítimos americanos: Marinha, Guarda Costeira e Fuzileiros. A
“Marinha de 600 navios” previa 15 porta-aviões, 100 submarinos ideia base que presidiu a esse documento foi a de que o bem-
de ataque e a recuperação dos 4 couraçados da classe “Iowa”, -estar e a prosperidade globais dependem em grande medida da
equipando-os com mísseis Tomahawk e Harpoon. Embora essa liberdade de navegação, pois a esmagadora maioria das trocas
estratégia tenha estado na base do lançamento de vários pro- comerciais decorrem por via marítima. Para isso, é necessário ga-
jetos de construção naval, dificuldades financeiras impediriam a rantir a segurança marítima global, objetivo que não é passível
plena concretização do plano, nunca se tendo ultrapassado os de ser atingido por nenhuma nação individualmente. Daí o do-
566 navios, número atingido em 1988. Não obstante, recente- cumento promover uma estratégia cooperativa, que apelava ao
mente, John Lehman escreveu que a análise feita no Kremlin a empenhamento colaborativo de navios das mais diversas prove-
essa estratégia levou a liderança soviética a concluir que teria niências, todos irmanados no objetivo comum de contribuir para
que triplicar o orçamento da sua Marinha para conseguir resistir a segurança dos mares. O grande enfoque dessa estratégia foi,
a um ataque americano. Segundo ele, tal terá contribuído gran- pois, a cooperação.
demente para o colapso da União Soviética.
Entretanto, rebentou a crise financeira global e o ambiente
geoestratégico foi-se alterando bastante, obrigando à revisão
desse documento. A nova estratégia foi publicada em março de
4 JANEIRO 2016