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REVISTA DA ARMADA | 510 86
VIGIA DA HISTÓRIA
NEM TODOS SÃO IGUAIS
O Tratado Luso-Britânico de 1842 consti- Afirmava igualmente aquele ministro
tuiu mais uma etapa no combate ao tráfico estar absolutamente convencido da ino-
de escravos, ao estender a respectiva área cência do navio, pois era propriedade de
de fiscalização para Sul, até ao Equador. uma respeitável e conceituada firma de
Liverpool que, em caso algum, se arrisca-
O Tratado especificava um conjunto de ria às penas previstas para os que trafica-
indícios, na sua quase totalidade incluídos vam escravos.
por vontade das autoridades britânicas,
que permitiam considerar como justa Num desses encontros, o ministro britâ-
causa o apresamento dos navios que os nico insinuou mesmo que o apresamento
apresentassem, como sendo navios ne- do Lady Sale teria sido uma forma de reta-
greiros; tais indícios incluíam a existência, liação pelo apresamento que os britânicos
a bordo, de algemas, gargaleiras, escoti- vinham fazendo de navios portugueses, e
lhas com grades, cobertas corridas, tábu- ainda pela vontade que o comandante
as aparelhadas para construir segundas português teria em “mostrar serviço“.
cobertas, caldeiras de cozinha em número
superior ao normal, quantidades excessi- Em Portugal, porém, o apresamento foi
vas de água, de carne e peixe salgados, de considerado justificado, até porque os in-
farinha, de arroz, de mandioca e de milho. dícios encontrados eram bem superiores
àqueles que os britânicos haviam conside-
A fiscalização parece só ter tido início rado como suficientes para apresar navios
em 1884, ano esse em que foram apresa- portugueses.
dos 8 navios, na sua maioria brasileiros,
sendo 5 dos apresamentos efectuados A menção de apreço da Rainha, com
pelos navios portugueses e 3 pelos dos data de 7 de Janeiro de 1846, e a conde-
ingleses. coração do 2º Tenente Vicente Ferrer com
a Ordem da Torre e Espada parecem de-
No ano seguinte, o número de apresa- monstrar o convencimento dos portugue-
mentos aumentou para 26, cabendo aos ses de que a razão lhes assistia.
britânicos a maior parte, exactamente 22,
e aos portugueses somente 4; mais uma Mesmo após terem recebido cópia dos
vez o maior número de navios apresados elementos justificativos do apresamento
era de brasileiros, havendo ainda entre (excessiva quantidade de água, de man-
os apresados navios portugueses, ameri- timentos e falsas declarações quanto ao
canos e um inglês, este último, de nome porto de destino) e da decisão favorável
Lady Sale, apresado pela escuna portu- do tribunal arbitrário, no qual participava
guesa Constituição, sob o comando do 2º um inglês, as autoridades britânicas, em-
Tenente Vicente Ferrer Barrancho. bora reconhecendo que à luz do Tratado
o apresamento não podia ser contestado,
Como seria de esperar, o apresamento consideravam que tudo se ficara a dever
do Lady Sale provocou uma forte reacção a uma certa imprudência no apetrecha-
britânica, não só na imprensa, em espe- mento do navio.
cial dos jornais de Liverpool, a cuja praça
o navio pertencia, como também a nível Com. E. Gomes
diplomático.
Fonte: Angolana vol. IV
Nos contactos havidos entre o Ministro
de Portugal em Londres e o Ministro dos N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
Negócios Estrangeiros britânico, este terá
informado o ministro português que o
apresamento do Lady Sale iria ser objec-
to de debate, pelo Primeiro Ministro, no
Parlamento.
28 AGOSTO 2016