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REVISTA DA ARMADA | 515
Strategia 28
Marinhas e Política Externa
"When you want a good new idea, read an old book!"
Desconhece-se com exatidão o autor da citação que encabeça transporte marítimo, outra relacionada com a utilização militar e
este artigo, a qual já foi atribuída a Lord Lytton, a Ivan Pavlov outra associada à exploração de recursos.
e a Harry Truman, entre outros. De qualquer maneira, a origem
acaba por ser secundária perante a sua força: “Quando quiseres Antes de detalhar um pouco melhor cada uma das funções
uma boa ideia nova, lê um livro antigo!” identificadas, importa realçar que Booth admitia algum grau
de artificialidade numa conceptualização deste tipo, pois quase
Lembrei-me desta citação a propó-
sito do livro Navies and Foreign Policy tudo o que as marinhas fazem serve mais
(Marinhas e Política Externa), publicado do que uma função. Com efeito, a delimi-
pelo académico britânico Ken Booth, há tação das funções não é estanque, haven-
exatamente 40 anos, i.e. no princípio de do alguma sobreposição entre elas.
1977. O livro é, hoje em dia, um clássico
da estratégia naval, abordando de forma Além disso, segundo Booth, a adoção
detalhada a relação entre o poder naval de uma representação triangular não sig-
e as relações externas dos Estados. Booth nificava que as funções tivessem todas a
adotou uma aproximação abstrata e teó- mesma importância. De facto, cada país
rica ao estudo desta matéria, não se dei- valorizará mais (ou menos) cada uma das
xando ficar preso às circunstâncias do seu funções, dependendo dos seus interesses
tempo. Graças a isso, conseguiu produzir e, até, de cada momento.
uma análise intemporal, que sistematiza,
de forma notável, o relacionamento entre Função militar
as marinhas e a política externa, propon-
do quadros conceptuais e instrumentos A função militar é a base da trindade (e
de análise que ainda hoje mantêm a sua do triângulo), pois representa a essência
pertinência. das marinhas. Segundo Booth, é a capa-
cidade de usar a força (ou a ameaça de
FUNÇÕES DAS MARINHAS o fazer) – de forma concreta ou latente
– que caracteriza esta função e dá signi-
Ken Booth começou por perguntar “Porque é ficado às outras duas funções. A função militar
que precisamos de uma marinha?”, procurando divide-se num objetivo de tempo de paz, que é
depois responder com uma sistematização que o equilíbrio de poder, e num objetivo de tempo
ficou célebre e que constitui ainda hoje uma re- de guerra, que é a projeção de força.
ferência em qualquer abordagem sobre a maté-
ria. Booth identificou três funções das marinhas Função diplomática
(militar, diplomática e policial) e apresentou-as
numa estrutura triangular, com o uso do mar ao A função diplomática respeita aos empenha-
centro. Booth entendia esta conceptualização mentos no quadro da política externa, aquém
como uma trindade, i.e. três-em-um: três fun- da utilização da força. Na utilização diplomática,
ções que se subsumem no elemento central e a intenção é evitar a violência, mas essa possibi-
agregador que é o uso do mar, objetivo implíci- lidade estará invariavelmente presente nas cor-
to em tudo o que as marinhas fazem. Segundo respondentes atividades. Ou seja, a distinção
Booth os estados estão interessados no uso do mar por três mo- entre as funções militar e diplomática radica no
tivos: “(1) para a passagem de bens e pessoas; (2) para a passa- emprego da força. Se houver emprego da força,
gem de forças militares para fins diplomáticos ou para uso contra nem que seja na forma que Booth designa como latente, então
alvos em terra ou no mar; e (3) para a exploração de recursos entra-se no âmbito da função militar, se não houver emprego da
no mar ou no seu subsolo”. Ou seja, há uma finalidade ligada ao força, então está-se no âmbito da função diplomática. A função
diplomática foi dividida por Booth em três objetivos políticos: ne-
gociação em posição de força, manipulação e prestígio.
4 FEVEREIRO 2017