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REVISTA DA ARMADA | 515
Função policial • Capacidade de acesso: Os oceanos permitem uma boa via de
acesso a outros países, sendo o movimento de forças militares
A função policial tem a ver com o exercício da soberania nos es- através dos oceanos mais fácil do que por via terrestre ou aérea.
paços marítimos nacionais, sendo, por isso, uma função orientada Isso levou Booth a afirmar que “um país com uma marinha é po-
para o âmbito interno (e não para o âmbito externo, como as fun- tencialmente vizinho de todos os países ribeirinhos”.
ções militar e diplomática). A função policial visa, em sentido lato, • Simbolismo: Os navios de guerra são símbolos visíveis e repre-
a manutenção da ordem pública, dividindo-se em dois objetivos sentantes úteis das intenções e do empenhamento de um país.
políticos: responsabilidades de guarda costeira e coesão nacional. • Endurance: A autonomia dos navios de guerra e a sua capaci-
dade de sustentação própria permitem-lhes permanecer numa
Segundo Booth, cerca de 1/3 das marinhas de todo o Mundo área durante largos períodos de tempo.
apenas exercem esta função, pois não têm interesse e/ou capaci-
dade para desempenharem as outras funções. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora Booth tenha designado esta função como policial (poli- Apesar do enorme interesse e da grande originalidade de todo o
cing role), na realidade e de uma forma genérica, o que as marinhas conteúdo do livro, o principal legado de Navies and Foreign Policy
executam são tarefas com conteúdo policial e não tarefas policiais para a estratégia naval foi a identificação das três funções das mari-
propriamente ditas. Por isso mesmo, alguns pensadores posterio- nhas, sendo curioso verificar que a sistematização em três elementos
res refinaram o triângulo de Ken Booth renomeando este vértice. tem antecedentes distintos entre os maiores estrategistas da história.
Por exemplo, Eric Grove designou este vértice como constabulary
role. O termo “constabulary” não tem equivalência na língua por- Por exemplo, Clausewitz via a guerra (qualquer guerra) como uma
tuguesa mas pode ser traduzido por “imposição da lei”, que parece “maravilhosa trindade” constituída por “três tendências”: (1) a pai-
uma designação mais adequada para esta função do que a propos- xão primária e a hostilidade (da população) – que, se não controla-
ta por Ken Booth, a qual pode levar a alguns mal-entendidos. das, levam a uma espiral de violência, (2) as probabilidades e o acaso
– que tornam a guerra imprevisível, e (3) a razão (da liderança políti-
QUALIDADES DOS NAVIOS DE GUERRA COMO ca) – que procura que a guerra tenha um objetivo ou um propósito.
INSTRUMENTOS DIPLOMÁTICOS
Também Mahan entendia o sea power (poder no mar) como
Após fazer esta conceptualização, Booth discriminou as carac- uma tríade, integrando: (1) a produção – que leva à necessidade
terísticas dos navios de guerra que os valorizam como instrumen- de trocas comerciais; (2) os navios mercantes – que concretizam
tos diplomáticos: as trocas comerciais; e (3) as colónias e mercados – que possuem
• Versatilidade: Capacidade dos navios de guerra executarem um uma vertente económica (como fontes de matérias-primas e
largo espetro de tarefas sociais, humanitárias ou políticas, além como destino comercial para os produtos transformados) e uma
das puramente militares. Booth enfatiza que “de todos os siste- vertente militar (proporcionando as bases que apoiam os navios).
mas de armas no inventário de um país, os navios de guerra são
claramente os mais mutáveis”. Booth também recorreu a uma sistematização ternária, que ex-
• Controlabilidade: Esta qualidade é baseada em duas caracterís- pôs graficamente através de uma estrutura triangular, aproveitada
ticas dos navios de guerra, nomeadamente o seu potencial esca- posteriormente por muitos outros estrategistas marítimos para os
latório e a sua facilidade de retirada. Isso permite uma gradação seus próprios trabalhos. As funções identificadas por Booth (mili-
do uso da força, em função dos contornos de cada situação. tar, diplomática e policial) constituem a base de todas as sistema-
• Mobilidade: Corresponde à facilidade com que os navios de tizações posteriores, embora alguns autores tenham introduzido
guerra se podem mover em resposta a situações imprevisíveis, alterações semânticas, nomeadamente na designação da função
em áreas próximas ou distantes. policial. Finalmente, a colocação do uso do mar como elemento
• Capacidade de projeção: Os navios de guerra podem transpor- central e agregador é um dos pontos fortes desta conceptualiza-
tar armas, tropas, tanques, meios aéreos, embarcações de de- ção, pois trata-se da verdadeira razão de ser das marinhas: permi-
sembarque, entre outro material de guerra, permitindo projetar tir que o país possa usar o mar de acordo com os seus interesses.
poder até regiões distantes.
Sardinha Monteiro
CMG
FEVEREIRO 2017 5