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REVISTA DA ARMADA | 517

          ESTÓRIAS                                                                                         31



          O "ALMIRANTE"






             s Corvetas da Marinha que fazem comissão de fiscalização no   sempre à frente do Comandante da Corveta e atrás deste o Dele-
         AArquipélago dos Açores, nas suas missões, atracam em todos   gado Marítimo, dirigiram-se para a camarinha.
          os portos Açorianos onde existem cais acostáveis.     Incomodado com a situação, o cabo de mar continuava a dar-
           Noutros tempos, quando isto acontecia, o pessoal da Marinha   -lhe a dianteira pois apercebeu-se do equívoco em que tinha ca-
          em serviço nas Capitanias e Delegações Marítimas aproveitava   ído o Comandante.
          para adquirir na cantina do navio alguns produtos que não exis-  Já na camarinha, o Comandante mandou servir uma bebida ao
          tiam no mercado local.                              cabo de mar e ao Delegado Marítimo e pediu licença ao cabo de
           No final dos anos oitenta, um cabo de mar que durante 29 anos   mar para se fardar.
          prestou serviço numa Delegação Marítima, acumulando com a   Com a ausência do Comandante, o cabo de mar disse ao Dele-
          sua função as de prático do Porto e de escrivão da Delegação   gado Marítimo:
          Marítima, tinha a alcunha de "Almirante"; pela continuidade re-  – Ó senhor Tenente, olhe que o Sr. Comandante está convenci-
          petitiva do Escrivão da Capitania, dos colegas e do Delegado Ma-  do que eu sou mesmo Almirante!...
          rítimo, até o Capitão do Porto, quando a ele se referia por alguma   – É pá, é verdade! Mas deixa-o vir que nós vamos desfazer o
          circunstância, muito naturalmente também dizia "o Almirante".  erro.
           Já desligado do serviço, o cabo de mar pretendeu adquirir al-  Quando o Comandante regressou, já fardado, mandou vir uma
          guns produtos a bordo de uma corveta que se encontrava atra-  bebida; o Delegado Marítimo começou então a falar sobre as ac-
          cada ao molhe.                                      tividades do porto, atracação de navios, do tempo, e de outras
           Para o efeito, dirigiu-se à Delegação Marítima com o intuito de   operações e actividades locais, até que acabou dizendo:
          falar ao Delegado Marítimo sobre o assunto, mas ali foi informa-  – Aqui o nosso Almirante, que já está por cá desde 1959, é que
          do que ele tinha saído, acompanhado do Comandante do Navio.  era o prático do Porto, função que acumulava com as de cabo de
           Dirigiu-se ao molhe onde se encontrava a Corveta atracada, e   mar. Tem a alcunha de "Almirante", conhecida de todo o pessoal,
          não vendo o automóvel do Delegado Marítimo aproveitou para   até do Capitão do Porto.
          esticar as pernas num passeio sobre o molhe enquanto aguarda-  Com a continuação da conversa notava-se no Comandante o equí-
          va a sua chegada.                                   voco em que tinha caído, e ao despedirem-se disse:
           Pouco tempo depois avistou o automóvel do Delegado Maríti-  – Palavra que eu julgava que você era mesmo Almirante!
          mo, e dirigiu-se para o portaló do navio.             De  qualquer  das  formas  aceitou  a  situação,  acabando  bem-
           Viu-os sair do carro, e muito naturalmente, o Comandante do   -humorado e sorridente.
          navio, aproximando-se do cabo de mar, estendeu a mão e cum-  Quando saíram do navio é que o Delegado Marítimo disse ao
          primentou-o, dizendo:                               cabo de mar:
           – Como está, Sr. Almirante?                          – Quando eu vinha no automóvel e te avistei junto ao portaló,
           – Muito bem, Sr. Comandante – respondeu. Como está o se-  disse ao Comandante, com toda a naturalidade: "Lá está o nosso
          nhor?                                               Almirante!".
           – Faça favor de entrar.
           Convidou o cabo de mar a entrar à sua frente, tendo este sido                   Francisco Andrade de Medeiros
          cumprimentado pelo pessoal de serviço ao portaló, e seguindo   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico




























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