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de onde se lê que foi construída em 1511 por Afonso de Albuquer- o dos civis “bufos”. Entretanto, do navio ouvia-se a charanga de
que “Leão dos Mares”, e a colónia de pescadores descendentes de bordo ecoando pelo canal. Espectacular! Apanhámos o táxi que
portugueses que, tal como o nosso amigo e regedor, Silva, “papia- nos esperava, e já no extremo do canal, pago o serviço com uma
vam” umas palavras em português e as raparigas dançavam o vira. das notas de mil dracmas, servimo-nos de um bote que ali estava,
Foi pedida uma bandeira portuguesa, o que muito sensibilizou o sem dono, com remos e tudo, que depois deixámos ao cuidado
nosso Comandante. Levada a oferta, houve abraços e lágrimas. Re- do pequeno rebocador. Reveladas as fotos, deixaram o nosso Co-
gresso a Goa e logo a Karachi (Paquistão), onde a colónia goesa se mandante muito satisfeito e nós respirando de alívio. Nápoles, ru-
“apoderou” do nosso Comandante, não lhe permitindo descanso, ínas de Pompeia; Excursão a Roma: Basílica de S. Pedro, o manto
tantas as festas a que tinha de acorrer, algumas com acordeão, a da Virgem (renda, em mármore) de Miguel Ângelo, bem como os
solicitação do Comandante. Nunca no oeste do subcontinente in- frescos da Capela Sistina; a Catedral de S. Paulo, com os retratos
diano se ouviu e dançou tanto a “Marcha do Bairro Alto”. Estreito (óleos) de todos os Papas; as ruínas do Coliseu; o monumento a
de Ormuz, Golfo pérsico e Aba- Vítor Manuel II; a Fuente di Trevi
dan (Irão), onde reinava o Xá da (Fonte dos Amores). Depois, já
Pérsia com Mossadeg no exílio e em França, Toulon (para esque-
nas paredes das refinarias lê-se cer); Cartagena (Espanha) e o
“Go Home”. Sobe-se o Chat-al- clube dos sargentos onde fomos
-Arab e estamos em Baçorá (Ira- muito bem recebidos. A pedido,
que), onde se juntam o Tigris e que não podia recusar, toquei no
o Euphrates. Daqui para Bareinh acordeão da orquestra, que logo
e a visita do Emir. Figura impo- me acompanhou, a velha “La Pa-
nente, negros a barba, bigode, loma” de Sebastian Yrader, assim
sobrancelhas e ao ombro, sobre retribuindo o bom acolhimento
o albornoz branco, imacula- e, ao mesmo tempo, homenage-
do, um falcão. Passada a Arábia ando a música espanhola.
Saudita, Mar Vermelho, canal de Sou “forçado” a dançar com a
Suez (nacionalizado pelo coronel esposa de um camarada espa-
Nasser), Port-Said, os “monhés” nhol a quem depois agradeci e
e a visita ao Cairo: as pirâmides elogiei a sua leveza e o seu jei-
de Gizé (visitada a Quéops), a Es- to, ao que me respondeu: “Si,
finge, o Museu e o sarcófago de pero que me dio mucho traba-
Tutankamon; a Mesquita (tira sa- jo”. Deixado Gibraltar para trás
pato e calça pantufa), o enorme eis, finalmente, Lisboa. Depois o
lustre e o púlpito de alabastro costume, a dispersão, cada um
virado para Meca, onde o Rei Faruk rezava… Beirute (Líbano); Iz- para seu lado levando consigo um pouco da alma do navio, por-
mir (Turquia), atracados perto da praça com a estátua de Mustafá que os navios têm alma. Desta viagem ainda recordo alguns
Ataturk (que ocidentalizou a Turquia) e entrada no porto de Pireu nomes que, por outras voltas da vida, não esqueci: Chaves Uba-
(Grécia). Sou chamado ao Senhor Comandante, que me diz que- ch, que acompanhou muito o Dr. Urbano; Correia Jesuíno (que
rer uma fotografia do navio a passar o canal de Corinto. Permiti- foi ministro no V governo provisório); Vítor Crespo (tenente na
-me chamar-lhe a atenção que tal era proibido. “Ó homem, até fragata Diogo Cão, depois Almirante); Fuzeta da Ponte (quando
aí sei eu. Tire lá a fotografia”. Mandou-me falar com o tenente Governador Civil de Setúbal e na reunião com os representantes
Jacinto Pereira (AN) que me entregou 10 000 dracmas. (Estava ao das Comissões Administrativas das 13 Câmaras do distrito, e de-
par do escudo). Comigo foram também o guarda-marinha Correia pois Almirante CEMA)….
Jesuíno e o Mário, marinheiro fogueiro, meu adjunto na revelação Ao recordar tudo isto… sinto mais, cada vez mais, saudades
e também com máquina fotográfica. Fomos para terra na lancha do mar.
do piloto e logo, providencialmente, apareceu um táxi que nos
levou à ponte. Aí, na confusão com os civis, o Mário tirou as fotos Teodoro Ferreira
enquanto a minha máquina era arrancada das mãos por um guar- 1TEN SG
da. Tirou o rolo e expô-lo à luz com sorriso “sacaninha”, tal como N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico
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