Page 29 - Revista da Armada
P. 29

REVISTA DA ARMADA | 518




















          de onde se lê que foi construída em 1511 por Afonso de Albuquer-  o dos civis “bufos”. Entretanto, do navio ouvia-se a charanga de
          que “Leão dos Mares”, e a colónia de pescadores descendentes de   bordo ecoando pelo canal. Espectacular! Apanhámos o táxi que
          portugueses que, tal como o nosso amigo e regedor, Silva, “papia-  nos esperava, e já no extremo do canal, pago o serviço com uma
          vam” umas palavras em português e as raparigas dançavam o vira.   das notas de mil dracmas, servimo-nos de um bote que ali estava,
          Foi pedida uma bandeira portuguesa, o que  muito sensibilizou o   sem dono, com remos e tudo, que depois deixámos ao cuidado
          nosso Comandante. Levada a oferta, houve abraços e lágrimas. Re-  do pequeno rebocador. Reveladas as fotos, deixaram o nosso Co-
          gresso a Goa  e logo a Karachi (Paquistão), onde a colónia goesa se   mandante muito satisfeito e nós respirando de alívio. Nápoles, ru-
          “apoderou” do nosso Comandante, não lhe permitindo descanso,   ínas de Pompeia; Excursão a Roma: Basílica de S. Pedro, o manto
          tantas as festas a que tinha de acorrer, algumas com acordeão, a   da Virgem (renda, em mármore) de Miguel Ângelo, bem como os
          solicitação do  Comandante. Nunca no oeste do subcontinente in-  frescos da Capela Sistina; a Catedral de S. Paulo, com os retratos
          diano se ouviu e dançou tanto a “Marcha do Bairro Alto”. Estreito   (óleos) de todos os Papas; as ruínas do Coliseu; o monumento a
          de Ormuz, Golfo pérsico e Aba-                                               Vítor Manuel II; a Fuente di Trevi
          dan (Irão), onde reinava o Xá da                                             (Fonte  dos  Amores).  Depois,  já
          Pérsia com Mossadeg no exílio e                                              em França, Toulon (para esque-
          nas paredes das refinarias lê-se                                             cer);    Cartagena  (Espanha)  e  o
          “Go  Home”.  Sobe-se  o  Chat-al-                                            clube dos sargentos onde fomos
          -Arab e estamos em Baçorá (Ira-                                              muito bem recebidos. A pedido,
          que), onde se juntam o Tigris e                                              que não podia recusar, toquei no
          o Euphrates. Daqui para Bareinh                                              acordeão da orquestra, que logo
          e a visita do Emir. Figura impo-                                             me acompanhou, a velha “La Pa-
          nente,  negros  a  barba,  bigode,                                           loma” de Sebastian Yrader, assim
          sobrancelhas e ao ombro, sobre                                               retribuindo  o  bom  acolhimento
          o  albornoz  branco,    imacula-                                             e, ao mesmo tempo, homenage-
          do, um falcão. Passada a Arábia                                              ando a música espanhola.
          Saudita, Mar Vermelho, canal de                                                Sou “forçado” a dançar com a
          Suez (nacionalizado pelo coronel                                             esposa  de  um  camarada  espa-
          Nasser), Port-Said, os “monhés”                                              nhol a quem depois agradeci e
          e a visita ao Cairo: as pirâmides                                            elogiei a sua leveza e o seu jei-
          de Gizé (visitada a Quéops), a Es-                                           to,  ao  que  me  respondeu:  “Si,
          finge, o Museu e o sarcófago de                                              pero que me dio mucho traba-
          Tutankamon; a Mesquita (tira sa-                                             jo”. Deixado Gibraltar para trás
          pato e calça pantufa), o enorme                                              eis, finalmente, Lisboa. Depois o
          lustre  e  o  púlpito  de  alabastro                                         costume, a dispersão, cada um
          virado para Meca, onde o Rei Faruk rezava… Beirute (Líbano); Iz-  para seu lado levando consigo um pouco da alma do navio, por-
          mir (Turquia), atracados perto da  praça com a estátua de Mustafá   que os navios têm alma. Desta viagem ainda  recordo  alguns
          Ataturk (que ocidentalizou a Turquia) e entrada no porto de Pireu   nomes que, por outras voltas da vida, não esqueci: Chaves Uba-
          (Grécia). Sou chamado ao Senhor Comandante, que me diz que-  ch, que acompanhou muito o Dr. Urbano; Correia Jesuíno (que
          rer uma fotografia do navio a passar o canal de Corinto. Permiti-  foi ministro no V governo provisório); Vítor Crespo (tenente na
          -me chamar-lhe a atenção que tal era proibido. “Ó homem, até   fragata Diogo Cão, depois Almirante); Fuzeta da Ponte (quando
          aí sei eu. Tire lá a fotografia”. Mandou-me falar com o tenente   Governador Civil de Setúbal e na reunião com os representantes
          Jacinto Pereira (AN) que me entregou 10 000 dracmas. (Estava ao   das Comissões Administrativas das 13 Câmaras do distrito, e de-
          par do escudo). Comigo foram também o guarda-marinha Correia   pois Almirante CEMA)….
          Jesuíno e o Mário, marinheiro fogueiro, meu adjunto na revelação     Ao recordar tudo isto… sinto mais, cada vez mais, saudades
          e também com máquina fotográfica. Fomos para terra na lancha   do mar.
          do  piloto e logo, providencialmente, apareceu um táxi que nos
          levou à ponte. Aí, na confusão com os civis, o Mário tirou as fotos                        Teodoro Ferreira
          enquanto a minha máquina  era arrancada das mãos por um guar-                                   1TEN SG
          da. Tirou o rolo e expô-lo à luz com sorriso “sacaninha”, tal como   N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico



                                                                                                     MAIO 2017  29
   24   25   26   27   28   29   30   31   32   33   34