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REVISTA DA ARMADA | 518
ESTÓRIAS 32
"Ó HOMEM, ATÉ AÍ SEI EU.
TIRE LÁ A FOTOGRAFIA!"
ertenço ao número dos que ti-
Pveram a honra de servir o então
Capitão-de-mar-e-guerra Sarmento
Rodrigues. Assumiu ele o coman-
do do Aviso de 1ª classe Bartolo-
meu Dias, em Abril de 1955. Do seu
nome, obra e prestígio fui testemu-
nha onde quer que aportássemos.
Era manifesto o carinho e o respei-
to com que o recebiam não só por,
durante a II Grande Guerra, ter salvo
largas dezenas de náufragos, sobre-
tudo ingleses e americanos, como
ainda por ter ocupado altos cargos
de Estado em África e no Oriente,
pelo que muitas vezes era tratado
por “Senhor Governador”, ao que
ele respondia: “Isso já lá vai. Agora
sou o comandante do navio”.
Já cumpridas as viagens presi- Fotos do autor
denciais (General Craveiro Lopes) a
Cabo-Verde, Guiné e Madeira (em
Maio) e mais tarde, a 20 de Outubro, a Inglaterra, desde logo Lido o cartão, foi textual: “Ó homem! Este rapaz é um valor
os preparativos para a viagem de Instrução de Guardas-Mari- nacional. Ele que venha para bordo. Diga-lhe que venha para
nhas, sendo que a guarnição, com poucas excepções, renderia bordo!” Corri ao hotel e… a bordo foi-lhe dado alojamento.
a do Afonso de Albuquerque, que continuaria em comissão na A viagem prosseguiu, as recepções a bordo e o nosso Coman-
Índia. Assim, em Novembro, aportámos a La Valletta, na ilha de dante, a um só tempo, anfitrião e embaixador. O programa repe-
Malta, terra do mel e de igrejas de pedra antiquíssimas. Como tia-se agora com outras figuras civis e militares. Não me recordo
Estado membro da comunidade britânica, sofreu e resistiu he- em que porto entrou a bordo um militar, farda cinzenta, figura de
roicamente aos ataques aéreos de alemães e italianos duran- alto porte mas… sem uma única medalha. Após os cumprimen-
te os anos de guerra. Recepção a bordo de altas figuras civis tos, tirada a fotografia, perguntei ao senhor Comandante quem
e militares. Chegados ao Egipto e com a estátua de Ferdinand era ele; “Ah, você reparou. Trata-se de um militar cujo corpo de
Lesseps apontando o canal, fundeámos em Port-Said. Aqui so- exército não usa medalhas!”. Porém, (a meu ver, claro), tal desu-
mos cercados por “monhés” oferecendo os seus produtos, tudo so era compensado com os lindos vestidos das senhoras, alguns
a “one pound”, o que levou alguns dos “nossos”, que também de corte gracioso, ou para ser mais preciso, decote generoso. O
os temos, a enganá-los com notas, verdinhas, de 20 escudos. pessoal da taifa, impecável, sob as ordens do despenseiro “Vaga
Umas horas depois, percebido o logro, os gritos de protesto Morta”, deambulava entre os convidados com bandejas de pas-
agitando as notas. Já feito meio canal, a espera no “Lago Es- telinhos, roletes de cabrestante (vulgo croquetes), anchovas… ta-
maília” para deixar passar os navios que vinham do Suez. Mar ças nas mãos e muita alegria. A navegar, havia palestras alusivas
Vermelho, Aden (Arábia Saudita) e Goa. Fundeámos no porto aos sítios por onde passávamos, “história, cultura, etc.”, feitas
de Mormugão, mais propriamente em “Dona Paula”, onde é fei- pelos guardas-marinhas, onde já estava incluído o Dr. Urbano
ta a troca da guarnição. Em Pangin (Nova Goa), junto ao hotel Tavares Rodrigues que era dos mais escutados (casa das máqui-
“Mandovi”, sou abordado por um jornalista “Redactor do Diário nas e caldeiras incluídas). Singapura. De braços abertos, entra
de Lisboa”, de seu nome, Urbano Tavares Rodrigues. Satisfeita pela prancha um convidado, inglês, que quase matava o nosso
a sua curiosidade, pediu-me fotografias. Disse-lhe que o “ma- comandante com um abraço que o deixou comovido. Era um dos
terial” era do navio, mas que iria pôr o problema ao nosso Co- náufragos do paquete inglês Avila Star, afundado por um subma-
mandante, a quem mostrei o cartão, disse do seu entusiasmo e rino alemão ao largo dos Açores. Já lá iam 14 anos. Malásia. Fun-
da pena em não poder acompanhar-nos. deados junto a Malaca. Junto à porta da velha fortaleza, uma lápi-
28 MAIO 2017