Page 28 - Revista da Armada
P. 28

REVISTA DA ARMADA | 518

          ESTÓRIAS                                                                                         32



          "Ó HOMEM, ATÉ AÍ SEI EU.



          TIRE LÁ A FOTOGRAFIA!"







            ertenço  ao  número  dos  que  ti-
         Pveram a honra de servir o então
          Capitão-de-mar-e-guerra  Sarmento
          Rodrigues.  Assumiu  ele  o  coman-
          do  do  Aviso  de  1ª  classe  Bartolo-
          meu Dias, em Abril de 1955. Do seu
          nome, obra e prestígio fui  testemu-
          nha  onde  quer  que  aportássemos.
          Era manifesto o carinho e o respei-
          to com que o recebiam não só por,
          durante a II Grande Guerra, ter salvo
          largas dezenas de   náufragos, sobre-
          tudo  ingleses  e  americanos,  como
          ainda  por ter ocupado  altos cargos
          de  Estado  em  África  e  no  Oriente,
          pelo  que  muitas  vezes  era  tratado
          por  “Senhor  Governador”,  ao  que
          ele respondia: “Isso já lá vai. Agora
          sou o comandante do navio”.
           Já  cumpridas  as  viagens  presi-                                                                    Fotos do autor
          denciais (General Craveiro Lopes) a
          Cabo-Verde,  Guiné  e  Madeira  (em
          Maio)  e mais tarde, a 20 de Outubro,  a Inglaterra,  desde logo   Lido o cartão, foi textual: “Ó homem! Este rapaz é um valor
          os preparativos para a viagem de Instrução de Guardas-Mari-  nacional. Ele que venha para bordo. Diga-lhe que venha para
          nhas, sendo que a guarnição, com poucas excepções, renderia   bordo!” Corri ao hotel e… a bordo foi-lhe dado alojamento.
          a do Afonso de Albuquerque, que continuaria em comissão na   A viagem prosseguiu, as recepções a bordo e o nosso Coman-
          Índia. Assim, em Novembro, aportámos a La Valletta, na ilha de   dante, a um só tempo, anfitrião e embaixador. O programa repe-
          Malta, terra do mel e de igrejas de pedra antiquíssimas. Como   tia-se agora com outras figuras civis e militares. Não me recordo
          Estado membro da comunidade britânica, sofreu e resistiu he-  em que porto entrou a bordo um militar, farda cinzenta, figura de
          roicamente aos ataques aéreos de alemães e italianos duran-  alto porte mas… sem uma única medalha.  Após os cumprimen-
          te os anos de guerra. Recepção a bordo de altas figuras civis   tos, tirada a fotografia, perguntei ao senhor Comandante quem
          e militares. Chegados ao Egipto e com a  estátua de Ferdinand   era ele; “Ah, você reparou. Trata-se de um militar cujo corpo de
          Lesseps apontando o canal, fundeámos em Port-Said. Aqui so-  exército não usa medalhas!”. Porém, (a meu ver, claro), tal desu-
          mos cercados por “monhés” oferecendo os seus produtos, tudo   so era compensado com os lindos vestidos das senhoras, alguns
          a “one pound”, o que levou alguns dos “nossos”, que também   de corte gracioso, ou para ser mais preciso, decote  generoso. O
          os temos, a enganá-los com notas, verdinhas, de 20 escudos.   pessoal da taifa, impecável, sob as ordens do despenseiro “Vaga
          Umas  horas  depois,  percebido  o  logro,  os  gritos  de  protesto   Morta”, deambulava entre os convidados com  bandejas de pas-
          agitando as notas. Já feito meio canal, a espera no “Lago Es-  telinhos, roletes de cabrestante (vulgo croquetes), anchovas… ta-
          maília” para deixar passar os navios que vinham do Suez. Mar   ças nas mãos e muita alegria. A navegar, havia palestras alusivas
          Vermelho, Aden (Arábia Saudita) e Goa. Fundeámos no porto   aos sítios por onde passávamos, “história, cultura, etc.”,  feitas
          de Mormugão, mais propriamente em “Dona Paula”, onde é fei-  pelos guardas-marinhas, onde já estava  incluído o Dr. Urbano
          ta a troca da guarnição. Em Pangin (Nova Goa), junto ao hotel   Tavares Rodrigues que era dos mais escutados (casa das  máqui-
          “Mandovi”, sou abordado por um jornalista “Redactor do Diário   nas e caldeiras incluídas).  Singapura. De braços abertos, entra
          de Lisboa”, de seu nome, Urbano Tavares Rodrigues. Satisfeita   pela prancha um convidado, inglês, que quase matava o nosso
          a sua curiosidade, pediu-me fotografias. Disse-lhe que o “ma-  comandante com um abraço que o deixou comovido. Era um dos
          terial” era do navio, mas que iria pôr o problema ao nosso Co-  náufragos do paquete inglês Avila Star, afundado por um subma-
          mandante, a quem mostrei o cartão, disse do seu entusiasmo e   rino alemão ao largo dos Açores. Já lá iam 14 anos. Malásia. Fun-
          da  pena em não poder acompanhar-nos.               deados junto a Malaca. Junto à porta da velha fortaleza, uma lápi-



         28   MAIO 2017
   23   24   25   26   27   28   29   30   31   32   33